domingo, 30 de agosto de 2015

Dica musical: "Abandoned" de Defeater

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Defeater é uma banda de hardcore melódico dos EUA formada em 2007. Todos os seus álbuns são conceituais e contam uma história de diferentes pontos de vista sobre os acontecimentos que se sucederam a uma família trabalhadora de Nova Jérsei num Estados Unidos pós-segunda guerra mundial.

Como é a primeira vez que falo dessa excelente banda no blog, me sinto obrigado a detalhar um pouco mais da história para que seja compreensível o meu alto nível de admiração pela banda. O primeiro CD definiu toda a história que os outros álbuns circundam, contando a trajetória de um adolescente, odiado pelo pai, com uma mãe viciada em heroína e um irmão que sempre foi visto como um rival. Um dia, ele perde a linha, mata o pai e foge, então inicia longas viagens, sempre se culpando, sem poder esquecer do crime que cometera. Anos depois, ele volta para casa, apenas para descobrir que sua mãe morreu e seu irmão procura desesperadamente por vingança. Numa luta final, seu irmão acaba morrendo atropelado por um trem e ele vai até uma igreja, se confessa para o padre e se suicida, pulando da torre do sino.

É uma história horrível, eu sei, mas é contada de forma magistral por uma das melhores bandas em atividade que existe por aí.

Os álbuns que se seguiram contam a mesma história, só que de diferentes pontos de vista. O EP que se seguiu ao lançamento do álbum conta a história de um ex-soldado negro que está perdido num EUA que não o reconhece e encontra paz na música, inspirando jovens, como o da nossa história principal, que após se encontrar com o cantor negro decide voltar para casa. O segundo álbum conta a história do ponto de vista do irmão mais velho, conhecemos um pouco mais do pai (que servia como um exemplo para o irmão mais velho), sua raiva e ressentimento, como ele esqueceu isso ao se casar, como tudo voltou com o assassinato de sua mulher e a banda nos mostra como criar uma narrativa ao finalizar a história na música "White Oak Doors" (essa música me arrepia até hoje e foi o mais perto que eu cheguei de chorar ao ouvir uma canção). No terceiro álbum conhecemos a história de seu pai através de cartas (que são cantadas pelo vocalista), seguindo uma linearidade inversa (ou seja, as cartas mais recentes vêm primeiro e depois as cartas mais antigas, como se você estivesse lendo-as de uma caixa empoeirada no fundo do armário), conhecemos suas razões para odiar o filho mais novo (injustificável, mas ainda assim... ), como ele perdeu seu irmão na guerra e acabou virando um alcoólatra e suas batalhas sangrentas em território europeu. Neste quarto álbum, conhecemos a história do padre do primeiro álbum, que recebeu as confissões do filho mais novo e descobrimos que ele não era só um coadjuvante na história toda.

Musicalmente, sempre achei o Defeater uma banda limitada. A bateria sempre guiando o ritmo das canções, com batidas bem demarcadas, como numa marcha militar, acordes melódicos repetitivos de guitarra são o mais harmônico em suas canções e o baixo, basicamente, segue a bateria. Embora, a banda tenha seus momentos musicais impressionantes, como no final de "Cowardice", é a narrativa que realmente impressiona (a própria "Cowardice", eu não sei se seria tão impactante sem o contexto da história) e como a banda usa a música apenas como um instrumento para contar a sua história, um acompanhamento, simplesmente. Isso é muito ousado e há momentos em que isso não funciona de forma alguma, criando músicas chatas de ouvir. Essa foi basicamente a minha conclusão com todo o terceiro álbum, "Letters Home", no entanto, me surpreendi com esse.

Aqui, a banda encontra mais espaço para a melodia entre as batidas militares de bateria e os gritos do vocalista, podendo ser classificado como um dos álbuns mais musicais da banda (ainda acho "Empty Days & Sleepless Nights" melhor, musicalmente falando), mas são as letras que se destacam.

= Spoilers à frente =

Nesse álbum descobrimos que o padre também lutou na guerra e por isso perdeu sua fé, mas continua como padre apenas pelas vantagens do ofício (moradia gratuita, uma imagem pública intocável, além do respeito de centenas de desconhecidos). No entanto, por dentro, ele se rende ao desespero e se volta para as drogas, acaba sendo consumido por uma culpa que cresce de forma exponencial, até que se envolve com uma mulher, a mãe da família e a engravida. Sim, o filho mais novo é, na verdade, filho do padre (em "Letters Home" fica claro que ele é um filho bastardo, por isso o pai o odeia, mas não fica claro quem é seu pai biológico). Quando o pai volta da guerra, o padre abandona a mãe e passa a viver em reclusão, longe daquela família. Os anos passam e ele finalmente encontra filho mais novo, conversa com ele pela primeira vez e descobre que seu filho está mais perdido que ele. Assim que ele se suicida, o padre chega à mesma conclusão que o pai e o filho mais velho chegaram no final de seus álbuns, ele não é ninguém, ele não é nada.

= Fim dos Spoilers =

Uma habilidade que sempre me chamou a atenção desde que conheci Defeater é a de criar um vazio na boca do estômago assim que eu termino de escutar o álbum pela primeira vez. Um vazio existencial, na verdade, provocado por uma história tão trágica, mas que é carregada de emoção (é perceptível a pessoalidade que a banda assumiu com esse "projeto". A banda já existia antes, em 2007 mudaram o nome para Defeater e logo lançaram o primeiro álbum, prometendo que todos os álbuns que criassem depois seriam baseados nessa história) e torna-se bela aos ouvidos de quem se aventura por ela. O vazio que eu sinto após ouvir os CD's pela primeira vez não é algo deprimente, é apenas como se por um curto espaço de tempo (o espaço de tempo em que eu ainda estou digerindo a história), nada existisse, resultado da imersão na história provocada pela banda. Mas não chega a te deprimir, muito pelo contrário, aos poucos você vai percebendo a tangibilidade da realidade à sua volta e como ela é bela; e como você é grato por sua família não ser assim, por você nunca ter brigado com seus pais, por seu pai ficar bêbado só nas festas do final de ano, por você nunca ter visto sua mãe fumar um cigarro sequer e por seu irmão te acompanhar no cinema. Defeater te faz compreender a beleza da vida ao te mostrar o lado oposto da moeda.

Esse vazio existencial, eu senti no final desse álbum. Escrever esse post faz parte de sentir a tangibilidade do mundo à minha volta. Eu nunca ouvi uma banda que produzisse álbuns com um poder narrativo tão grande e apesar de sua limitação musical, eu os considero sim uma das melhores bandas da atualidade (na verdade, a segunda melhor, só perde para uma certa banda de Michigan que domina não só a habilidade narrativa, como a habilidade musical também, mas aqueles caras não são humanos normais). Em "Abandoned", Defeater soube manter sua qualidade musical num nível bem alto, além de criar uma narrativa que não serve apenas como um apêndice da história principal, apesar da participação minúscula que seu personagem tem nela. É um álbum que fecha pontos abertos da história, mas não tem o tom de conclusão de álbuns anteriores.

5 pontos

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Dica literária: "Ficando longe do fato de já estar meio que longe de tudo" de David Foster Wallace (2012)

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Minha jornada com David Foster Wallace começou ainda no ano passado, quando li uma matéria que instigava a curiosidade acerca de "Graça Infinita" (um livro com mais de 1000 páginas escrito por David Foster Wallace nos anos 90), um livro muito bem falado e que me chamou a atenção, mas como o texto que li não indicava o livrão de mais de 1 quilo para começar a se aventurar pelas notas de rodapé quilométricas de DFW e dizia para se começar por esse livrinho que irei indicar aqui, iniciei uma caçada por diversos sebos online e acabei encontrando em meados de Maio um exemplar a venda na Estante Virtual, comprei, li durante todo o mês de julho e esse mês e me sinto na obrigação de recomendá-lo.

David Foster Wallace foi um autor de romances, contos e também ensaísta, embora seja mais lembrado e reconhecido pela sua prosa. Esse livro, publicado aqui no Brasil pela Cia. das Letras, reúne diversos ensaios do autor, seguindo uma tendência europeia de publicar seus ensaios.

E em meio a notas de rodapé quilométricas, descrições bizzaramente detalhadas, uma verborragia invejável e um conhecimento muito grande, é possível descobrir um homem, que apesar de sofrer suas perturbações (ele acabou se suicidando em 2008, o que levanta questões sobre uma de suas filosofias de vida exposta nesse livro), era também um homem que conseguia manter um sagaz senso de humor, tirando-o das experiências mais bizarras, que passariam despercebidas pelo homem comum, o qual a maioria de nós é.

"Ficando longe do fato de já estar meio que longe de tudo" é uma ótima introdução a David Foster Wallace, não exigindo muito do leitor, feito de forma simples, tornando a leitura muito agradável e prazerosa. Ri muito lendo esse livro, mas também ficava pensando minutos e minutos antes de dormir no que acabara de ler.

4 pontos e meio

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Dica musical: "Compton" de Dr. Dre (2015)

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Após 16 anos, Dr. Dre lança um álbum de inéditas. Um álbum complexo e profundo, que também é a trilha sonora do documentário "Straight Outa Compton".

Pra começar, "Compton" é um álbum complexo, com uma ampla gama de instrumentos, criando uma gama ainda maior de harmonias, ritmos e climas ao longo de suas 16 canções. Algumas são extremamente agressivas, enquanto outras são calmas, poucas são tão caóticas que perturbam os ouvidos e outras poucas chegam a dar sono de tão lentas, mas não é só em suas melodias que o CD se sustenta.

As letras, assim como as melodias, sofrem diferentes graus de variação, algumas muito agressivas, outras apaixonadas, algumas cheias de críticas, enquanto outras não passam de histórias fantasiosas sendo contadas para os ouvintes. Toda essa variedade só é possível devido ao número ridiculamente grande de colaboradores nesse álbum, em que Dr Dre mal tem espaço para soltar suas rimas.

E tem todo tipo de colaborador, desde rappers conscientes e agressivos como Kendrick Lamar e Ice Cube, até os mais zueiros como Eminem e Snoopy Dog, sem contar os vocais femininos que dão um ar R&B para o álbum.

Ao final do álbum, dá uma sensação de que esse álbum foi realmente feito para uma cidade (Compton não é bem uma cidade, é mais um distrito de Los Angeles, mas tá valendo), contando as histórias de seus diversos personagens ilustres que por ali viveram, dando voz aqueles que ainda estão por lá e se esforçando para deixar um legado para quem nunca viveu na cidade ou pelo menos não do jeito como eles viveram.

Mas nem tudo são flores. Esse álbum é cheio de toques eletrônicos, vários efeitos remanescentes da época "bling bling" do hip hop, além de ter sido lançado diretamente em meios digitais (o que quer dizer muito em uma época como a que estamos vivendo agora e não quer dizer coisa boa).

Ainda assim, "Compton" é um excelente álbum, compilando um pouco do que tem de melhor no mundo mainstream do hip hop, com muita sagacidade, aproveitando de um tratamento especial.

4 pontos

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Dica literária: "Planetes" de Makoto Yukimura

planetes-946616Mostrando que o mercado de mangás brasileiro está abrindo seus horizontes, a Panini/Planet Mangá lançou este ano o primeiro volume de Planetes, numa edição impecável e que, eu espero, não demore a ser lançada por completo aqui.

No ano de 2071, a humanidade já se instalou na lua e viagens são feitas de aviões supersônicos acima da atmosfera terrestre. Apesar de representarem avanços inimagináveis para a civilização, tudo isso gera muito lixo espacial. Para resolver esse problema, existem os "lixeiros espaciais", pessoas que acabam com os destroços espaciais, recolhendo-os ou eliminando-os jogando eles contra a atmosfera, queimando-os. O mangá acompanha o dia a dia de uma dessas equipes, à bordo da espaçonave "Toybox", trabalhando para a Technora Corporation, com suas ambições, sonhos e desafios, naturais de todo ser humano e que não mudam, nem com o passar de quase um século, nem há milhares de quilômetros acima da Terra.

Trata-se então de um "slice of life" (mangás que acompanham a rotina de seus personagens, de uma forma mais realista), só que com elementos de ficção científica, uma mistura que cai muito bem e coincide com os primórdios do gênero (ficção científica), em que os personagens e suas reações aos diversos desafios do espaço, em um nível pessoal, eram o ponto principal das tramas.

O desenho é muito bem feito, cheio de detalhes e se destaque no meio do amontoado simplista e infantil dos traços de mangás publicados atualmente. Sem contar que o autor sabe criar uma narrativa gráfica como poucos, explicando muito em poucos quadros, sem a necessidade de apresentar balões de falas.

Além disso, o mangá se destaca pela sua qualidade gráfica. Ele joga no chinelo e cospe em cima dos outros mangás que eu tenho aqui em casa, da qualidade do papel até a capa, tudo é exageradamente superior ao que tem sido feito no Brasil. Uma verdadeira honra aos quadrinhos orientais.

Enfim, "Planetes" apresenta uma ótima história e merece ser comprado (pode até não ser a sua praia, mas eu tenho certeza que vai dar gosto vê-lo na sua coleção, ainda mais sabendo que trata-se de uma edição brasileira), mais que recomendado.

4 pontos e meio

domingo, 16 de agosto de 2015

Dica literária: "Turma da Mônica - Lições"

msp-lic3a7oes-11-capaMais uma Graphic MSP lançada e neste volume, os irmãos Caffagi voltam para nos entreter mais uma vez com mais uma nostálgica história do grupo de amigos mais influente da literatura brasileira; a turma da Mônica, claro!

Se na primeira história da turma da Mônica pelos irmãos Caffagi, ela parecia um daqueles filmes dos anos 8 sobre amigos que passava na Sessão da Tarde, nesse volume somos apresentados a uma história com uma abordagem mais contemporânea. Começando com mais um dos planos infalíveis do Cebolinha, que, pra varia, falha, a Mônica acaba mudando de escola e esse acontecimento resulta em uma série de implicações decisivas na vida de todos os personagens da turma, fazendo-os perceber o valor que cada um tem ali.

A arte, como já era de se esperar, continua soberba. Os personagens continuam com aquele estilo "fofo" deles, meio gordinhos, pequenos, mas os personagens adultos são muito bem caracterizados também, mostrando que não há limitações para os irmãos. Outro ponto interessante é a mescla entre estilos. Em "Laços", a divisão entre o traço de Vitor e o da Lu era bem marcante, aqui há uma mescla maior e em algumas partes fica difícil saber quem fez o que nesse álbum.

Como sempre, o trabalho editorial está de parabéns, dessa vez, apresentando ao final, algumas curiosidades sobre personagens secundários (mas não falaram do Jeremias, que eu tenho certeza que fez uma partcipação especial, embora menos óbvia que o Titi - e não me pergunte como que eu lembrei do nome desse personagem, por que nem eu sei - e o Xaveco é claro!).

Enfim, mais um volume da Graphic MSP, mais uma nota alta e mais um trabalho excelente dos irmãos Caffagi.

4 pontos e meioObs: Estou ansioso pela Graphic MSP do Louco.

sábado, 8 de agosto de 2015

Dica musical: "Agreste" de Troco em Bala (2015)

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Troco em Bala é uma banda nordestina de indie rock e lança o CD "Agreste" para apresentar, explicar e sintetizar o que é o agreste.

Com composições poéticas e um ritmo que lembra bem os bons tempos do indie rock do início dos anos 2000, mas puxando referências mais recentes, esse álbum é um deleite para os ouvidos. Suas canções vão desde as mais dançantes, até as mais melódicas, mas sempre com algo a dizer, mesmo na mais simples, que compensa pelo ritmo mais dançante do álbum todo.

Cada música apresente uma temática diferente e própria, fazendo com que o álbum não pareça um conjunto único, mas um conjunto de diferentes elementos, que compõem uma obra muito boa e edificante.

Enfim, "Agreste" é uma ótima surpresa no rico cenário artístico nacional e que merece ser ouvido muitas vezes.

4 pontos