terça-feira, 22 de maio de 2018

Dica especial do melhor livro já escrito por um único ser humano.

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Recentemente terminei o titã chamado "Guerra & Paz". Não é um romance histórico, nem um épico, é um evento.

Tolstoi, um dos poucos autores que debatiam abertamente sobre seus livros, uma vez disse que ele queria que seus livros mudassem as pessoas e eu sinto que ele foi muito bem sucedido nessa empreitada, pois "Guerra & Paz" é um livro que provoca o que há de melhor em você.

Isso tem raízes na filosofia que motivava os russos do século XIX a escreverem obras que são atuais até hoje é só são atuais por causa dessa característica que irei mencionar: eles se consideravam diferentes do resto da Europa e como diferentes (às vezes até superiores), seus livros deveriam ser diferentes também.

Dessa forma, as melhores partes de sua literatura não são encontradas nos grandes conflitos, mas nas reuniões de família, como em "Pais e Filhos", nos funerais em "Os irmãos Karamazov" e nas divagações românticas em "Felicidade Conjugal". Porém, Tolstói dá um passo além e transforma os grandes eventos das Guerras Napoleônicas em momentos ordinários onde heróis nacionais russos, figuras lendárias e membros de toda a realeza europeia se transformam em pessoas comuns, com medo de tiros e explosões, cansados e irritados, fanfarrões e bêbados, mas também humanos e ainda assim com aquele ar de heroísmo, que não é idealista, mas totalmente real. Lendo "Guerra & Paz" você realmente sente aí é pode ser herói e para isso não precisa matar Napoleão, nem liderar um exército na batalha de Borodinó. Você pode ser herói simplesmente sendo humano, com defeitos, perdas, responsabilidades e pequenas vitórias.

Tudo escrito da melhor forma possível. Tolstói encontra jeitos novos e inesperados de contar o que já foi contado um milhão de vezes, o que todo mundo viveu e o que todos já vivemos, dando a esses pequenos acontecimentos um ar de novidade, que irá te fazer querer abraçar seus pais. Eu comecei a ler durante as férias de final de ano e acho que já dá pra ter uma ideia de como ter sido ler esse livro.

Aliás, ele é gigante e assusta, mas uma vez que você entra nele não consegue mais sair. A linguagem é clara e a narrativa, cadenciada, de forma que uma vez que você inicia a leitura, ela se transforma numa bola de neve e vai crescendo e ganhando velocidade e então você leu 50 páginas num dia e nem percebeu e ainda aguentar ler outras 50.

Em meio a tudo isso, temos ainda a apresentação da filosofia histórica de Tolstói, rejeitando a interpretação materialista que ainda está em voga (ao menos nesse canto de mundo abandonado) e também rejeitando as interpretações tradicionalistas, simplistas e que colocavam tudo nas mãos de Deus, através de divagações enormes que ocupam quase que tomos inteiros do livro. Ele não se posiciona de um lado ou de outro, embora você possa interpretar assim se quiser, mas uma leitura atenta e crítica, revela que ele não estava de lado nenhum e também não queria criar nada, mas ele sabia o que estava errado e queria destruir aquilo. Era um niilista, mas do tipo bom, o niilista produtivo que Dostoiévski falava. E ao destruir, ele ia abrindo caminho para algo que fosse certo. Ele pode não ter deixado tudo pavimentado, mas mostrou uma direção e abriu um trecho de terra batida pra gente seguir. Essa sua teimosia, nos leva até o melhor monólogo de encerramento na história da literatura (sim, dane-se Ulisses!!!), mais de 40 páginas que encerram o livro com uma extensa explicação sobre a filosofia histórica de Tolstói.

É um livro, genuinamente, fantástico.

E mais fantástico é se sentir amigo dos membros das 5 famílias centrais da história, ver a beleza nos olhos de Marie, a conversão do príncipe Bolkonski, a beleza serelepe de Natasha, as andanças sem rumo de Pierre, o crescimento de Nicolau, a voluptuosidade de Hėlene, o heroísmo de Kutúzov e todos os outros mais de 500 personagens que aparecem na obra e que não dá pra favoritar apenas um, porque são todos humanos e ao mesmo tempo falhos, mas isso apenas os faz mais próximos de nós.

Esta é uma dica diferente e tem que ser. Como eu disso, isso não é um livro, é um acontecimento. Lê-lo não é um passatempo, é uma viagem e não dá pra deixá-lo do mesmo jeito que você o iniciou. Não valeria uma nota aqui, mas eu lembrei que na criação do blog, criei um sistema de notas que ia além das cinco estrelas, havia uma a mais, a supernova, a estrela que de tão grande deixou de ser estrelas e, no começo do blog, a dei para alguns clássicos absolutos, mas com o passar do tempo, percebi que esse blog era a minha opinião pessoal e não tem como eu disser o que é um clássico absoluto.

No entanto, esse é um clássico absoluto e para esse livro vale a pena ressuscitar essa nota, mas apenas para nunca mais usá-la em nenhuma dica literária de novo.

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