terça-feira, 7 de agosto de 2018

Dica cinematográfica: "L'Anglaise et le Duc" (2001)

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Mais uma dica de um filme deste diretor que só me impressiona, Éric Rohmer e dessa vez mais um romance histórico.

O filme se chama “A inglesa e o duque”, filme de 2001 que conta a história de Grace Elliot, uma aristocrata inglesa que vive na França do século 18, durante a Revolução Francesa. Grace não aprova os meios revolucionários, mas o duque d’Orleans, seu grande amigo, não só aprova, como deseja que os revolucionários avancem. Entre revoltas e julgamentos, Grace viaja de Paris para sua casa de campo fora da cidade, esforçando-se para conseguir fazer sentido da crise que seu país está passando.

A filmografia de Rohmer é marcada por 3 filmes históricos, “La Marquise d’O…” de 1976, “Perceval, le galois” de 1978 e, finalmente, em 2001, ele dirige “L’anglaise et le duc”. Ainda não assisti seu primeiro filme histórico, mas este filme contém uma característica muito marcante em acordo com “Perceval, le galois”. Ambos os filmes se esforçam para se distanciar do espectador através de sua montagem. Em “Perceval” tínhamos um cenário notoriamente falso, que fazia lembrar uma montagem de teatro. Aqui, Rohmer abre mão da sua característica utilização de cenários naturais, com pouca ou nenhuma modificação para as telonas e usa muitos efeitos digitais para criar os cenários. O resultado fica um pouco estranho, porque foi feito em 2001, mas foi feito de maneira propositalmente para ser falso e hoje ganha um ar de artificialidade estética meio nostálgica, não um envelhecimento tecnológico imprevisível.

Mas não é apenas a montagem desse filme que é impressionante. O mais impressionante é sua história, um retrato fiel e voraz dos horrores da Revolução Francesa, o movimento mais mal compreendido da história e que plantou sementes destrutivas que estão brotando até os dias atuais. Grace se opõe aos revolucionários, mas por não fazer parte dos círculos principais da cidade e ser estrangeira, acaba se distanciando dos horrores da revolução, mas nem por isso seu olhar deixa de presenciar a arrogância ditatorial dos jacobinos, suas injustiças, preconceitos e abusos. Ela vê suas amigas serem decapitadas, sua casa ser invadida e sofre diversos abusos psicológicos, o maior mal cometido pelos revolucionários e que, por esse motivo, os transformou em figuras lendárias, com um caráter de benevolência democrática que não poderia estar mais longe da verdade. Seus abusos psicológicos nunca poderiam ser medidos e por isso, até hoje, aprendemos nas escolas que a Revolução Francesa foi um período de grande progresso.

Aqui no filme conhecemos a face da aristocracia que não merecia passar pelo que a Revolução Francesa ocasionou e a história nos mostra que exemplos como os dela não eram a minoria. Grace ajuda os pobres e os oprimidos, dá aula para crianças escolhidas e trata seus servos com respeito. Isso não era uma minoria aritocrática, documentos históricos provam que mulheres como ela sempre existiram aos montes e eram a maioria. Eram minoria em Paris e em outros grandes centros urbanos da Europa, mas ao longo de todo o continente, a situação era diferente do que somos condicionados a acreditar e era muito parecida com o que Rohmer nos apresenta nesse petardo cinematográfico.

O contraste entre realidade e narrativa entra em choque com os diálogos entre Grace e o duque d’Orleans, revelando o porque do título; a inglesa entre em choque com o duque, a inglesa que nasceu no mesmo país de Edmund Burke, autor de “Reflexões sobre a Revolução na França”, mas uma inglesa que não abandona a França, assim como Tocqueville não abandonou. O paralelo é óbvio e provoca, de forma sutil (se não fosse sutil não seria um filme de Rohmer), mas evidente. Isso pode afastar algumas pessoas e, de fato, afasta, pois comprovei isso ao compartilhar esse filme com alguns colegas, mas ninguém deixa de admitir o seu valor artístico.

Os incríveis diálogos, os cenários bem elaborados e criativos são pontos muito positivos, sendo o único ponto realmente negativo nesse filme seu ritmo. O filme é longo e se torna cansativo, os diálogos sempre extensos e muito inteligentes não diminuem isso, a beleza de seus cenários não diminuem a densidade da obra, que exige muito de quem a assiste. De qualquer forma, o caminho é árduo, mas vale a pena.

Concluindo essa dica, só fica o recado: assista de mente aberta.

4 pontos e meio