quinta-feira, 21 de maio de 2015

O que eu perdi #2: "American Football" de American Football (1999)

a3216079630_10American Football foi (ou é?) uma banda de indie rock/rock alternativo/emo/fusion (?) formada em 1997 pelos amigos de faculdade Mike Kinsella, Steve Lamos e Steve Holmes, quando alguas das bandas em que eles participaram não deram muito certo.

Quando a banda foi formada, eles estavam curtindo o início da faculdade, ainda no segundo ou primeiro ano, lançando já no ano seguinte o EP de mesmo nome da banda, lançado pela Polyvinyl Records. No ano seguinte, eles começaram a gravação de seu primeiro (e o que se tornaria o único) álbum de estúdio da banda, também chamado de “American Football”, já no final de seus anos na faculdade, o que durou apenas 3 meses de gravação, no final do verão. Logo após isso, a banda decidiu transformar o álbum num projeto de estúdio e então se separaram de vez.

No entanto (e isso era algo que eles não tinham como prever), conforme o tempo foi passando, o álbum foi ganhando cada vez mais reconhecimento e foi ouvido por um número cada vez maior de pessoas que logo se tornaram fãs instantâneos da banda, que não mais existia, fazendo de “American Football” um dos CD’s mais influentes na história da música independente.

Afinal, não é para menos. O álbum mescla de forma única, sem precedentes ou procedentes, elementos do math rock, com emo e momentos jazzísticos, criando uma atmosfera sonhadora, irreal, até mesmo etérea para o álbum.

Mas não se engane achando que se trata de um álbum desprovido de propósitos, pois basta uma olhada rápida nas letras para perceber que “American Football” se trata de um álbum muito pé no chão, por assim dizer.

Suas letras evocam um senso de possibilidades e descobertas juvenis, porém não adolescentes. Letras que são de fácil identificação principalmente para aqueles que estão no começo dos seus 20 anos, correndo atrás do primeiro emprego, abandonando velhos amigos e perdendo o interesse em antigos sonhos de infância.

O álbum começa com uma batida brincalhona de bateria e vozes ao fundo, indicando o sentimento de urgência que a banda estava vivendo no momento das gravações do álbum, o que deu ao álbum inteiro um certo ar de amadorismo, mas sem ser pretensioso ou relaxado. Ele simplesmente foi feito desse jeito.

Nomeada de “Never Meant”, a primeira canção trata de esquecer o que aconteceu no passado e seguir em frente, o que foi basicamente o que os membros da banda fizeram e o que muita gente na idade deles tem que fazer, mesmo não querendo. Afinal a vida, e todos os elementos a ela submetidos, são feitos de fases, idas e vindas, entradas e saídas.

Para quem escuta pela primeira vez, parece se tratar de uma música emo qualquer, sobre amores perdidos, mas não é, principalmente se colocada dentro do contexto do álbum.

A segunda canção, “The Summer Ends” revela uma certa complexidade que nenhuma banda emo jamais conseguiu alcançar e poucas bandas dentro do cenário onde American Football está inserido conseguiram chegar perto. Um trompete é o personagem principal da canção, guiando todo o ritmo que ela vai seguir, mesmo que perca espaço para a voz de Mike Kinsella, que canta indecisões ao fim do verão, situação comum para todo mundo que tem que fazer decisões por conta própria, mas sem ter um rumo certo, tendo que decidir que caminho seguir, sem saber para onde ele vai levar. É algo que todos passamos.

“The Summer Ends” também é carregada de elementos do math rock, com suas notas de guitarra repetitivas e a bateria bem marcante. Bem diferente da primeira canção.

Então chegamos ao magnum opus do álbum, uma canção que se tornou tão pessoal para, praticamente, todos os fãs da banda e para mais um monte de gente que já a escutou.

Em “Honestly”, Mike Kinsella já começa a canção dizendo que “honestamente, eu não me lembro dos meus sentimentos adolescentes, nem dos seus sentidos” e que eles “parecem claros demais para serem verdadeiros”. Uma enchurrada de metáforas em dois versos nos atingem e então uma explosão de notas agudas de guitarra sobre um riff repetitivo de baixo e a bateria sempre tão bem marcante.

É algo que toda pessoa que teve que fazer decisões importantes muito cedo passou. De repente, aquele sonho de adolescência que você está perseguindo não faz mais tanto sentido. Aquela carreira não é mais tão satisfatória, aquela CNH não parece ser mais grande coisa, aquele título de eleitor não parece ter peso, aquele video game não é tão divertido, aquele aparelho de som não é tão potente assim, aquela roupa não é assim tão bonita... É natural, nós mudamos o tempo todo, para que lutar contra isso? Além dessa interpretação, a canção tem outras, ela se enquadra em muitos momentos dos seus vinte e tantos anos, basta pensar um pouco.

O mais interessante é que essa canção segue por caminhos tortuosos, indo de um início contemplativo, porém com um pegada até dançante, indo para uma explosão de guitarras distorcidas, riffs de baixo e “socos” de bateria para terminar de forma lenta, gradual e calma.

A quarta canção é “For Sure”, uma música quase instrumental, que começa novamente com o trompete como elemento principal e líder da banda, até ceder espaço para a voz de Kinsella, que assume um falsete até estranho, fazendo desta a canção mais melancólica (e por que não melódica?) do álbum.

“You Know I Should Be Leaving Soon” é a música com mais elementos math rock do álbum, mas não é aquela coisa chata e irritante de se escutar que é o math rock, muito pelo contrário, ela é bem melódica, harmoniosa e gostosa de ouvir, mérito dos vários instrumentos que dividem os quase 4 minutos com as guitarras, a bateria e o baixo. Desta vez, Mike Kinsella não canta, mas nem precisa, pois é uma canção de passar emoção, energia e evocar seus pensamentos mais profundos apenas pelas notas musicais. Pessoalmente, eu também acho esta a música mais “redonda” do álbum, pois se encaixa em qualquer momento, finalizando com o clássico “fade-out”.

“But The Regrets Are Killing Me”, além de continuar na pegada math rock da canção anterior, também revela a continuidade de uma narrativa, mostrando que American Football não é uma banda ingênua, sem planos ou ambições nenhumas para o seu álbum. Aqui, ouvimos a canção mais pessoal do álbum. A voz de Mike Kinsella é quase inaudível no começo, ganhando mais espaço, conforme as quebras de ritmo se tornam mais frequentes e marcantes ao longo da canção.

“I’ll See You When We’re Both Not So Emotional” termina a “trilogia” de canções pessoais do álbum, claramente sobre algum relacionamento amoroso que não deu certo e, apesar de não ser uma continuação clara da música anterior, repare como Mike Kinsella se revela muito mais a vontade com o microfone do que na canção anterior, apesar de sua voz não ser capaz de acompanhar tanta acomodação (a desafinação é demais). É uma canção de decisões firmes, maduras e minuciosamente pensadas, não deixando espaço para fraquezas ou dúvidas, exigindo, dessa vez, que Mike termine o verso ao final dela.

“Stay Home” tem epopeicos oito minutos e assim como “Honestly” viaja por caminhos tortuosos, começando de forma calma, porém excitante, quase como se dissesse que aí vem outra explosão, que se concretiza e abre espaço para um ritmo mais melódico e repetitivo, acompanhado da voz de Kinsella, novamente um pouco mais tímida que na canção anterior. Ele só canta uma frase ao longo da canção inteira, pois mais de 4 minutos: “Esta é a vida, tão tão curta”. Uma espécie de mantra para lembrar de que não adianta mais encarar as coisas como o fim do mundo, se colocar no centro de tudo e achar que todos estão contra você, isso é coisa de pessoas imaturas. Nem tudo acontece por um motivo e essa é a vida.

“The One With The Wurlitzer” é outra canção instrumental, de novo com o trompete assumindo o papel instrumental e contando com o auxílio de notas saídas de um sintetizador. É uma canção lenta, porém de efeito relaxante, terminando novamente com o clássico “fade-out” e se o álbum estiver para tocar no replay, você irá perceber que a transição entre o final e o começo é imperceptível, como se ele formasse um círculo, que existe em si mesmo e é perfeito assim.

Quando American Football fez sua “reunion tour” em 2014, fazendo considerável sucesso inclusive, li em alguns lugares especulações sobre um possível segundo álbum, mas eu não acreditei e sequer apoiei a ideia, porque American Football não é apenas uma banda, American Football é um CD, algo feito uma vez e que existe ali e somente ali e a decisão de terminar a banda talvez tenha sido muito sábia.

Enfim, “American Football” é um grande clássico, extremamente influente para uma ampla gama de artistas, além de ser atemporal, pois seus letras e arranjos nunca irão envelhecer, pois ele não representa apenas os pensamentos, anseios e desejos de uma geração, ele representa os pensamentos, anseios e desejos de uma fase da vida. “American Football” é o que melhor descreve o começo dos 20 anos de qualquer pessoa, talvez com maior ou menor intensidade, mas todos podem achar espaço para se identificar nas letras certeiras de American Football.