quinta-feira, 25 de maio de 2017

Dica cinematográfica: "Koe no Katachi" (2016)

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Alguém conhece alguma explicação esotérica do porque essa safra 2016/2017 de filmes ser tão boa? Por que só nesse primeiro semestre de 2017, eu já assisti 4 filmes que entram facilmente na lista de melhores filmes da década; “La La Land”, “Até o Último Homem”, “Silêncio” e agora, essa fantástica adaptação de um dos melhores mangás que li nos últimos anos, “Koe no Katachi” ou “A Silent Voice” ou “Shape of the Silence”.

Para quem ainda não conhece (o que é uma tremenda falha de caráter), “Koe no Katachi” conta a história de Shouya, um garoto no ensino fundamental que vê seu mundo escolar de bagunças e aventuras transformar-se com a entrada de Shouko Nishimiya, uma garota surda, em sua sala. Por conta de sua limitação física, Shouko necessita de um tratamento especial e isso provoca os seus colegas, menos sensíveis à sua realidade e Shouya acaba passando dos limites, provocando tanto a garota que ela acaba saindo da escola. Quando a verdade vem à tona, os colegas de Shouya, antes coparticipantes das provocações à Shouko, abandonam o colega e deixam com que toda a culpa recaia sobre os ombros de Shouya, que se isola e acaba vendo toda a sua vida ruir, provocando uma profunda mudança em sua personalidade. Anos mais tarde, já no final do colegial, Shouya reencontra Shouko e a partir daí irá tentar restaurar a amizade com Shouko, diminuindo sua culpa e descobrindo uma nova forma de enxergar (e ouvir) o mundo.

É um dramalhão enorme, mas que se desenvolve e evolui de forma magnifica no mangá e, felizmente, no filme, não é diferente. Há uma concentração maior no casal de personagens principais, Shouko e Shouya (e não poderia ser diferente, o filme já tem 2 horas!), mas os demais personagens também têm o seu espaço e é fácil compreendê-los como personagens tridimensionais. Eles estão ali para agregar à história e isso é um mérito total da direção do filme, que usa cenas musicais e conversas rápidas, conectadas com as cenas principais, para expandir a personalidade deles, fazendo-os ganharem corpo. Muitas coisas são dispensadas, claro, isso é algo de se esperar, mas esses cortes não fazem parte para a compreensão da história e, na verdade, até contribuem para o ritmo do filme. Sua diretora, Naoko Yamada, já é figura carimbada, responsável por dois ótimos animes (K-On e Tamako Market) e parte da equipe de animes muito famosos e de ótima qualidade (Free!, Suzumiya Haruhi e Air), então é alguém com experiência e que, provavelmente, nutre um grande carinho pelo mangá de Koe no Katachi.

Outro ponto excelente na adaptação é que a história continua sendo um grande dramalhão, mas o filme não a deixa forçado, assim como no anime. As cenas são fortemente carregadas de um sentimentalismo, porém não é banal, é singelo e se você não for alguém muito sensível não irá ser levado às lágrimas a cada 15 minutos (como eu fui), porém é inegável que a história é bela e carrega uma bonita mensagem. Mensagem que não é entregada de bandeja, então isso também pode passar despercebido, por que alguns detalhes são deixados de fora da tela, ou melhor, não são explicitamente mostrados ao público, porém são de fácil captação (mesmo que você não tenha lido o mangá), seja para aumentar o dinamismo da história, seja para ter um maior aproveitamento das características narrativas que a mídia cinema pode conferir a uma história.

Enfim, nada é desperdiçado e tudo tem um significado dentro do filme.

https://www.youtube.com/watch?v=Ivrq1ZwsRps

E apesar de ser um dramalhão, não é o típico dramalhão adolescente com os quais somos bombardeados todos os dias. É um drama muito romântico, mas também tem um grande pé no chão, o final não é tão água com açúcar quanto esperado, apesar de dar tudo certo para o casal principal, os desafios pós-refacção do relacionamento amistoso, continuam ali e o filme (assim como o mangá) dá apenas dicas muito sutis de como esses desafios serão enfrentados, ou seja, é uma história que retrata a vida de forma muito honesta.

Fora isso, “Koe no Katachi” não é apenas um romance, é uma história sobre amadurecimento, que fala, principalmente com homens, ao deixar Shouya no papel principal, mas também pode conversar com mulheres, pois do segundo terço em diante da história, ela trata de perdão, superação e, principalmente, interdependência. Se há algo que “Koe no Katachi” nos passa, e é universal, é a de que todo relacionamento é uma relação de interdependência. Nós temos que ser independentes, sim, temos que ser uma rocha sólida para nós mesmos, porém quando nos relacionamos com outra pessoa, essa rocha sólida deve se derreter para poder se fundir com a rocha sólida do outro e isso cria uma relação interdependente, onde você depende do outro e o outro depende de você e como cada um pode se virar sozinhos, nenhum lado pesa demais, ninguém se sobressai sobre o outro, os dois afundam um pouco juntos.

Quanto aos aspectos técnicos fica claro que o filme contou com um grande orçamento (e não poderia ser diferente, porque a história merece). Algumas cenas acabam lembrando filmes do Makoto Shinkai pelo seu cuidado excepcional com detalhes, sua animação fluída e uma sensibilidade incrível na criação da atmosfera, só que melhor, porque “Koe no Katachi” tem uma história. Foi a primeira vez que ouvi The Who ser tocado num filme de anime e isso me fez abrir um sorriso de orelha a orelha, porque além da trilha sonora ser fantástica, aqui, ela serve para contribuir à narrativa, não está simplesmente jogada. Conforme nos aproximamos do final, a trilha sonora fica mais densa e minimalista, até explodir novamente numa procissão de notas alegres e esperançosas, culminando num silêncio caloroso.

“Koe no Katachi” é um dramalhão sincero sobre a vida, uma história de crescimento e amadurecimento, perdão e interdependência. É uma história complexa, longa (apesar de ter sido publicada em poucos volumes, relativamente falando), tem muito conteúdo e não é fácil compreendê-lo de uma vez. Aos que não leram o mangá, fica a dica novamente e o filme, com certeza, merece ser assistido várias e várias vezes.

5 pontos

sexta-feira, 19 de maio de 2017

Dica cinematográfica: "The Red Pill" (2016)

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Apesar de saber que iria gostar desse documentário, adiei bastante, pois, no fundo, achava que não iria descobrir nada que já não soubesse assistindo a esse filme. Pois então, após muito protelar, acabei assistindo numa tarde enfadonha o documentário mais importante produzido nesta década.

O nome do documentário é “The Red Pill” e faz alusão a um termo usado dentro do Movimento dos Direitos Masculinos (numa tradução livre, o original é Men’s Right Movement – MRA), referenciando  filme Matrix, onde Neo aceita a pílula vermelha de Morpheus e descobre a verdade por trás da realidade que conhecia. Produzido por Cassie Jay, uma atriz estadunidense que se tornou uma auto-declarada feminista após sofrer muitos abusos em Hollywood e acompanha a ex-atriz por uma viagem de desconhecido junto ao MRA. Iniciando de forma muito tímida e armada até os dentes por conceitos pré-concebidos e desinformações, ela vai, aos poucos, descobrindo que tudo que sabia acerca do movimento estava errado e, não apenas isso, começa a simpatizar com aquilo que seus ativistas defendem.

É um filme extremamente importante, de um movimento que existe há décadas, porém nunca recebeu a atenção devida. O filme não entra na história do movimento, propriamente dito, ou das necessidades históricas por trás dele, preferindo se concentrar nas questões que o movimento advoga, como os direitos de pais nos processos de divórcio, sua estigma perante a sociedade e violência doméstica, por exemplo. E isso é muito bom, pois são temas extremamente urgentes e que precisam de uma luz em cima, para que possa que possam ser debatidos, expandidos e até solucionados.

Ainda assim, é impossível escapar da história do movimento, principalmente no momento em que o filme debate os sistemas de proteção a homens que sofrem violência doméstica e aí acaba sobrando muitas críticas ao movimento feminista, que acaba agindo de forma reacionária, agressiva e totalmente intolerante quando o assunto passa a ser direitos masculinos, chegando a conclusão de que o movimento parou de ser igualitário há anos, além de atrair pessoas cada vez menos compreensivas e sensatas.

Achei impressionante como o filme tenta se distanciar do movimento “masculinista”, para manter a neutralidade, uma postura quase que totalmente imparcial, porém a empatia pelo que os diversos apoiadores do movimento (não apenas homens, para a surpresa de muitos) é construída de forma natural, seja pela extrema necessidade dos temas debatidos, seja pela simpatia com a qual os seus defensores falam ou ainda pelos exemplos utilizados. Alguns momentos no filme são profundamente emocionantes, como nos exemplos acerca dos direitos paternais. Outros momentos são extremamente revoltantes, como nas cenas em que demonstram a resistência que o movimento sofre quando tenta produzir palestras ou leituras.

Uma coisa que chama muita atenção é como esses problemas são necessários, porém majoritariamente ignorados e o filme acaba chegando a conclusão óbvia, porém fantástica, de que isso não é prejudicial apenas à homens, mas acaba sendo prejudicial às mulheres também. Quando o filme retoma a discussão sobre as ações do grupo terrorista e fundamentalista Boku Haram, que sequestrou diversas meninas e todo o mundo se mobilizou por eles, mas nunca fizeram nada quando o grupo assassinou apenas homens meses antes, percebendo que o sequestro e consequente assassinato de meninas chamaria mais atenção.

Pior: quem acabou sendo convocado para salvar essas meninas? Pois é...

Algo que percebi há tempos, depois de muito discutir com colegas (notoriamente mulheres) é a de que a sociedade não é machista, de fato. Homens têm muitas vantagens, em diversas situações, mas, pensando numa perspectiva brasileira, a sociedade acaba pesando para o lado das mulheres em muitos momentos, pegue o exemplo dos direitos paternais mesmo. As mulheres têm a custódia dos filhos por tabela. Se o pai quiser a custódia terá que lutar por isso, ele já começa em desvantagem. E que tal falarmos de estupro? Se vivemos numa “cultura do estupro”, então porque estupradores são os primeiros a sofrerem abuso na cadeia? Ninguém defende estuprador nenhum e se há o caso da menina que não consegue se defender do cara que estuprou ela, pode apostar que está em jogo uma relação muito mais profundo. Geralmente esses casos acontecem entre uma garota pobre e um cara rico e aí há uma relação de poder que deve ser combatida (a lei deveria ter o mesmo peso para todos), mas isso é outra questão, não é machismo. Quantos homens são incentivados a seguirem uma carreira acadêmica? Qual a proporção de mulheres numa faculdade e qual a de homens?

Não vivemos numa cultura machista. E essa é uma discussão que o filme acaba fazendo, conforme vai se aproximando da sua conclusão, salientando que o movimento masculinista não pretende se fazer de vítima, apenas reconhecer que a opressão ocorre dos dois lados, em diferentes dimensões e se quisermos viver numa sociedade igualitária, teremos que combater isso.

O documentário vem sofrendo muita resistência. Ataques em exibições, resistência por parte de distribuidoras e serviços de streaming, mas está conseguindo se espalhar e, hoje em dia, é muito fácil o acesso a ele do que na época de seu lançamento (acredite, eu procurei na época de lançamento e até desanimei quando meus resultados foram infrutíferos), então corra atrás. Assista-o e se informe, independentemente da sua posição ideológica.

5 pontos

p.s.: o filme termina de forma magnífica. Honesta e arrebatadora.

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Dica musical: “in•ter a•li•a” do At The Drive-In (2017)

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Uma das bandas mais influentes e mais importantes para a história do rock contemporânea volta após 17 anos, criando altas expectativas e cumprindo-as brilhantemente, mas antes da dica em si, vale a pena uma pequena contextualização dessas lendas vivas do rock.

At The Drive-In é um banda estadunidense formada em 1994, lançaram 3 álbuns antes de se separar e dela surgirem outras bandas, a mais notável, The Mars Volta, uma ambiciosa banda de rock progressivo que fez muito sucesso na cena mainstream com seus CD’s conceituais. O som complexo da banda acabou popularizando e expandindo o termo post-hardcore, que acabou se solidificando com o lançamento de “Relationship of Command”, seu álbum de maior sucesso e influente em uma porrada de bandas que vieram depois, de Franz Ferdinand e Bloc Party a La Dispute e Touché Amoré.

É uma banda de peso.

Seu retorno é mais do que ansiosamente esperado, é até visto como a salvação do rock por sites mais exagerados. Salvação do rock é demais, porém o álbum apresenta uma série de canções concisas e que mantém o espírito definido em “Realtionship of Command”, ou seja, um excelente retorno.

As letras são unidas por um tema, de acordo com a própria banda, mas é difícil achar qual tema é esse. Não porque as músicas são mal escritas, mas é porque uma marca das bandas é o extenso jogo de palavras feitas em suas letras, que acabam confundindo o ouvinte/leitor numa profusão de termos, aglutinações, rimas, substantivos e adjetivos. Isso torna as canções muito ricas em conteúdo, mas dá um certo trabalho extrair o pleno significado delas, apesar de ser impossível extrair todo o significado de todas as canções.

Só para deixar claro, o álbum é sobre abuso sexual e finalmente estar hábil a falar sobre isso, no entanto, há muito mais nas entrelinhas de todas as canções, com muitas críticas sócio-políticas, de uma forma que só uma banda de latinos nerds nascidos no sul dos EUA poderiam fazer.

Já as harmonias são complexas, há riffs pesados de guitarras, dedilhados extremamente bem elaborados e saltos intensos no tempo das canções, guiados pela bateria e o baixo, além dos vocais magníficos de Cedric Bixler, que numa hora está cantando calmamente e na outra está gritando tão forte que dá pra sentir o seu pulmão quase explodindo, mas sem perder o ritmo.

É, de fato, uma amálgama de tudo o que o rock deve e pode ser nos anos mais recentes.

Além disso, há uma forte presença de experimentações, com suaves melodias eletrônicas que guiam a atmosfera de cada canção e servem como pequenos interlúdios entre determinadas partes do CD.

Enfim, At The Drive-in volta com fôlego total, mostrando que esse gênero musical que tanto amamos não é lugar pra peixe pequeno. Talvez, de novo, seja necessário muita coragem, culhões, suor e paixão pra brilhar nesse campo.

4 pontos

quinta-feira, 4 de maio de 2017

Dica Televisiva: "Yu Yu Hakusho" (1992-1994)

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Hoje, uma dica animeística, um clássico da falecida Rede Manchete (tá certo isso?) e um anime que estava devendo a muito tempo no blog; “Yu Yu Hakusho”.

Originalmente um mangá de Yoshihiro Togashi (o mestre por trás de Hunter X Hunter) entre 1990 e 1994 foi trazido às telinhas em 1992, durando até 1994, com uma consistência rara de se ver no trabalho atual do autor. A série conta a história de Yusuke Urameshi, um delinquente colegial que é morto no primeiro episódio ao salvar uma criança de um atropelamento e, após uma série de testes impostas a ele pelo filho do governante do submundo, Koenma, Urameshi vira um “detetive sobrenatural”, com o dever de investigar os vários casos envolvendo demônios e fantasmas no mundo humano.

A premissa acaba escondendo alguns fatores que fizeram Yu Yu Hakusho se tornar tão popular e longevo, concentrando-se muito em torneios de artes marciais e batalhas mano a mano do que investigações propriamente ditas. Ainda assim, a série não abandona totalmente sua premissa, reunindo diversos elementos da mitologia budista, além de ter uma clara influência de filmes de terror e ocultismo.

Fora isso, que entra numa área mais subtextual, a série conta uma gama extensa de personagens, com personalidades bem distintas, de fácil diferenciação entre eles e cada um ocupando um papel importante nos arcos que acompanham toda a série. Tudo é construído pelo autor de forma hermética, deixando pouco ou nada para a imaginação do expectador.

O anime não contou com a participação do autor do mangá na sua produção, mas ele diz que ficou muito contente com o resultado final. Yu Yu Hakusho foi o trabalho de maior sucesso de Yoshihiro Togashi, sendo superado depois por Hunter X Hunter, sendo também o início do fim do autor, que mantinha uma rotina frenética de trabalho para cumprir prazos e manter controle total sobre o seu trabalho, apesar de, dizem, não haver tanta pressão editorial sobre ele.

Apesar de todo esse controle, a fórmula criada pelo autor para o desenvolvimento dos arcos é bem repetitiva, restando ao desenvolvimento dos personagens, as revelações de seus passados e suas relações dar vida ao anime.

Yu Yu Hakusho é um daqueles animes que é obrigatório ser assistido dublado em português do Brasil (pra quem é brasileiro, claro!), porque sua dublagem conta com pessoas ilustres, tendo sido exibido, no Ocidente, primeiro aqui, em nossas terrinhas calorosas. A dublagem é clássica e é um daqueles exemplos de dublagem que melhoram o anime original. Além disso, as versões brasileiras para as músicas de abertura e encerramento são brilhantes, músicas que dão gosto guardar no PC e no celular pra ficar ouvindo quando se quiser animar um pouco os ânimos.

Enfim, Yu Yu Hakusho, um clássico de todos os tempos, assista!

4 pontos e meio