quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Dica literária: "Takemitsu Zamurai" de Taiyo Matsumoto e Iseei Eifuku (2006-2010)

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Takemitsu Zamurai é mais um daqueles mangás que todo mundo deveria conhecer, mas não conhece por pura preguiça e inacessibilidade, visto que esse mangá não foi publicado nos Estados Unidos, nem na França, recebendo uma edição internacional (fora do Japão), apenas em terras espanholas e suas edições europeias estão, atualmente, fora de estoque, pelo menos 6 das 8 existentes.

Takemitsu Zamurai é um mangá histórico seinen escrito por Iseei Eifuku e desenhado pelo excelentíssimo Taiyo Matsumoto, o que, por si só, já é digno de nota, visto que Taiyo Matsumoto é conhecido por ser um mangaká mais autoral, que gosta de ter mais controle criativo sobre suas obras, mas neste mangá, torna-se um coadjuvante, apenas emprestando seu talento artístico para dar vida a história de Iseei Eifuku. Além disso, também destaca-se o fato de ser um mangá seinen sobre samurais, contendo muita ação e violência, algo não muito comum aos mangás de Taiyo Matsumoto, que só faz mangás seinen, mas com uma abordagem mais leve, concentrando-se no lado mais culto e filosófico de suas obras.

A história de Takemitsu Zamurai parte de uma premissa simples, mas torna-se complexa com o desenrolar da trama. Na noite de ano novo, o ronin Senou Souichirou aparece no cortiço Katagi, de Edo. Ele é contratado pelo senhorio como seu guarda-costas, visto que Senou anda sempre armado e inicialmente, todo o povoado da região encara ele com suspeita, até mesmo os gatos, que sentem nele o cheiro de sangue. No entanto, logo Sou, como ele passa a ser chamado, ganha a confiança dos habitantes e a simpatia de todas as crianças, trocando sua espada por uma réplica de bambu e virando um professor na escola local.

O mangá contém muitas discussões filosóficas sutis sobre o estilo de vida samurai, o passar do tempo (se passa numa época em que a necessidade de empunhar a espada já não existe mais), vida e morte (mais comuns na obra de Taiyo Matsumoto), tudo isso muito bem guiado por Issei Eifuku, notável nos textos, mudando a perspectiva entre os personagens de forma magistral, guiando a narrativa como poucos, de um ponto a outro, adicionando novos elementos e misturando-os, sem bagunçá-los em momento algum, enfim, ele mostra ser um gênio narrativo. Seus textos beirando o pós-modernismo são profundos, instigantes e calorosos, fazendo o leitor se aprofundar cada vez na história.

Mas o mérito pela excelência desse mangá não vai apenas para ele, pois nem só de textos vive uma história em quadrinhos, há, na verdade, muitos momentos cruciais na trama em que não ocorre texto nenhum e aí vemos a genialidade de Taiyo Matsumoto. Em Takemitsu Zamurai seu traço está ainda mais esvoaçado, usando muitas aquarelas (apesar de ser um quadrinho todo preto e branco), fazendo os desenhos se tornaram imprecisos, porém fortemente expressivos. Há inclusive uma certa influência, muito forte por sinal, do cubismo, principalmente na forma como os rostos são desenhados nesse mangá.

Takemitsu Zamurai é um mangá que foge de todas as convenções pré-definidas para os mangás, o que se torna uma faca de dois gumes; de um lado, temos uma obra com um traço incomum, até subversivo, aliado a uma narrativa ousada, complexa e crescente, que exige bastante do leitor (não dá pra ler um volume e deixar pra ler o próximo meses depois, eu mesmo li o 5º e o 6º com um intervalo de duas semanas e já me senti um pouco perdido, é algo para ser lido de uma só vez), do outro temos um meio onde o leitor comum, acostumado a um traço mais definido e fortemente estilisado não quer nada muito profundo ou complexo, apenas história rápidas, diretas, fáceis de acompanhar, aliado a um mercado cercado de preconceito e burocracia. Infelizmente, Takemitsu Zamurai é uma obra que não fez sucesso, não chegou a ser cancelado no Japão (além de ter um interesse maior por parte dos leitores em obras mais fora do comum, é lá que se encontra a base de fãs de Taiyo Matsumoto e esse é um mangá que vai deliciar qualquer fã do mangaká), mas nunca alcançou sucesso fora de terras nipônicas, o que é uma lástima, uma pena, sendo possível acompanhá-lo apenas através de scans na internet.

Já indiquei ele para ser publicado na Panini, mas todos sabemos que isso não funciona, mas, enfim, a esperança é a última que morre e, enfim, fica aqui a minha dica para essa obra essencial na carreira de dois grandes mestres.

5 pontos