sexta-feira, 19 de junho de 2020

O que o Flow, Joe Rogan e Pânico na Rádio têm em comum?

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Essa semana foi conturbada na internet... os politicamente corretos ficaram todos doídos porque o Flow foi receber os novos racistas do momento: a dupla por trás do Xbox Mil Grau.

Não importa o que pensamos sobre os caras do canal, até porque o canal já foi parar no limbo da internet, mas o interessante é que o Flow abriu espaço para bater um papo honesto com a dupla e isso deixou muita gente inconformada. De "passar pano pra racista" até "fazer tudo por view", a internet virou, novamente, um poço de santidade, sem espaço para fazer coisas por dinheiro ou assumir a inocência de um qualquer.

No entanto, é exatamente esse o projeto do Flow e é essa a razão de eu ter achado muito foda o projeto, mas também ter achado que ele não viveria muito tempo. E, de fato, agora já temos aí mais de um ano de Flow e eles enfrentam banimentos no Twitter e tentativas de "cancelamento" no Twitter.

A vida não é fácil para alguém que se dispõe a discutir, honestamente, ideias e acontecimentos na Terra de Santa Cruz.

Sim, discutir, honestamente. Foi apenas isso que Igor e Monark, os responsáveis do Flwo fizeram no podcast em que entrevistaram o Xbox Mil Grau. Pra quem nunca viu ou ouviu falar, o Flow é um podcast apresentado por dois caras, que, em momento algum, se assumem donos da verdade e por essa humildade, eles realizam um programa de entrevista, completamente espelhado no Joe Rogan Experience. Até mesmo a estrutura é a mesma, com um técnico atrás das câmeras, que ficam viradas para uma mesa de madeira, onde os apresentados e convidado sentam para bater um papo. A abertura é total e nunca dá pra saber o que eles irão falar e disso sai Davy Jones e Venom Extreme batendo um papo sobre religião, Kim Kataguiri falando de Jojo's Bizarre Adventura, Benê Barbosa conversando sobre Zelda e Rato Borrachudo explicando o grafeno. É uma loucura, assim como o Joe Rogan Experience.

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No entanto, o Joe Rogan Experience é um podcast gravado nos EUA e lá há diferenças substancias com a cultura brasileira, uma delas é a relação dos cidadãos com princípios fundamentais garantidos na Constituição e um deles é o da liberdade de expressão, a qual é adotada a níveis extremos por lá. No entanto, é essa mesma liberdade ao extremo que garante aos habitantes daquele país uma compreensão maior de suas responsabilidades individuais, o que escapa da mente do brasileiro médio.

Para o brasileiro médio só existem dois meios de se falar de algo: o sério e o cômico. Ou você é um especialista ou você é um brincalhão. Não existe o meio termo e é uma vergonha admitir a falta de conhecimento e se curvar diante de quem possui o conhecimento necessário para te instruir. Talvez até mesmo por isso seja tão difícil ser professor no Brasil, afinal, por aqui o professor não ensina nada ao aluno, ele aprende com o aluno.

A estrutura hierárquica da qual se extrai todos os direitos ao mesmo tempo em que se toma compreensão dos seus deveres é ausente na mentalidade do brasileiro médio e além das óbvias consequências políticas e econômicas, temos ainda consequências não-tão óbvias socialmente falando, como, por exemplo, a impossibilidade de se trabalhar com os extremos.

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Não é a toa que um programa de comédia ganhou tanta relevância em anos recentes. O Pânico na Rádio, que nunca se considerou um programa sério, se tornou o principal veículo para conhecermos as ideias dos candidatos a presidência em 2018, colocou em destaque figuras polêmicas em momentos cruciais da história recente do país e assumiu a dianteira como veículo de informação.

Apesar de seus integrantes insistirem na chacota e chamar o programa de "desserviço para a família brasileira", ele se tornou, sim, um dos principais veículos de informação do Brasil.

Assim como o Flow.

Aliás, isso já havia sido salientado por Rogério Skylab na sua entrevista, mas assim como o brasileiro médio, Skylab assumia que o Flow deveria cortar certos comentários de seus entrevistados para que os assuntos abordados não saíssem do controle e entrassem na "desinformação".

A verdade é que um podcast como o Flow está anos-luz há frente da mentalidade média brasileira. É um programa que não perdoa e no podcast com o Xbox Mil Grau pegaram pesado com eles, insistindo muito em temas que os cancelados estavam errados, ainda que irredutíveis e, ao final, não chegaram num acordo de paz ou mesmo numa resposta que fosse pacificadora. Ao contrário, apenas solidificou as opiniões já existentes sobre o Xbox Mil Grau, sejam favoráveis ou desfavoráveis.

É o ápice da imparcialidade, que perceba, não é ausência de opinião. Os integrantes deixam claro a sua opinião, mas se esforçam para apresentar as informações de maneira objetiva e deixar seus convidados a vontade para falar o que quiserem. É uma aula de jornalismo que muitas faculdades não têm.

Depois de toda essa polêmica, a imagem do Flow deve sair ainda mais consolidada, embora provocando figuras fortes da internet, como a própria patrocinadora do podcast, Twitch e isso apenas expõe a hipocrisia de figuras importantes dentro do mundo digital, além de colocar em evidência a importância do apoio individual a cada um dos projetos que gostamos.

A vida de Monark e Igor deve se tornar ainda mais difícil, mas isso faz parte do jogo, assim como a vida de Emílio e cia não é fácil, mas eles têm seus meios de fugirem dela.