segunda-feira, 23 de junho de 2014

Por que eu não torço para o Brasil?

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Esse ano, aos 45 do segundo tempo, o povo resolveu se animar com a copa do mundo.

Por uma série de motivos, um monte de gente não está dando muita moral para a copa, nem para a seleção; alguns torcem para o Brasil perder, outros continuam torcendo fanaticamente para a seleção canarinho e a maioria só se anima na hora do jogo mesmo, por que depois... A vida continua.

Pela primeira vez desde que tomei consciência dos males da seleção, eu sinto que estou do lado da maioria nessa copa. Eu nunca torci para o Brasil, sempre assistia os jogos por puro divertimento, mas com o passar dos anos, a vinda da rebeldia adolescente e as horas de leitura e pensamentos revolucionários, desenvolvi uma quase-aversão à copa do mundo e em especial à seleção brasileira. Veja bem que eu não sou contra futebol ou algo assim, aliás torço mais pro Santos do que pra seleção, de vez em quando me arrisco a jogar bola e até gosto de assistir futebol na TV.

Enfim, desde a copa de 2006 um enorme buraco na nossa sociedade (brasileira) começou a me perturbar seriamente: O fanatismo do brasileiro com a seleção.

Por mais que os jogos semanais atraiam milhares de pessoas aos estádios, por mais dinheiro que os clubes arrecadam, por mais violência que aconteça nas ruas quando um time ou outro perde, nada pode ser comparado ao fanatismo que a seleção gera.

Todo o país para pra assistir a seleção em época de copa do mundo. Os estabelecimentos fecham, as ruas se esvaziam e a cidade se cala. O silêncio predomina nas ruas outrora movimentadas, as avenidas ficam vazias como nunca se imaginou e se você quiser ouvir os próprios pensamentos agora pode. A não ser que o Brasil marca gol, por que então a festa recomeça, rojões são estourados, as pessoas gritam, os cachorros latem, os pássaros voam e se a seleção ganhar, as ruas se tornam barulhentas, os bares abrem, só se ouve buzinas, cornetas e, agora, vuvuzelas. Se você quiser ouvir os seus próprios pensamentos terá que se trancar numa câmara de vácuo.

Durante 4 anos reclamamos do nosso país, o Brasil fede, é sujo, corrupto, povo violento e sem educação, bom mesmo é na Inglaterra, no Japão ou na Alemanha, saúde de qualidade, tecnologia de ponta, corrupção controlada e fraca, povo educado e pacífico, mesmo que a realidade seja diferente da imagem romantizada do brasileiro. No entanto, naqueles 90 minutos, talvez 96 ou 97, em que a seleção joga, ninguém é mais patriota que o brasileiro, os problemas acabaram, e daí que eu passei 5 horas na fila do hospital? Meu país tá em campo. E daí que a colega de classe do meu filho tá grávida e ofereceram crack pra ele no portão da escola? A seleção da jogando. Vamos beber, fumar, gritar no bar. O país ganhou o jogo. Alemanha? Japão? Inglaterra? Fichinha, o  Brasil é pentacampeão!

Pois é, o Brasil é penta já, nenhuma seleção de futebol se iguala ao Brasil. A Alemanha? É tri. O Japão? Nem passou das oitavas. Inglaterra? Tem uma e nem meu avô viu. A Itália é tetra, mas todo mundo sabe que o país tá em crise. A soberania é brasileira, temos a melhor seleção do mundo, nossos jogadores estão todos na Europa, sempre batendo recordes de salário no mercado da bola. Nosso futebol é artístico, tá no sangue de todo brasileiro.

Somos os melhores. Mas só no futebol. Nas Olimpíadas estamos sempre no meio da tabela, sempre acompanhados de Turquia, Iugoslávia, Tunísia ou Bélgica. Não parece ruim, mas no total de medalhas perdemos pra países como Bulgária, Checoslováquia, Finlândia, Noruega, Japão e outros que a maioria do nosso país nem sabe em que continente fica, muito menos pode localizar no mapa múndi. Se for contar as medalhas de ouro ficamos atrás de países como a Islândia, Hungria, Luxemburgo, Líbano e Argentina (ai!). Na natação até que mandamos bem, mas além do César Cielo nenhum nome vêm à mente do brasileiro. Olímpiadas de inverno não vale, afinal nem neva aqui no Brasil, apesar da Jamaica, um país que fica na linha do equador, ser bem mais quente que o Brasil, ser bem menor e menos desenvolvida, marcar presença desde 1988.

Por que que um jogador de futebol aparece todo santo dia no globo esporte e um atleta olímpico aparece por 15 minutos quando ganha uma medalha de ouro? Se ganhar de prata aparece se estiver com a filha no colo e ela fazer alguma graça na frente das câmeras. Medalha de bronze nem conta. Paralímpico então...

O Brasil tá muito bem de futebol e é por isso que eu não torço pra seleção ganhar a copa, ela não precisa da minha torcida, nem da torcida de ninguém.

Mas eu admito, assisto os jogos da seleção com os amigos, com a família, em casa ou no barzinho, é legal. É divertido, mas não pela seleção, pelas pessoas que estão comigo e, secretamente, torço pro adversário.

Celebro a derrota do Brasil? Claro que não, afinal não sou burro. No entanto fico feliz, muito feliz quando a seleção ganha e me entristeço quando ganha. Me entristeço ao ver todo mundo pintado de verde e amarelo, gritar "É gol!" e celebrar esse campeonato corrupto de 4 em 4 anos e no dia seguinte voltar a reclamar da saúde, da educação, dos políticos, da Dilma e do PT, quando nem sequer é o presidente que manda num país. Volta a protestar fingindo uma união movida por um ideal, quando nem há um ideal.

Quando o brasileiro começar a fazer festa ao ver um atleta olímpico conquistar a medalha de ouro nas Olimpíadas, quando ter orgulho de ser brasileiro pela diversidade da nossa fauna e flora e não pelo número de copas do mundo a seleção já ganhou, quando a mídia esportiva der moral para os jogadores que realmente se esforçam pra fazer um bom jogo e não para quem fica bonito na frente das câmeras, quando eu ver gente passando na faculdade por que estudou numa boa escola pública e não por que é pobre ou tem a pele mais escura, quando eu ter a certeza de receber um bom atendimento num hospital público, quando eu puder dizer pra alguém confiar na justiça do nosso país que é boa, quando essa ideai utópica e impossível tornar-se realidade, aí sim, eu vou torcer pro Brasil, por enquanto, torço pra Alemanha, pelo menos tem um time simpático.