quarta-feira, 16 de março de 2016

Dica cinematográfica: "Le Gai Savoir" (1969)

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Filmado originalmente para a televisão francesa, o filme "Le Gai Savoir" de Godard, que faz referência ao livro de Nietzsche foi filmado entre a revolução de maio de 68, considerada uma das revoluções mais importantes do século XX, por não se restringir a apenas uma camada da população como trabalhadores e camponeses, aderentes de ideias socialistas e comunistas, mas também a outras camadas da população, tendo uma adesão de diversos grupos étnicos, sociais e rompendo barreiras de idade, mostrando uma insatisfação geral com o governo francês daquela época. Subsequentemente, o filme foi censurado pela TV francesa e depois banido pelo governo francês da época, quando o filme foi programado para ser exibido nos cinemas.

A película acompanha os jovens Emile e Patricia em um estúdio de TV, no qual eles se reúnem todas as madrugadas para discutir sobre os temas revolucionários sobre educação, o discurso, a linguagem, imagem, som, ideologias e o caminho para a revolução.

Intercalando com a presença de Emile e Patricia, imagens, discursos e cânticos revolucionários são apresentados aos espectadores, rompendo com a narrativa formal, acrescentando diversas camadas ao filme que exploram diversos temas debatidos pelos revolucionários de 68. Num olhar raso, o filme pode ser encarado como uma obra simples do cinema militante, panfletário e socialista, mas estamos falando de Godard, não um cara qualquer.

Neste filme, Godard rompe não só com a narrativa formal do cinema e a estilização que ele inclusive ajudou a criar e que definiu a Nouvelle Vague, mas também com qualquer ideologia de esquerda ou de direita, muitas vezes criticando as formas de revolução (principalmente armada), outras vezes ridicularizando o seu discurso, mostrando o quanto esses grupos supostamente sociais se distanciavam do povo que eles tanto defendiam. As críticas ao capitalismo são fáceis e mostram a faceta cruel e, por vezes, irônica que esse sistema econômico adquire, aliando-se a qualquer tipo de ideologia política, ainda que de forma mascarada (em determinado momento do filme, Emile diz que vai roubar sonhos de artistas pop e vendê-los a tabloides sensacionalistas e o dinheiro recebido dará a causas revolucionárias, já Patricia admite que posa de lingerie para anúncios da revista L'Humanité. Eles simplesmente não conseguem escapar do sistema), é um sistema altamente adaptável.

No entanto, encontramos uma ideologia presente no filme e defendida de forma bastante racional, o desconstrutivismo literário, uma vertente pós-moderna preocupada com a relação entre palavras e seus significados, algo que hoje perdeu o seu brilho inicial, até por causa de certas abordagens ridículas feitas nos últimos anos, mas que teve sua importância, ainda mais se levarmos em conta que esse filme é do final dos anos 60.

Um filme com mais de 50 anos, com uma abordagem ainda original, com temas ainda relevantes, solto de qualquer formalismo cultural, ideológico e técnico, "Le Gai Savoir" é mais uma joia rara, uma obra maravilhosa de Godard, com um grande apelo estético e denso, muito denso em sua profusão de temas.

4 pontos e meio