sexta-feira, 19 de maio de 2017

Dica cinematográfica: "The Red Pill" (2016)

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Apesar de saber que iria gostar desse documentário, adiei bastante, pois, no fundo, achava que não iria descobrir nada que já não soubesse assistindo a esse filme. Pois então, após muito protelar, acabei assistindo numa tarde enfadonha o documentário mais importante produzido nesta década.

O nome do documentário é “The Red Pill” e faz alusão a um termo usado dentro do Movimento dos Direitos Masculinos (numa tradução livre, o original é Men’s Right Movement – MRA), referenciando  filme Matrix, onde Neo aceita a pílula vermelha de Morpheus e descobre a verdade por trás da realidade que conhecia. Produzido por Cassie Jay, uma atriz estadunidense que se tornou uma auto-declarada feminista após sofrer muitos abusos em Hollywood e acompanha a ex-atriz por uma viagem de desconhecido junto ao MRA. Iniciando de forma muito tímida e armada até os dentes por conceitos pré-concebidos e desinformações, ela vai, aos poucos, descobrindo que tudo que sabia acerca do movimento estava errado e, não apenas isso, começa a simpatizar com aquilo que seus ativistas defendem.

É um filme extremamente importante, de um movimento que existe há décadas, porém nunca recebeu a atenção devida. O filme não entra na história do movimento, propriamente dito, ou das necessidades históricas por trás dele, preferindo se concentrar nas questões que o movimento advoga, como os direitos de pais nos processos de divórcio, sua estigma perante a sociedade e violência doméstica, por exemplo. E isso é muito bom, pois são temas extremamente urgentes e que precisam de uma luz em cima, para que possa que possam ser debatidos, expandidos e até solucionados.

Ainda assim, é impossível escapar da história do movimento, principalmente no momento em que o filme debate os sistemas de proteção a homens que sofrem violência doméstica e aí acaba sobrando muitas críticas ao movimento feminista, que acaba agindo de forma reacionária, agressiva e totalmente intolerante quando o assunto passa a ser direitos masculinos, chegando a conclusão de que o movimento parou de ser igualitário há anos, além de atrair pessoas cada vez menos compreensivas e sensatas.

Achei impressionante como o filme tenta se distanciar do movimento “masculinista”, para manter a neutralidade, uma postura quase que totalmente imparcial, porém a empatia pelo que os diversos apoiadores do movimento (não apenas homens, para a surpresa de muitos) é construída de forma natural, seja pela extrema necessidade dos temas debatidos, seja pela simpatia com a qual os seus defensores falam ou ainda pelos exemplos utilizados. Alguns momentos no filme são profundamente emocionantes, como nos exemplos acerca dos direitos paternais. Outros momentos são extremamente revoltantes, como nas cenas em que demonstram a resistência que o movimento sofre quando tenta produzir palestras ou leituras.

Uma coisa que chama muita atenção é como esses problemas são necessários, porém majoritariamente ignorados e o filme acaba chegando a conclusão óbvia, porém fantástica, de que isso não é prejudicial apenas à homens, mas acaba sendo prejudicial às mulheres também. Quando o filme retoma a discussão sobre as ações do grupo terrorista e fundamentalista Boku Haram, que sequestrou diversas meninas e todo o mundo se mobilizou por eles, mas nunca fizeram nada quando o grupo assassinou apenas homens meses antes, percebendo que o sequestro e consequente assassinato de meninas chamaria mais atenção.

Pior: quem acabou sendo convocado para salvar essas meninas? Pois é...

Algo que percebi há tempos, depois de muito discutir com colegas (notoriamente mulheres) é a de que a sociedade não é machista, de fato. Homens têm muitas vantagens, em diversas situações, mas, pensando numa perspectiva brasileira, a sociedade acaba pesando para o lado das mulheres em muitos momentos, pegue o exemplo dos direitos paternais mesmo. As mulheres têm a custódia dos filhos por tabela. Se o pai quiser a custódia terá que lutar por isso, ele já começa em desvantagem. E que tal falarmos de estupro? Se vivemos numa “cultura do estupro”, então porque estupradores são os primeiros a sofrerem abuso na cadeia? Ninguém defende estuprador nenhum e se há o caso da menina que não consegue se defender do cara que estuprou ela, pode apostar que está em jogo uma relação muito mais profundo. Geralmente esses casos acontecem entre uma garota pobre e um cara rico e aí há uma relação de poder que deve ser combatida (a lei deveria ter o mesmo peso para todos), mas isso é outra questão, não é machismo. Quantos homens são incentivados a seguirem uma carreira acadêmica? Qual a proporção de mulheres numa faculdade e qual a de homens?

Não vivemos numa cultura machista. E essa é uma discussão que o filme acaba fazendo, conforme vai se aproximando da sua conclusão, salientando que o movimento masculinista não pretende se fazer de vítima, apenas reconhecer que a opressão ocorre dos dois lados, em diferentes dimensões e se quisermos viver numa sociedade igualitária, teremos que combater isso.

O documentário vem sofrendo muita resistência. Ataques em exibições, resistência por parte de distribuidoras e serviços de streaming, mas está conseguindo se espalhar e, hoje em dia, é muito fácil o acesso a ele do que na época de seu lançamento (acredite, eu procurei na época de lançamento e até desanimei quando meus resultados foram infrutíferos), então corra atrás. Assista-o e se informe, independentemente da sua posição ideológica.

5 pontos

p.s.: o filme termina de forma magnífica. Honesta e arrebatadora.