terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

A mensagem radical d’As Meninas Superpoderosas

 

Há algumas semanas comecei a maratonar As Meninas Superpoderosas, simplesmente por uma questão de nostalgia e o que eu acabei vendo não foi apenas um desenho infantil que fizera parte da minha infância, mas uma obra genuinamente corajosa e honesta que, se fosse devidamente restaurada, poderia representar uma evolução muito positiva para as nossas crianças.

As Meninas Super Poderosas é uma série em desenho animado iniciada em 1998 e terminada em 2005, totalizando 6 temporadas. Criada por Craig McCraken e transmitida originalmente pelo Cartoon Network, ela foi considerava uma verdadeira mania nos EUA no final da década de 90. No Brasil, era exibida pela filial brasileira do canal americano e também pelo SBT. Contando a história de 3 garotas (Florzinha, Lindinha e Docinho) que foram criadas em laboratório pelo professor Utônio e lutam com seus super-poderes para combater o mal que assola a cidade onde vivem, Townsville. A maioria dos episódios é dividido em 2 partes, onde cada uma funciona como um episódio isolado, geralmente tratando de desafios que as meninas enfrentam usando seus super-poderes.

No entanto, há episódios que fogem um pouco a essa temática e além de apresentar as meninas lutando, também apresentam mensagens para os pequenos. O recurso é muito comum nos desenhos animados, porém o incomum em algumas dessas mensagens é a coragem que seus criadores tiveram ao assumirem posições muito radicais, porém necessárias para a nossa sociedade.

Já é de amplo conhecimento entre a bolha mais racional da internet o episódio em que o Macaco Louco se faz de oprimido para chamar a atenção de ativistas dos direitos animais e assim evita ser detido pelas Meninas e consegue roubar equipamentos para formar uma máquina de destruição. O que não é tão divulgado são outros episódios que fariam a bolha mais racional se apaixonar pelo desenho, como, por exemplo, o episódio em que uma vilã feminista convence as Meninas a derrubarem o patriarcado, enquanto ela continua cometendo seus crimes. Ao final do episódio, as meninas são convencidas da negatividade desse radicalismo por um grupo de mulheres que sofreram nas mãos da vilã.

Outro episódio menos conhecido, porém muito bom também, é o episódio em que uma associação de pais elabora um documento proibindo as meninas de usarem seus super-poderes porque elas estão influenciando negativamente as crianças da cidade e aí as taxas de crime sobem vertiginosamente. E enquanto a cidade cai no caos, os responsáveis pela associação se escondem em sua casa enorme e cheia de dispositivos de segurança, sem se preocupar com o mundo exterior, como verdadeiros demagogos.

E claro, não podemos esquecer do prefeito, que é sempre mostrado como um preguiçoso, às vezes corrupto e mentiroso. No episódio em que as mentiras ganham uma encarnação num bicho branco e que vai aumentando conforme as mentiras são contadas e só pode ser detido ao se contar verdades, o prefeito aparece no final do episódio dizendo que acabara de fazer o seu discurso de reeleição e tinha um problema pra elas resolverem. O problema era uma encarnação da mentira maior do que os prédios mais altos da cidade.

Todos esses são exemplos da mensagem racional de As Meninas Superpoderosas nos apresentando exemplos e temas que poderiam nos ajudar em muitos problemas de hoje, porém, para mim, o melhor episódio é um que foge inclusive a estrutura clássica dos episódios.

O referido episódio é o décimo segundo da quinta temporada, chamado “See Me, Feel Me, Gnomey”, que não só apresenta uma mensagem racional, mas muito libertária. O episódio inteiro é um musical e ele não é dividido em 2 partes, começando com os principais vilões da série atacando a cidade simultaneamente.

Como de costume, as meninas aparecem, mas não conseguem deter os vilões, pois todos eles juntos são fortes demais para ela. Então aparece um gnomo misterioso, oferecendo a elas eliminar os vilões em troca dos superpoderes delas. As meninas acabam aceitando, não só porque irão se livrar dos vilões, mas também porque irão conseguir ter sua “liberdade” finalmente, afinal sem os superpoderes terão a possibilidade de serem tratadas como crianças normais.

Dessa forma, o gnomo consegue o que quer e some com os vilões, porém o que ninguém em Townsville (mas nós, espectadores, já esperávamos) é que ele almejava ter o controle total da cidade. O gnomo, agora superpoderoso, constrói uma torre no centro da cidade e exige que todos os cidadãos doem para ele flores, criando um verdadeiro culto que chega a escravizar as pessoas de Townsville, as quais já não pensam por si só e vivem de cabeça baixa, resignadas, apenas doando flores para o gnomo.

Nesse ínterim até mesmo as meninas parecem felizes, até aparecer o professor Utônio e lembrá-las de que vivemos em busca de Liberdade, conquistamos posses e poderes em busca da liberdade e cada um é responsável pela sua própria Liberdade, numa verdadeira ode á responsabilidade individual de cada um em busca desse bem inigualável que é a Liberdade.

E assim, as meninas partem em direção à torre do gnomo onde travam a luta final contra ele, aproveitando para nos ensinar que o mundo tem um equilíbrio natural, onde a desigualdade é incontornável, porém isso não necessariamente é negativo. Onde há o bem sempre há o mal é o que elas nos dizem e isso podemos trazer para a nossa realidade, onde sacrificamos nossa liberdade em troca de uma falsa segurança, como se pudéssemos alcançar uma segurança utópica sem riscos. Viver é assumir riscos e é a responsabilidade necessária para assumir esses riscos que nos traz a Liberdade.

Em sua megalomania, o gnomo percebe que não é nada diante do universo e sua utopia é uma farsa. Com a cidade salva, os cidadãos de Townsville agradecem às meninas com reverências e elas não as aceitam, reforçando mais uma vez a mensagem madura, racional (e sim, libertária!) de responsabilidade individual, clamando para que Townsville seja você mesma, sem depender dos outros.

É assim que se encerra um dos melhores episódios de As Meninas Superpoderosas, concluindo com uma mensagem racional que seria muito útil para os dias de hoje, para ensinar às pessoas que elas são responsáveis pela sua Liberdade, pela sua segurança e pelo seu futuro, não devendo esperar que ninguém (muito menos alguma figura de poder centralizada) faça o que somente elas devem fazer.