terça-feira, 31 de outubro de 2017

Dica cinematográfica: "Tire-au Flanc 62" (1961)

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E finalmente minha busca acabou! Me comprometi esse ano a assistir todos os filmes de François Truffaut e minha trajetória, que começou de maneira muito satisfatória revelou ser uma caçada implacável a diamantes há muito tempo perdidos e o último deles era “Tire-au Flanc 62”, que não se encontra disponível em local algum na internet e eu tive que desembolsar 42 reais para poder assisti-lo, mas valeu a pena.

O filme é, na verdade, um remake de um outro filme, de mesmo nome (exceto o 62), dirigido por Jean Renoir em 1928, que por si só é uma adaptação cinematográfica de uma peça. Não assisti o original de Renoir, nem li a peça, então só poderei falar sobre o remake de 1961 mesmo.

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No filme, conhecemos Jean Lerat de la Grinotière, um jovem aristocrata que está iniciando a carreira militar junto com seu servo fiel, Joseph Vidauban. Infelizmente, Jean Lerat não leva o menor jeito para a vida militar, enquanto que seu servo demonstra uma enorme facilidade de adaptação ao meio militar.

O filme é uma comédia bem leve, não se levando a sério em nenhum momento, provocando um humor já datado, mas que diverte, se você já estiver preparado para encará-lo. Não espere nada muito refinado, apenas toques sutis aqui e ali, que poderão abrir um sorriso em seu rosto.

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Ainda assim, é um filme divertido, um ótimo entretenimento feito a quatro mãos, pois não foi apenas Truffaut quem o dirigiu. Dividindo a direção temos também Claude de Givray, que não teve uma carreira muito prolífica e acaba atrapalhando a genialidade do maior mestre do cinema que já existiu.

Lá para o meio do filme, o ritmo começa a ficar arrastado e para os desavisados pode ser cansativo, mas a atmosfera leve e harmoniosa do filme agrada e faz com que toda a trajetória de assisti-lo valha a pena.

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Sua narrativa é bem sólida e não há muitos experimentalismos que fizeram a nouvelle vague famosa, mas podemos ver alguns momentos de pura genialidade fílmica, presente em jogos de câmera e edição, provavelmente ideias vindas de Truffaut.

Enfim, “Tire-au Flanc 62” está longe de ser o melhor filme de Truffaut, mas é uma deliciosa comédia. Para os fãs do diretor, uma obra obrigatória e para os não-fãs, uma obra que vale a pena.

4 pontos

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Dica musical: "THE OOZ" por King Krule (2017)

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O rei, o verdadeiro Rei finalmente voltou!

https://www.youtube.com/watch?v=K5-f1Bnltu8

Após uma série de vídeos que foram aumentando o hype em torno desse álbum, King Krule nos agraciou, em plena sexta-feira 13 com o lançamento de seu mais novo CD, “The OOZ”, dessa vez, apresentando um som ainda mais sólido que o seu álbum de estreia, explorando diferentes ideias, enquanto apresenta uma forma única de abordar a música.

Em “6 feet beneath the moon”, o excelente álbum de lançamento de King Krule, o jovem Archy Marshall estava mais interessado em rap, lançando até um projeto colaborativo de rap um tempo após o lançamento do álbum, mas muita água passou por baixo dessa ponte e o jovem Archy volta agora com outras experiências musicais prontas para influencia-lo, como o jazz punk do The Lounge Lizards.

Em “The OOZ”, Archy acha um terreno sólido para os seus experimentalismos musicais, podendo dar espaço para todos os artistas que ele passou anos escutando pudessem influencia-lo de uma forma ou de outra nas músicas desse CD, como Chet Baker, Berry White e Arctic Monkeys, artistas muito distantes entre si, mas que acabam se encontrando nas músicas de “The OOZ”.

https://www.youtube.com/watch?v=2XzXLzA2Hrc

E isso só é possível porque King Krule passou a ser menos um projeto de Archy Marshall para ser um projeto colaborativo entre seus amigos mais próximos. Archy dá espaço para que cada um possa mostrar o seu melhor, incrementando assim cada lacuna de cada música que o talento natural de Archy não pôde preencher. Isso fica claro quando ouvimos o (e ficamos sabendo do processo por trás do) saxofone, tão presente nesse álbum. Archy é um líder nato.

As letras trazem vívidas imagens do sul de Londres, pinceladas com toques de ficção científica e crítica social, mas cheias de uma poética de fazer inveja a qualquer millenium metido a poeta sensível. Como dito em uma entrevista, Archy é um cara muito atento à política e apesar de ter se alinhado com a extrema esquerda, ele agora entendo o valor do capitalismo e não sabe bem em que lado está, mas também não se conforma com as situações revoltantes que viu e ainda vê por Londres, uma das melhores cidades do mundo para se viver, mas que ainda tem mendigos na rua e deportam cidadãos (numa entrevista antiga, Archy revelou perder uma namorada assim).

O único problema desse álbum é apenas o fato de que King Krule é hipster demais. Sem brincadeira, todo esse experimentalismo, sem ser inaudível ou transgressor demais, as letras sensíveis, que mesclam ficção científica com confessionalismo e a atitude classuda de Archy são elementos que afastam os mais puristas, tanto do lado do rock, como do hip hop, encontrando espaço apenas entre os hipster tênis verde mesmo, que também entendem pouco ou nada da arte de King Krule.

https://www.youtube.com/watch?v=k2HRzIyyXvU

Mas King Krule não é apenas mais um, ele é único dentro desse espaço, pois, como dito numa entrevista recente, Archy não é apenas um desses artistas que gostam de misturar um monte de coisa e ver no que vai dar. Desde o começo ele já havia se interessado em músicas experimentais, mas seu início mesmo é no punk e é essa atitude punk que falta em artistas como o Cosmo Pyke e até mesmo em artistas como os da Geração Perdida de Minas Gerais; não basta apenas saber todos os mínimos detalhes da configuração de guitarras e microfone, os arranjos de baixo e bateria e os instrumentos de trabalho na mixagem. É algo que vai além e tem a ver com sua postura perante a música como um todo.

King Krule se aproxima da música com agressividade e é uma agressividade ativa, porém classuda, se aproximando da violência de um romance de Raymond Chandler, onde os grandalhões tiram os ternos antes de descer o sarrafo e depois temos as piadinhas.

Enfim, King Krule é algo além do comum, é algo único e “The OOZ” é a sua maior obra até então, não apenas objetivamente (são 19 canções!), mas também subjetivamente; é poético, é sujo, é classudo e é preocupado, tudo ao mesmo tempo. Na entrevista que citei anteriormente, Archy revelou estar ouvindo muito Beatles ultimamente e “quem sabe isso não acabe virando uma inspiração para um próximo álbum?”. Não sei quanto a um próximo álbum, mas vale a pena ficar de olho nesse moleque, porque ele é um dos melhores artistas musicais ativos.

5 pontos

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Dica gamística: "Cuphead" (2017)

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Hoje um review polêmico e sei que uma galera vai discordar de mim, mas a área de comentário tá aí pra isso, leiam o post e joguem todo o seu ódio contra mim nela, mas sem se esquecer, essa opinião é minha, não do Locadora TV. Os outros integrantes podem jogar o mesmo jogo e ter uma opinião diferente.

Irei falar de Cuphead, um jogo indie publicado pela Microsoft e disponível para Xbox One e PC (Windows 10, apenas), anunciado há muito tempo e que, desde o primeiro anúncio, ficou recheado de um hype quase infernal, porém justificável, já que a apresentação do jogo é belíssima.

Cuphead conta a história de dois irmãos, o Cuphead e o Mughead, que, num belo dia, resolvem ir até um cassino e lá começam a ganhar uma bolada. Em determinada altura, o dono do cassino aparece, o próprio Demônio e resolve apostar a alma dos dois na próxima jogada. Mughead fica com medo, mas Cuphead aceita o desafio e, obviamente, eles perdem. Agora, o Demônio tem a alma dos dois, mas após ouvir o choro dos dois, lhes faz uma proposta: se os dois meninos conseguirem os contratos dos devedores do Demônio em 48 horas, eles podem ficar com suas almas.

E assim começa o jogo, após um pequeno tutorial na casa de seu tio, você, no comando de Cuphead, pode partir para aventuras nesse mundo maluco, inspirado em antigos desenhos animados dos anos 30 e 40 e afins. Logo no começo, você já tem a oportunidade de desafiar dois devedores do Demônio e uma fase que serve para você ganhar moedas.

E aqui já vou dizer o principal defeito do jogo: o combate. O jogo é difícil? Sim, ele é, mas Cuphead é o exemplo de jogo difícil por ter uma jogabilidade ruim, que é expressa em dois pontos. O primeiro são os controles. Tá certo que eu estou jogando no teclado, que é horrível, mas se eu nunca comprei um controle é porque nunca passei sufoco jogando no teclado, então eu acho que os controles são ruins mesmo.

O segundo ponto a ser criticado (e principal) quanto a jogabilidade é um level design porco do jogo. Quando você enfrenta os inimigos não sabe quanto de dano inflige, isso não seria um problema se desse pra sentir que suas escolhas fazem diferença no jogo. Em determinado ponto do jogo, consegui um ataque especial que aumentava a quantidade de tiros que minha arma soltava, só que quando usei esse golpe especial num inimigo que estava enfrentando por um bom tempo, levei exatamente a mesma quantidade de tempo para ele mudar de forma, ou seja, não sei se o golpe especial tem efeito, de verdade. E o jogo também não te deixa verificar isso.

Vendem o jogo como se fosse difícil, mas ele só foi porcamente feito, o que não faz de Cuphead um jogo desafiador, de verdade. Pra ser desafiador tem que ter a intenção por trás do desafio, uma proposta sólida por trás do game, não apenas o acaso.

Ainda bem que eu não comprei.

Agora que destrinchei meu ódio contra o jogo, estou pronto para elogiá-lo. Há alguns aspectos que fazem ele ser um jogo difícil de verdade. O primeiro deles é a conquista de moedas de ouro. Existem algumas poucas fases pra você conseguir moedas de ouro e elas só podem ser conseguidas uma vez, ou seja, uma vez que você terminou a fase, não poderá pegar a mesma moeda, de novo, não é que nem um Mario da vida, onde você pode voltar numa fase anterior pra pegar moedas e conseguir vida.

Outro aspecto é a vida. Ela é muito limitada, embora digam que ela é infinita. Você pode liberar novas vidas, mas você tem que equipar essas novas vidas, ocupando o lugar de outras habilidades que te ajudam a avançar no game. É uma escolha difícil de se fazer. Mais para o final do jogo, você consegue liberar "vidas" enfrentando chefões muito difíceis, mas também é um evento relativamente raro.

Um terceiro aspecto são os próprios devedores do Demônio. Eles passam por diferentes formas antes de serem derrotados, fazendo do combate algo bem tenso e que prende a tua atenção de uma maneira como poucos jogos conseguem.

Fora isso, a direção de arte, claro, é sensacional.

A equipe de artistas responsáveis pela estética desse jogo está de parabéns, pois eles conseguiram simular, de verdade, a estética dos antigos desenhos animados, recheando o game de referências, mas mantendo um visual original. Dos personagens ao entorno da tela e os “riscos” (simulando rolo de filmes antigos) que aparecem na tela, é tudo muito bem feito e um deleite para os olhos.

Sem contar a música, que foi o primeiro aspecto que me chamou a atenção quando vi o primeiro anúncio do jogo. A trilha sonora do game é fantástica, embora acabe enjoando quando você tem que enfrentar a mesma área um milhão de vezes seguidas.

Talvez seja por isso que o level design seja tão porco. Os desenvolvedores se atentaram tanto a estética do game que acabaram esquecendo do fator primordial, a jogabilidade.

Infelizmente, o final do jogo também é decepcionante, deixando a desejar em muitos aspectos. As batalhas finais continuam infernais, mas são uma demonstração intensa do despreparo e falta de criatividade dos desenvolvedores na hora de criar as batalhas. Pra se ter uma ideia, a penúltima batalha (contra o Sr. Dice) é mais difícil do que a batalha contra o Demônio.

Enfim, Cuphead é um jogo muito bom e tinha potencial pra ser ainda melhor, mas o relaxo de seus desenvolvedores acabou fazendo da jogatina algo cansativo, frustrante e falho, embora eu ainda ache que vale a pena jogá-lo.

3 pontos

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Dica Smartphonística: Zenfone Go ZB500KL

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Hoje irei iniciar mais uma categoria aqui no blog, referente aos smartphones, os celulares da nova geração, esses instrumentos que estão substituindo computadores inteiros na vida dos jovens dinâmicos e no post de hoje, irei falar do meu novo smartphone, o Zenfone Go.

Mas não irei falar de qualquer Zenfone Go e sim do modelo X00ADA ou ZB500KL (por alguma razão, ele tem esses dois códigos), o modelo que eu tenho e que estou usando atualmente. O celular tem uma bateria de 2600mAph, 2gb de memória RAM, 16gb de armazenamento externo, processador Qualcom Snapdragon de 1GHz e resolução de 720X1280px.

O aparelho ainda conta com uma câmera traseira de 13 megapixels e uma frontal de 5, espaço para expansão de armazenamento através de um microSD, entrada para dois chips de rede (algo que eu valorizo bastante, pois vivo entre 2 estados, praticamente), com conectividade 4G e android 6.0 instalado de fábrica.

É um celular potente? Não é, mas é um celular que cumpre o que promete. Ele roda a maioria de todos os jogos de maneira suave, tem um espaço de memória agradável e claro, conta com uma placa de áudio sensacional, típica dos aparelhos da Asus, que são muito dedicados nesse quesito. Nunca tive problema com sistemas de som em aparelhos Asus (além desse celular, já tive um Zenfone 5 e uso um notebook Asus e toda minha família tem aparelhos Asus, praticamente) e dá pra ver que a empresa tenta se garantir ao máximo nesse quesito.

Como já li em alguns lugares, esse celular é um aparelho com poucos concorrentes no mercado (ao menos brasileiros), já que apresente características muito boas por um preço fantástico, numa média que varia entre 500 e 600 reais, mas que pode diminuir conforme o dia que você compra. O meu mesmo comprei numa promoção no site de Asus e veio junto um carregador portátil de graça.

Por falar em “vir junto”, o aparelho ainda conta com um item muito valioso em sua caixa: ele vem com um fone de ouvido!

Chamo a atenção para esse detalhe porque parece que virou costume entre as empresas de não fabricar mais fones de ouvido para serem vendidos com o celular, o que é um ultraje! Mas este daqui vem com um fone de ouvido e ele é muito bom, mas falarei do fone em outro post, porque merece.

Fora tudo isso, é um celular típico da Asus. Os designers da Asus são uns preguiçosos ou a Asus contratou só um no começo da empresa e o demitiu depois que ele projetou o Zenfone 5, porque é basicamente o mesmo modelo, com umas pequenas alterações na sua capa traseira e no detalhe logo abaixo dos ícones de comando do Android.

A posição de alguns botões também é diferente e só foram melhorados. O botão de ligar e desligar fica em cima do celular, assim como a entrada para fones de ouvido, o que facilita muito na hora de ouvir música com o fone no bolso. Outra coisa fantástica e algo que merece um prêmio de design (mas não sei se é original da Asus, provavelmente não!) é a localização dos botões de volume, que ficam atrás do celular, uma posição estratégica para você que anda ouvindo música e aí não tem que tirar o celular do bolso pra abaixar ou aumentar o volume.

Também é um modelo novo, o que é bom em questão de software e hardware, pois garante uma maior vida útil, mas é um modelo de entrada. Logo se tona obsoleto.

Por ser novo, também não tem root, o que é uma pena, mas também não vem com mutios aplicativos nativos e sua memória interna dá conta de garantir um funcionamento perfeito.

Enfim, é um celular que vale muito a pena comprar se você não exige muito de seus celulares e não tem muito dinheiro pra gastar.

4 pontos e meio

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Dica literária: "A divina comédia" de Dante Alighieri (1304-1321)

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As aulas de latim que tive ano passado foram bem inúteis, não entendo porque tive que aprender essa língua sendo que nunca mais usei-a durante o meu curso e, provavelmente nunca mais a usarei. No entanto, nem de longe elas são tão inúteis quanto linguística, que sequer é uma ciência, pois, ao menos, as aulas de latim serviram para que eu pudesse me interessar pela cultura clássica e por causa do meu interesse em cultura clássica (e também pelo meu interesse quanto a língua italiana), que eu decidi ler esse livro.

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“A divina comédia” é um poema épico que conta a trajetória de Dante pelos “reinos de além-vida”, ou seja, o Inferno, o Purgatório e o Paraíso. Motivado por Beatriz, sua musa inspiradora e grande paixão de sua vida, Dante inicia sua viagem ao encontrar-se com Virgílio, enviado pela própria Beatriz, no Limbo (para onde Beatriz não pode descer, pois ela se encontra no Paraíso). A partir do Limbo, onde se encontram as almas daqueles que não conheceram o Cristianismo, Dante e Virgílio entram no Inferno, que nada mais é que uma enorme cratera formada a partir da queda de Lúcifer do Paraíso. Dante atravessa os 9 círculos do Inferno, encontrando pessoas reais e ficcionais mitológicas pagando após a morte os pecados que cometeram. Após o encontro com Lúcifer, eles entram no Purgatório e seus 6 círculos, onde são punidos aqueles que não resistiram aos 7 pecados capitais e aguardam para poder adentrar os portões celestiais. No final do Purgatório, Dante se despede de Virgílio (que não pode entrar no Paraíso por ter sido um pagão em vida) e adentra o Paraíso ao lado de Beatriz, que também o guia pelos 9 círculos do Paraíso até o Empírio, a morada de Deus e todos os Abençoados.

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Esta é uma daquelas obras que de tanto ouvirmos falar, achamos que conhecemos, mas quando a encaramos de verdade, percebemos que não conhecemos nada! Sendo um millenial a minha referência principal para “A divina comédia” é, lamentavelmente, a camiseta do Nirvana com os círculos do Inferno. Portanto foi uma surpresa para mim ler esse poema épico fantástico, a começar pela sua estrutura, baseando-se, inteiramente, no simbolismo do número 3, representando a Santíssima Trindade. O poema é composto por tercetos que seguem um esquema de rimas ABA, BCB, CDC, DCD e assim por diante, chamado de terza rima. O poema constitui-se de 3 livros: Inferno, Purgatório e Paraíso, cada um com 33 cantos (exceto o Inferno, que contém um canto a mais para introdução, mas ele não conta, de fato). Cada uma das localidades exploradas por Dante contém 9 círculos (o Purgatório tem 6 círculos para punição, mais 2 ante-purgatórios e o seu topo, o paraíso terrestre), o que totalizam 27 círculos, que por si só é o número 3 elevado a terceira potência.

Tamanha genialidade só pode ter vindo de inspiração divina mesmo.

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A viagem de Dante é marcada pelo forte debate filosófico e teológico, recheado de personagens históricos ou mitológicos, que tem uma funcionalidade alegórica dentro do poema, explorando ideias, conceitos, atos e julgamentos, enfim... é uma obra para se tomar como um guia espiritual.

Há ainda no livro diversos momentos em que Dante toma para si nomes (de lugares, principalmente), criando uma mitologia própria, como no momento em que ele está para entrar no Paraíso e se banha no Letes para deixar para trás os seus pecados. Pode não parecer muita coisa analisando-se friamente, mas quando se está lendo e experienciando a obra em primeira mão, é um deleite criativo.

A obra é tão bem escrita e imersiva que o Inferno é capaz de transmitir aquele sentimento de horror que nos faz querer virar santos em vida só para evita-lo. A descrição de Lúcifer foge de tudo que a cultura pop nos faz engolir, mas é tão assustadora quanto deve ser. O Purgatório é um momento de tranquilidade e paz, face a esperança de poder sair de lá, enquanto que o Paraíso, ao menos para mim, foi uma experiência agridoce. Eu tenho medo da morte, não porque tenho medo da dor ou porque vou deixar projetos inacabados, mas porque eu tenho um certo pavor do que virá a seguir. A ideia de vida eterna sempre me deu um pouco de desespero pelo seu teor estacionário e utópico. Ideias como a de “felicidade tão grande que você nem irá notar se a pessoa que amou em vida está ou não do seu lado” me dão pavor, por isso as descrições do Paraíso e sua bem-aventurança acabaram me deixando um pouco apavorado, mas ao final da obra, quando Dante conhece a Verdade Absoluta e uma beleza tão grande que é impossível descrever, eu me senti em paz também. “A divina comédia” tem esse poder.

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A edição que eu tenho é da editora 34, é bilíngue e apresenta tradução de Italo Eugênio Mauro, que só traduziu essa obra, mas a traduziu tão bem que ele deve ter um lugar especial no Paraíso ao lado do poeta florentino. Não tem ilustrações, mas eu acho que isso é ainda melhor, embora as descrições do Paraíso não sejam tão claras e completas quanto nos outros lugares, é melhor ficar sem ilustrações mesmo para que possamos admirar a viagem de Dante apenas em nossas ideias, de forma meio que platônica. Sem contar que nenhum ilustração faz jus de fato à grandeza desse poema.

Conversando com colegas, a maioria diz que “A divina comédia” é o melhor poema épico que leram e eu concordo com eles, embora vá um passo além e diga que essa obra só é o que é por pura e simples inspiração divina. Dante foi abençoado ao escrever “A divina comédia”, é o que acredito.

5 pontos

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Dica quadrinística: "Fragmentos do Horror" de Junji Ito (2014)

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Esperei por esse mangá um tempão, desde que foi anunciado no início do ano (pelo menos foi quando eu fiquei sabendo da sua publicação no Brasil). Se você gosta de horror e tem um senso humor negro este quadrinho é para você.

“Fragmentos do horror” é uma compilação de one-shots de horror criador pelo Junji Ito, um dos mangakás mais criativos atualmente em atividade. São 8 história, como o próprio título já diz, de horror, que variam em seu tom, do mais assustador e/ou perturbador ao mais humorado e bizarro.

Todas elas foram escritas e desenhadas por Junji Ito após um período de repouso do autor, há poucos anos, ou seja, após ele já ter se concretizado como uma das mentes mais criativas dentro da esfera dos mangás de atualmente. É um deleite saber disso, pois mostra o seu poder criativo, com muito fôlego ainda para gastar com tintas nanquim.

Como histórias de horror, elas não são assustadoras, mas são extremamente perturbadoras, do tipo que deixa sem fome depois de ler, mas, ao mesmo tempo, são extremamente compensadoras, pois é um prazer acompanhar a narrativa de Junji Ito, seus traços detalhistas, os painéis recheados e a criatividade florescendo ao longo de suas mais de 200 páginas.

Há algumas críticas a serem feitas, pelo fato de serem histórias curtas, Junji Ito deixa de apresentar o amplo desenvolvimento narrativo característico de seus principais mangás (Gyo, Uzumaki e Hellstar Remina), deixando de lado o seu lado mais niilista e perturbador para dar espaço ao lado mais humorado, embora o humor dentro de “Fragmentos do horror” seja puramente negro. Isso faz com que a obra seja mais fácil de engolir, embora ainda tenha o seu teor perturbador, ela não te deixa mal depois da leitura.

O traço de Junji Ito é detalhista e aqui temos a oportunidade de ver duas personagens femininas protagonistas com aquele visual característico que elas têm (não sei se isso é homenagem a alguém ou o quê, mas os traços de Tomio é basicamente o mesmo de muitas outras de suas personagens) e contamos com uma enorme imersão narrativa, sua principal e mais forte característica. Aqui, essa qualidade é explorada ao máximo, pois em poucas páginas, ele é forçado a criar algo que prenda a nossa atenção (e tensão) desde o primeiro quadro.

Infelizmente, a edição da Dark Horse não contém páginas coloridas e isso é imperdoável para uma edição que se diga “de luxo”. Há apenas 2 páginas coloridas num mangá que foi vendido a mais de 60 reais no seu lançamento, sendo algo muito ultrajante eles terem descolorido o quadro pintado no começo do mangá.

Tremendo vacilo, Dark Horse.

Mas o importante é que “Fragmentos do Horror” foi finalmente publicado aqui no Brasil e por uma editora competente, que fora o vacilo com as páginas coloridas, fez um ótimo trabalho com a publicação do mangá, em capa dura, com um trabalho artístico muito melhor que o de editoras estrangeiras e abrindo espaço para que outros mangás do mestre Ito sejam publicados aqui no Brasil e quem sabe até os seus influenciadores, como “The Drifting Classroom”.

4 pontos

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Dica cinematográfica: "Alice ou a última fuga" (1977)

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Acho que trago, pela primeira vez, uma dica de um filme de Claude Chabrol, o inaugurador da nouvelle vague, esse movimento artístico que eu tanto amo.

O filme é “Alice ou a última fuga”, lançado em 1977, contando a história de Alice Carol, uma bela mulher que decide abandonar o marido por não suportar mais a vida que leva com ele. Partindo por uma estrada sem rumo, o para-brisa de seu carro quebra e ela é forçada a estacionar dentro do terreno de uma mansão, onde um velho diz que já a esperava. Como chove, Alice acaba passando a noite na mansão e pela manhã, descobre que está sozinha na casa e que seu carro foi consertado. Após o café-da-manhã, Alice decide continuar sua viagem, mas acaba descobrindo presa nos arredores da mansão, que revela propriedades fantásticas.

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Este filme é um exemplo magnífico de como se inspirar por uma obra e a obra no caso é “Alice no país das maravilhas”, claro, e sua continuação. Pra começar, o nome da personagem principal, Alice Carol, não tinha como ser mais óbvio. Depois, ela foge de casa e vai parar num lugar fantástico, onde eventos que fogem à explicação racional acontecem e não ganham explicação. É simplesmente a forma como aquele “espaço” funciona. E até mesmo o elemento mais icônico da história de Lewis Carol está presente, o buraco para o subterrâneo, mas indicar a sua existência no filme é spoiler demais.

As semelhanças são óbvias, mas não deixam de surpreender pela forma como são apresentadas. Como não sabia nada do filme até começar a assisti-lo, fui me surpreendendo conformo o filme ia se apresentando para mim, com cada elemento sendo jogado na tela de forma natural e aos poucos fui juntando os pedaços e montando o quebra-cabeça que Chabrol montou. Ele conseguiu pegar elementos da história de Lewis Carrol e montar algo novo, com uma bela lição de moral ao final e elementos fantástico que deixam o espectador irrequieto.

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Como um filme dos anos 70, ele já era colorido e apresentava aquela característica coloração de filmes antigos que agradam tanto aos hipsters de hoje em dia. A direção de Chabrol é praticamente uma aula de cinema, é possível notar facilmente quando Chabrol usa espelhos para iluminar cenas, para onde ele move a câmera e até mesmo prever o que irá ser mostrado para nós em algumas cenas, pela forma como ele guia as câmeras. Pode chamar isso de ortodoxia demais, mas é uma marca de direção e a cereja do bolo é, de fato, o final do filme, magistralmente revelado para o espectador, dando um novo sentido ao termo “plot twist”.

Enfim, “Alice ou a última fuga” é um dos primeiros filmes que assisti de Chabrol e, na minha epopeia de me aprofundar dentro dos filmes da nouvelle vague esse ano, nada mais justo do que correr atrás do material do diretor que é considerado o inaugurador do movimento, bem quando este maravilhoso filme completa 40 anos.

4 pontos e meio

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Dica musical: "Live on BBC Radio 1: vol. 3" do Touché Amoré (2017)

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Após o lançamento de seu melhor álbum, o Touché Amoré volta para a rádio BBC 1 para apresentar suas novas canções e o EP de apenas 4 canções vale a dica.

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O EP, assim como os outros volumes de “live on BBC radio 1” apresenta apenas 4 canções, todas elas presentes no último disco da banda, Stage Four, que é, sem sombra de dúvida, o melhor álbum deles e, eu reitero minha opinião do ano passado, foi o melhor CD de 2016 e é um excelente álbum.

Mas você pode se perguntar: se é um EP com músicas presentes num álbum recente, por que isso é interessante?

É interessante, jovem gafanhoto, para podermos ver o quão grande é o Touché Amoré atualmente.

Um álbum de estúdio é fácil de ser editado e é fácil a banda soar boa em estúdio, mas ao vivo já é outra história. E o Touché Amoré sempre foi uma banda que tinha uma diferença notável entre a versão em estúdio e a versão ao vivo. Apresentações com erros, um vocal limitado e muito barulho.

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Pois bem, essa diferença está perto de zero com esse álbum. A sonoridade da apresentação, como um todo, é bem limpa, para os padrões sonoros que o post-hardcore permite. Os erros, praticamente não existem e você só conseguirá perceber se aumentar bastante o volume e desacelerar o ritmo da banda.

É um prazer ouvir o Jeremy Bolm cantando agora. Seus vocais estão diversos como nunca, indo do mais agressivo ao mais calmo, de um vocal mais agudo e rasgado a um mais grave e sólido. Ele finalmente aprendeu a cantar.

Se há uma coisa a criticar é, simplesmente, a escolha de músicas. Na minha opinião faltou as já clássicas “Flowers and You” e “Skyscraper”, mas eu entendo o porque delas não terem sido escolhidas. “Skyscraper” é um dueto com Julien Baker (se bem que seria legal uma participação dela, assim como Jordan Dreyer apareceu no volume 1) e “Flowers and You” é uma escolha minha, não é das mais queridas pela maioria dos fãs.

Enfim, esse EP pode até não apresentar um material novo, mas apresenta uma banda nova, Touché Amoré praticamente se reinventou com esse novo álbum, não apenas musicalmente, mas a própria atitude da banda, suas motivações e planos para o futuro, tudo mudou com “Stage Four” e está valendo muito a pena acompanhar essa vida nova de Touché Amoré.

4 pontos e meio

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Podcast d'O Sommelier #2: 3 dicas quadrinísticas

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Quem diria, hein? Saiu o 2º podcast d'O Sommelier de Tudo, que deu muito trabalho pra fazer, mas ficou legal.

E nesse podcast, eu indico 3 mangás que estão sendo, atualmente, publicados no Brasil e que vale muito a pena acompanhar e, portanto, a dica.

Para ouvir e/ou baixar, clique aqui.

Para críticas, dúvidas, sugestões e outras coisas mais, a área de comentário está aí pra isso.

Ciao!

terça-feira, 3 de outubro de 2017

Dica musical: "Love What Survives" do Mount Kimbie (2017)

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“Love What Survives” é o terceiro álbum de estúdio do Mount Kimbie, dupla britânica de música eletrônica, que, desde o primeiro álbum apresenta um som único, ignorando qualquer forma de classificação do estilo musical que eles são capazes de criar, alcançando, finalmente nesse álbum, a autonomia suprema.

https://www.youtube.com/watch?v=8rwXMvPm1HQ

Em “Love What Survives”, Mount Kimbie volta com um CD recheado de participações especiais, mas antes de chegar nelas é preciso dizer que o álbum encontra um espaço nunca antes explorado, ou talvez seja até melhor dizer que o álbum cria um espaço completamente novo.

O som do Mount Kimbie tem raízes no dubstep, mas eles meio que sempre estiveram distante dessa classificação, pois o som da dupla nunca se encaixou, completamente, dentro dos padrões sonoros do dubstep. A dupla sempre incluiu uma vasta gama de instrumentos e experimentalismos sonoros, no entanto, nada muito ousado.

Em seu último álbum, eles continuaram essa tendência, mas o melhor momento do álbum se encontra na participação especial de King Krule, em “You Took Your Time”. Aqui, eles voltam com essa parceria, que se revela estar mais produtiva do que nunca.

https://www.youtube.com/watch?v=J1kzMFnFSh0

Além de King Krule, temos ainda James Blake, em duas canções, Micachu e Andrea Balency, todos executando ótimos papéis nas canções em que participam, no entanto, o melhor ponto desse álbum não são as participações, mas sim os sons que Mount Kimbie conseguiu elaborar.

Todos os sons têm uma marca bem única e característica, tornando-o diferente de tudo que você ouvirá esse ano saindo do cenário da música eletrônica (mais morto e enfadonho do que nunca) e eles se saem muito bem em elaborar canções carregadas de elementos, com ritmos bem delimitados, mas expansivas, criando atmosferas criativas para a imaginação fluir. Não é a toa que os clipes das músicas do álbum estão excelentes.

4 pontos e meio