domingo, 22 de março de 2015

Dica musical: "To Pimp a Butterfly" de Kendrick Lamar (2015)

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O novo álbum de Kendrick Lamar saiu no dia 16 de Março de 2015, 20 anos e dois dias depois de "Me Against The World", o aclamado terceiro álbum de estúdio de Tupac Shakur. "To Pimp a Butterfly" é também o, já aclamado, terceiro álbum de Kendrick Lamar, recheado de metáforas, uma grande diversidade sonora, presente em cada uma de suas canções, além de seu caráter artístico impecável, tornam este um dos melhores álbum da história do hip hop e não seria exagero dizer que ele é o melhor álbum da década.

Kendrick Lamar já chamou a minha atenção com seu aclamado segundo álbum de estúdio "Good Kid, M.A.A.D. City", mais pela intenção com a qual ele foi feito, o conceito por trás do disco; contar uma história de um garoto negro (ou qualquer garoto negro), nascido e criado em Comptom, Califórnia, desde pequeno se acostumando a ver as injustiças sociais tão presentes na vida de todos, o crime, a violência, a falta de esperança, enfim... Era um CD com muito conteúdo. No entanto, apesar de tanto conteúdo, ele vinha mesclado com canções não tão profundas e a sonoridade não me agradava tanto. Em parte por que era uma sonoridade reminiscente dessa nova leva de rappers que propagaram o estilo "bling bling", de usar correntes, ostentar o luxo e fazer batidas puramente eletrônicas. Em parte, por que era um CD que se concentrava mais no conceito mesmo, em apresentar uma história.

Mas só um conceito não sustenta um CD, por que afinal, trata-se de música e é necessário se ater a sonoridade também, algo que Kendrick Lamar faz muito bem aqui, puxando inspiração não só da era de ouro do hip hop, como também da era do "bling bling" e mais; Kendrick Lamar vai além e evolui a sonoridade de seu álbum, criando algo que pode, sim, ser chamado de inovador, ao menos dentro do hip hop, criando uma sonoridade que muda constantemente. Poucas são as canções do álbum que mantém a mesma batida continuamente por toda a sua extensão. As batidas mudam, evoluem e se modificam, sustentando, de verdade, a mensagem presente no álbum.

E por falar na mensagem, já nota-se que ela é profunda desde de cara. O título do álbum ("To Pimp a Butterfly") é uma clara referência a um dos melhores romances de todos os tempos, To Kill a Mockingbird, que, entre outros temas, debatia o tema do racismo de forma realista e, como consequência, dura, difícil de engolir.

A partir daí somos metralhados com uma enxurrada de temas, dos estereótipos raciais, à busca pela fama, a influência do dinheiro em nossas vidas, até a rivalidade e a exclusão presente entre os próprios negros; todos os temas relacionados, com maior ou menor intensidade, a vida de Kendrick Lamar e é por esse motivo que eles não perdem a força ao longo do álbum.

Em "To Pimp a Butterfly", Kendrick Lamar conseguiu algo que poucos artistas, não apenas rappers, conseguiram fazer com seus CD's; fazer com que eles mantivessem a mesma força e intensidade em todos os momentos, em todas as canções. Não há uma canção que você diga "Uhm... Essa canção é mais ou menos". Todas são igualmente excelentes, embora algumas sejam naturalmente mais fracas, provavelmente por serem mais intimistas, como "Momma" e "i", por exemplo.

A enorme variedade de temas não permitem que "To Pimp a Butterfly" seja escutado como uma narrativa única como "Good Kid, M.A.A.D. City", muito pelo contrário, são várias narrativas, no entanto, se tratam de canções que são facilmente "visualizadas" na mente do ouvinte (muito em parte devido ao alto nível descritivo e imaginativo que as letras têm), não como uma filme, mas como uma sucessão de esquetes, ou até mesmo contos, todos pertencentes ao mesmo conjunto e que não estão conectados, mas interligados por uma tênue, quase invisível, "cola", seja na forma de samples que continuam na canção seguinte, ou (mais comum ao longo do álbum) na forma de versos, que são repetidos e construídos no final de algumas canções, revelando-se por completo na última música do álbum "Mortal Man", um misto de rap, com spoken word e pseudo-entrevista com mais de 12 minutos e que revela, de forma surpreendente e emocionante, todo a dedicação e esforço dado por Kendrick Lamar para tornar esse álbum uma verdadeira obra de arte.

Ao final do álbum você não tem muitas certezas, não há nenhum manifesto aqui, nenhuma verdade absoluta, mas há uma mensagem muito bela, que te propele a seguir um caminho melhor, a se tornar uma pessoa melhor. É um álbum cheio de ideias, metáforas e histórias, capazes de te deixar pensando, meditando por dias a fio, sentado no sofá, admirando a paisagem do lado de fora.

5 pontos