quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Dica literária: "The Menace of the Herd or Procrustes at Large" de Kuehnelt-Leddihn (1943)

19269681

A dica de hoje é de um livro perigoso, mas também um livro muito bom. Não recomendo a todos, mas preciso falar sobre ele, porque afinal, seu conteúdo é de extrema importância para os dias atuais, embora detalhes possam corromper ele quase por inteiro, mas irei explicar meu ponto mais para frente.

"The Menace of the Herd" é um livro escrito por Eric Ritter von Kuehnelt-Leddihn em 1943, logo após a ida desse filósofo austríaco para os EUA, fugindo da invasão ideológica nazista em sua terra natal. O livro é uma obra de filosofia política que trata principalmente da defesa da tese de que o grande mal do século 20 é a "mentalidade de rebanho" ( Herdist sentiment), que ganhou mais fôlego a partir da revolução francesa, mas já tinha suas raízes plantadas no final da Idade Média com os avanços mercantis, principalmente na Itália, o que convencionou-se chamar de início do capitalismo.

A tese de Keuhnelt-Leddihn é a de que essa mentalidade contrasta com o que ele chama de espírito romântico e essa mesma mentalidade é o que afasta o homem de sua natureza, gerando mais conflitos em prol de uma suposta igualdade entre os pares. É interessante falar que embora a mentalidade rebanhista seja mais fortemente associada com movimentos de esquerda por o defenderem abertamente (leia-se "coletivo"), essa mentalidade também esta presente no seu oposto, capitalismo, individualismo, liberalismo, etc... Para a teoria de Keuhnelt-Leddihn são todos farinha do mesmo saco e eu tentarei resumir o por quê.

Com os avanços mercantis no final da idade média, começaram a surgir aglomerações cada vez maiores de pessoas, nos guetos, feudos, etc. Não é novidade que essa aglomeração gerou problemas, de desigualdade econômica, social, pestes e outros tantos conflitos. As promessas de riquezas nas cidades eram grandes, mas o custo moral era maior. No entanto, essa mentalidade rebanhista, que inclui sentimentos cosmopolitas, de se sentir parte de um todo material maior, que busca conforto na vida terrena sempre foi mais atraente, por isso as pessoas continuam caindo em seus encantos. Em fases posteriores, com um estratificação cada vez maior das sociedades os conflitos aumentaram e se tornaram mais violentos, culminando na revolução francesa e no surgimento da esquerda, que não só é uma representação extrema do sentimento rebanhista, como o aceita e o expande a níveis assustadores. O coletivo se sobrepõe ao indivíduo, com isso há uma perda total de identidade individual, nacional e toda forma de agressão passa a ser justificada, em ultima instância gerando formas totalitárias de governo como o nazismo e o comunismo stalinista, duas formas que ainda não haviam sido derrotadas quando esse livro foi escrito. O problema é que as formas de pensamento que surgem como uma reação a isso não são menos rebanhistas, o liberalismo econômico deu asas para formas de pensamento egoístas, que em ultima instância apenas reforçam o isolamento social e todas as suas formas de desigualdade, que destroem o homem a um nível moral, ao contrário do que pensa uma Ayn Rand da vida.

Nessa forma de pensamento, Kuehnelt-Leddihn antecede a teoria de que as ideologias se organizam numa espécie de ferradura, onde os extremos não são tão diferentes assim. Para o filósofo austríaco a resposta encontra-se num outro pólo, não é um meio termo entre os dois e sim algo localizado em outra dimensão de pensamento: o sentimento romântico. Esse sentimento é caracterizado pelo que ele cunha de personalismo, uma forma de identificação do indivíduo consigo mesmo, pela sua habilidade de relacionar-se com o mundo exterior, absorvendo para si o que mais lhe importa. Ao contrário do individualismo, para o personalismo, o homem não é "original", mas uma amálgama de tudo o que ele absorve ao longo da vida. A teoria girardiana do "Interdividual" se aproxima muito dessa noção de personalismo, assim como muitos aspectos do pensamento modernista de T.S. Eliot, por exemplo. Outro aspecto é a rejeição às grandes cidades, a paixão pelo campo, o louvor ao trabalho, a natureza compassiva que leva a doação, sem coerção. A rejeição ao capitalismo é presente, mas em prol de uma economia de comunhão e não qualquer forma de socialismo, que só trabalha através da violência. A igualdade, a seguridade, o nacionalismo é o internacionalismo, a homogeneidade das massas, a ordem horizontal e o sentimento de finitude dão espaço para a liberdade, a diversidade, o livre arbítrio, o supranacionalismo, a aptidão técnica, ao federalismo, a ordem vertical, a hierarquia, a responsabilidade pessoal e ao sentimento de imortalidade.

Não é difícil achar em sua tese uma defesa de valores cristãos, e isso não é a toa, ele era um católico fervoroso e é aí que se esconde o perigo. Kuehnelt-Leddihn se dizia de extrema direita, em um pedaço de seu livro faz uma análise psicanalítica terrível da homossexualidade, utilizando o termo "vício" para falar do assunto e em partes soa "transcendental" demais, mas é preciso compreender. Como austríaco, é óbvia sua ligação com formas de pensamentos mais reacionárias, vale lembrar que a Áustria é, talvez, o país mais conservador da Europa. Esse livro foi escrito antes do final da segundo Guerra Mundial e ao contrário do que muita gente (séria, inclusive!) pensa, não se pode analisar o pensamento de alguém fora de sua época. Eu adoraria falar que esse livro é perfeito, mas não é, no entanto, seus ensinamentos transcendem os poucos detalhes que estão atrelados a época de sua escrita.

Além disso, o livro ainda apresenta uma serie de contextualizados, reforçando a tese principal. Verdadeiras aulas de História estão presentes em suas páginas e tudo muito bem referenciado, para mostrar que ele não tira tudo que fala do rabo dele.

Finalizando, "The Menace of the Herd" é um livro extremamente importante. Já o era em sua época, mas sua importância apenas aumentou com o passar dos anos e apesar dos aspectos pertinentes a época em que foi escrito, seu valor continua incomensurável para entender os movimentos sociais, políticos e econômicos que assolam o nosso planeta desde tempos quase imemoráveis.

4 pontos e meio