segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Dica quadrinística: "Superman Smashes the Klan" (2020)


 Pense numa história clássica do Superman? Pensou? Provavelmente será uma história em que o lado mais humano do Super é explorado em contraste com a vida de diversos seres humanos comuns para nos mostrar nosso melhor lado. Esse é o poder real do Superman, algo que é encarnado de forma muito singela nessa quadrinho.

Superman Smashes the Klan é uma HQ publicada originalmente em três partes entre o final do ano passado e o início desse ano, mas compilado num encadernado esse ano e que eu só tive a oportunidade de ler agora no final do ano. Sua narrativa conta a histórias dos Lee, uma família de imigrantes chineses já na sua segunda geração e que se mudam para o subúrbio de Metrópolis após o sr. Lee conseguir um trabalho numa agência de medicamentos da cidade. As crianças enfrentam muitos empecilhos com a mudança, pois se encontram num lugar novo e tem que se habituar a mudança, mas o principal empecilho é um grupo recém-formado de seguidores da Ku Klux Klan, os quais decidem expulsar os Lee do subúrbio. O que os racistas da Klan não contavam é que o sobrinho de um dos líderes não só começa a formar uma amizade com o filho mais velho dos Lee após o seu fracassado sequestro, como também o garoto é fã do Superman. Ao mesmo tempo, Superman descobre através da filha mais nova dos Lee que deve aceitar sua natureza para poder se sentir mais em casa.

A história é baseada numa outra história, bem antiga do Superman, mas essa história não foi publicada, ela foi originalmente transmitida entre junho e julho de 1946 nas rádios de todos os EUA no programa Adventures of Superman. Talvez até por isso, esse quadrinho seja tão bom, pois não conta com uma estrutura presunçosa nem falas surrealistas para passar a sua mensagem. Ao contrário, sua mensagem é transmitida de forma natural, singela e muito bela.

Em nenhum momento as discussões entre os personagens soa como planfetagem política, algo muito comum nos dias de hoje nos quadrinhos. Pelo contrário, nós encontramos personagens que apenas não se conformam com atos de violência sendo praticados na sua frente por motivos tão estúpidos. Em nenhum momento eles nos dão uma palestra sobre aceitação ou igualdade racial, mas tudo isso nós conseguimos captar pela própria narrativa. Encontramos personagens brancos, negros, asiáticos e de todo tipo de descendência possível (os artistas fizeram um bom trabalho em exibir traços característicos de diferentes etnias) numa narrativa que reforça o quanto cada um tem a aprender com o outro e o quanto a harmonia é importante para uma sociedade sadia.

O quadrinho também é guiado de forma simples, mas que não é preguiçosa, tornando-se singelo. A narrativa não tem grande reviravoltas e nem tenta simular uma narrativa cinematográfica, ao contrário, é uma pura história em quadrinhos. Logo nas primeiras páginas somos apresentados a todos os personagens que irão figurar em suas páginas e a partir daí é só desenvolvimento de história. Tá certo que algumas reviravoltas no roteiro mais para o final são meio preguiçosas e pareceu que, talvez, a história teria sido melhor com algumas páginas a mais, mas nada disso tira o mérito de um desenvolvimento narrativo muito bom ao longo de 2 capítulos e meio.

Por fim, a simplicidade com que seus temas são tratadas reforçam a natureza humana dessa história. Conhecemos dramas reais e muito próximos de nós. Ainda que você não seja um imigrante num país hostil, você com certeza já se sentiu deslocado. E isso é algo que até mesmo (ou talvez, principalmente) o alienígena mais forte da Terra sente. Ao final, recebemos uma lição de aceitamento, compreensão e evolução de nós mesmos de maneiro muito natural e que emociona. Fiquei arrepiado diversas vezes durante a leitura.

Gostei tanto que nem liguei para o estilo de arte quase que exageradamente infantil Gurihiru. Uma breve pesquisa sobre a dupla de ilustradores japoneses me mostrou que não foi uma escolha proposital por causa da história original em que o quadrinho se baseava, mas é o estilo deles mesmo. Aliás, um estilo que tem sido cada vez mais adotado, meio inspirado no chamado CalArt. Nas primeiras páginas foi algo que me incomodou, mas a história guiada por Gene Luen Yang é magistral e sua narrativa singela acabou se encaixando como uma luva no estilo dos artistas.

Fazia tempo que não lia uma boa e verdadeira história do Superman. Boa pelos motivos já apresentados, mas verdadeiras porque ela cumpre aquele papel que toda história de ficção científica deveria cumprir: através da ficção mais distante da nossa realidade, nos fazer olhar para dentro de nós mesmos.