sábado, 12 de março de 2016

Dica cinematográfica: "Kung Fu Panda 3" (2016)

Kung-Fu-Panda-3-Second-Teaser-Poster

Após 2 filmes em que acompanhamos a evolução constante de Pô, no primeiro filme como um discípulo em dúvida quanto ao seu potencial e que tem que provar para os outros o seu valor e num segundo filme em que seu potencial já foi provado, no entanto Pô descobre que haverá sempre alguém mais forte e habilidoso à espera de desafiá-lo, o que poderíamos esperar de Kung Fu Panda 3? Nada mais que um excepcional trabalho de animação como nunca antes feito.

Nesse 3º filme, Pô já é um grande lutador, talvez o melhor e ninguém duvida mais de suas habilidades, no entanto após a anunciada "aposentadoria" de mestre Shifu, Pô recebe a missão de ser o novo mestre do templo de jade (acho que é esse o nome). Enquanto isso, um inimigo antigo de mestre Oongway (falecido no primeiro filme), o touro Kai buscou vingança por 500 anos e quando finalmente aprisiona o chi do mestre tartaruga consegue voltar para a terra, com o infame plano de destruir o templo de jade e acabar com o novo mestre. Paralelo a isso, surge o pai biológico de Pô, o panda Li, que, ao mesmo tempo em que provoca os ciúmes do pai adotivo de Pô, o sr. Ping, representa a única chance de Pô poder derrotar Kai e transforma-lo num "mestre chi".

Essa é, de longe, a trama mais ousada dos 3 filmes, o que representa um grande desafio para os roteiristas do filme, pois além de desenvolver o drama de Pô com seus pais, ainda têm que dar conta de contar uma história que mistura ação e comédia numa dose agradável para o público, sem pesar para nenhum dos dois lados. E eles conseguem fazer isso de forma bastante competente, apresentando de forma calma cada um dos pontos principais da trama, primeiro a assunção de Pô ao cargo de mestre, depois a vitória de Kai sobre o mestre Oongway no mundo dos espíritos e, por fim, a aparição de Li, gerando uma das cenas mais engraçadas do filme. Essa última trama, inclusive, foi o gancho usado no final do segundo filme, o que me deixou com um dúvida se isso iria prestar ou não, afinal, eu, como filho adotivo, fico super-analisando o tratamento que os filmes (e não só filmes) dão ao tema, geralmente apresentando os pais biológicos como os "verdadeiros" pais, sempre bons e apresentando a "verdadeira essência" do personagem que foi adotado.

Perdoe-me pela digressão, mas acho válido apresentar o meu ponto de vista, acho isso errado, pois eu penso que pai de verdade é aquele que cuida, por melhores que possam ser as justificativas sobre o abandono de um filho (como no caso deste filme em que uma guerra foi a responsável pela separação dos dois), é impossível simplesmente se ignorar 20 anos de existência por causa da descoberta de uma suposta "essência". Afinal, o que é essa essência? É a sua personalidade? Sua nacionalidade? Seu tipo sanguíneo? Sua cor? Sua raça? Por mais que essas questões sejam importantes para o desenvolvimento de alguém, isso nunca, na minha concepção, irá superar o ambiente em que a pessoa cresceu, que acaba sendo muito mais importante para o desenvolvimento do seu modo de pensar, do seu agir, sua moral, seus desejos, anseios e medos, enfim... Aquilo que te faz único de verdade. Nesse ponto, o filme deixa a desejar. Ele até une os dois pais no final, mas em todo o filme eu não conseguia parar de pensar que isso foi uma sacanagem com o sr. Ping e que se não vivêssemos em tempos em que todo mundo tem que tomar cuidado com o diz por aí, se não grupos organizados com nomes cada vez mais bizarros caem matando em cima de você, o final do filme seria diferente (nunca pensei que iria agradecer ao politicamente correto).

Se do ponto de vista moral o filme peca, do ponto de vista narrativo é um exemplo a ser seguido, desde o início do filme a trama se amarra com os seus antecessores e apresenta respostas para as dúvidas que vão surgindo quase que instantaneamente (por que Kai não voltou antes? Por que ele passou 500 anos lutando com outros mestres kung-fu falecidos. Por que? Para absorver o seu chi. Por que? Para voltar à terra? Por que? Por vingança? Como que ele derrotou o mestre Oongwai tão fácil? Por que a cada chi que ele absorve, ele fica mais forte.), nada passa despercebido pela cabeça atenta dos roteiristas desse filme.

E nem todas as respostas estão incluídas no texto, aliás. Por que Kai demorou 500 anos? Por que o mundo espiritual é muito vasto. Como você sabe disso? Pelas imagens deslumbrantes, tudo flutua no mundo espiritual, as cenas de ação são feitas de longe, usando um plano extremamente aberto para mostrar não só a extensão do terreno, como também o potencial dos poderes dos que lutam lá, usando poderes absurdamente fortes e expansivos.

A arte inclusive é o ponto que mais chama a atenção nesse filme, aliando 3D com 2D de forma magistral, mostrando que os artistas por trás de Kung Fu Panda são verdadeiros mestres, aprimorando cada vez mais, a cada filme, sua primorosa técnica de animar. Tudo flui perfeitamente nesse filme, de forma quase irreal inclusive, o que seria um ponto negativo, não fosse pela estilização forçada, porém linda, do tipo que um filme do Tarantino seria, não fosse pelo visual colorido, alegre e jovem que a séria de filmes usa e abusa, tudo isso amplifica qualquer sensação que qualquer cena queira passar, dramatiza ainda mais os dramas, acelera ainda mais as cenas de luta, amplia ainda mais a extensão dos poderes, magnifica ainda mais seus personagens, seguindo a própria filosofia que mestre Shifu apresenta no início do filme, a de que a entrada triunfal vence uma batalha antes mesmo dela começar. Kung Fu Panda já havia ganho o meu coração (e o de muita gente, tenho certeza) só pela sua arte, na segunda cena você já está com lágrimas nos olhos agradecendo a Deus por estar vivo para poder ver tamanha beleza digna de uma parede de museu sendo feita para ser distribuída em qualquer cinema no mundo. É simplesmente exuberante.

Além disso temos ainda os pontos elogiados nos outros 2 filmes da franquia, como, por exemplo, o trabalho de seus dubladores, dessa vez sem crítica alguma, por que após 2 filmes já é de se esperar eles estarem confortáveis em seus papéis e, é claro, a trilha sonora, adaptando temas sonoros típicos de produções ocidentais para gerar suspense, drama e tensão, por exemplo, mas usando instrumentos tipicamente orientais, esqueça a bateria, o violino e o trompete, entre o taikô, o liuqin e o erhu. Se no primeiro filme ouvimos apenas experimentos com esses instrumentos, no segundo, já se via a maestria que os responsáveis pela trilha sonora tinham, criando uma atmosfera pesada, típica de filmes de guerra e muito dramática, neste terceiro filme a trilha sonora é mais leve, porém é muito bem marcada e ritmada, arrepiando os seus pelos mais de uma vez ao longo da película.

Enfim, "Kung Fu Panda 3" pode decepcionar em algum ponto (mas eu entendo que isso é uma questão de opinião e uma que não é muito popular por aí), mas em todo o resto é simplesmente maravilhoso, um excelente filme, que serve como um mais que digno encerramento para essa que pode ser a melhor trilogia de filmes animados da década.

4 pontos e meio