quinta-feira, 16 de março de 2017

Dica cinematográfica: "Silêncio" (2016)

Martin-Scorsese

Mais um filme lançado em 2016, mas que só chegou ao Brasil em 2017. Meio chato isso, não? Pois é, mas esse filme compensa, porque é o melhor filme que eu assisti esse ano até agora.

O filme, dirigido por Martin Scorsese, estrelado por Andrew Garfield, Adam Driver, Liam Neeson, Yosuke Kubozuka, Tadanobu Asano e Issei Ogata, adapta o livro “Silêncio” de Shusaku Endo. A trama começa com a narração do padre Ferreira, um jesuíta que foi ao Japão e lá presencia a tortura e subsequente assassinato de diversos cristãos japoneses. Anos depois, em Portugual, é sabido que o padre Ferreira apostatou (termo usado para descrever a negação de sua fé por parte de padres) e dois padres são enviados ao Japão para investigar isso, o padre Rodrigues e o padre Garupe. Chegando lá, eles descobrem um Japão cristão devastado e comunidades minúsculas vivendo em vilas isoladas. Os padres devem manter-se trancados em uma cabana o dia todo para não serem vistos e só durante a noite podem cumprir suas obrigações de padre perante a comunidade. Um dos japoneses, Kichijiro, que já havia negado a sua fé para salvar sua vida, espalhou a notícia de que os dois padres estavam no país para uma vila próxima e o padre Rodrigues é enviado até lá. Após alguns acontecimentos, ele é preso pelo inquisidor Inoue e passa por diversas provações de sua fé, através de uma série de dilemas morais.

A premissa do filme já é instigante, adaptando um livro de um dos raros escritores cristãos do Japão, Shusaku Endo, que se preocupa em contar a história através do ponto de vista dos padres jesuítas. Infelizmente ainda não li o livro, então não posso dizer se é uma boa adaptação ou não, mas Martin Scorsese trabalha de forma magistral esse tema, muito estigmatizado e no qual afasta diversas pessoas, mas não, a Igreja Católica não é do mal, não escraviza as pessoas e os jesuítas eram pessoas bem intencionadas e que não cometiam atrocidades. Isso é mostrado de forma magistral no filme, pois ele expande e engrandece as discussões de fé, colocando em confronto a religião budista e a religião cristã católica, exposta tanto nos embates entre o padre Rodrigues e seus rivais de fé (o intérprete, o inquisidor e o padre Ferreira) quanto pelos seus monólogos internos, em que ele mesmo se questiona.

Auxiliando esse debate vem a direção fantástica de Martin Scorsese. Falar disso é chover no molhado, mas há momentos que merecem destaque, como o jogo de câmera usado na cela em que o padre Rodrigues é mantido preso. O filme é muito silencioso (piada não intencional), há uma ausência de trilha sonora, mas não chega a incomodar, pois há um embate subjetivo que cresce ao longo do filme e essa escolha, por manter os sons expostos no filme o mais natural possível, acaba engrandecendo esse embate, fazendo-o ganhar mais força e que auxilia a dar o tom épico ao final.

Além disso, como (quase) sempre, o filme é uma senhora Lição de Cinema, cheio de referências aos mestres da sétima arte da terra do sol nascente, como Akira Kurosawa (mais explícito nas cenas externas e montanhosas) e Nobuo Nakagawa (novamente, nas cenas em que Rodrigues está preso). A forma como a câmera é guiada pode parecer estranho num primeiro momento, mas se você traçar um paralelo com o cinema japonês da segunda metade do século XX irá encontrar semelhanças, podendo dizer que esse filme também é uma homenagem a essa tão tradicional e inspiradora escola de cinema.

É magistral.

Minha única ressalva é o M. Scorsese ter escolhido usar o A. Garfield como ator principal ao invés do A. Driver (que é muito mais ator) e mesmo assim o A. Garfield mandou bem, numa das melhores atuações da sua vida.

Aproveite que o filme ainda está nos cinemas (pouquíssimos é verdade) e que já tem em 1080p na Locadora do Ultra e assista sem preconceitos.

5 pontos