quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Dica teórica: “Anarquia, Estado e Utopia” de Robert Nozick (1974)

14931552089_ddae599df5_z

Esse é um o livro libertário mais sensato que já li e por isso está virando dica aqui no blog. Embora não tenha lido tantos livros assim, conheço a opinião dos grandes pensadores libertários e sei que a sensatez não está entre suas qualidades mais fortes. Porém, Nozick é diferente.

Elaborado como uma resposta ao “A Theory of Justice” do John Rawls, em que Rawl estabelece princípios para a defesa do “Estado de Bem-Estar Social” e as amplas garantias do governo através de programas que são muito familiares a nós, brasileiros. Nozick, contrariando Rawls desenvolve nesse livro argumentos contra tal estado, partindo de pressupostos liberais e anarquistas individualistas para comprovar que apenas um Estado Mínimo é moralmente legítimo e que esse Estado deve garantir apenas a segurança contra roubos, fraudes e o uso da força (e embaixo desse guarda-chuva entram diversas questões que não estão inicialmente ligadas pelo senso-comum ao que querem dizer, como por exemplo, se ninguém pode usar a força sobre você, ninguém pode dizer o que você deve fazer ou deixar de fazer, ficando assim proibido qualquer tipo de proibição – difícil, mas até que faz sentido, se você parar pra pensar bem -). Justificando na primeira parte do livro o que leva a população até o Estado Mínimo, explicando a seguir o que faz com que o Estado Mínimo deixe de ser um Estado Mínimo e passa a ser ilegítimo, Nozick termina o livro apresentando sua versão de uma Utopia Libertária, tentando mantê-la interessante o suficiente para que todos sejam tentados a segui-la.

O fato de Nozick ter uma estima muita maior do que muitos intelectuais libertários dentro da Academia parece comprovar que ele alcançou o seu objetivo com esse livro.

Um dos motivos para sua estima dentro da Academia é que Nozick restaura detalhes importantes da teoria de John Locke presentes, principalmente, em seu “Segundo Tratado sobre o Governo Civil”, em que Locke elabora sua teoria do direito natural, do contrato social e limites do governo, estabelecendo assim as bases para o pensamento liberal. Com essa restauração, Nozick elabora ideias acerca da organização da sociedade, nadando contra a corrente anarquista e admitindo a legitimidade do governo.

Nozick diz que, naturalmente, as pessoas se organizam numa sociedade que funciona como o que ele chama de “Micro-Estado”, um estágio anterior ao Estado Mínimo. A diferença se encontra na estrutura, já que a estrutura de um “Micro-Estado” é menor e não é tão rígida quanto as estruturas de um “Estado Mínimo”, que já contém um nível de formalidade maior, com regras escritas e afins, as quais servem para proteger seus cidadãos de roubos, fraudes e o uso de força.

Qualquer uso de força! Isso por si só já invalida a ideia de Rawls de justiça social, já que o próprio pagamento de impostos por parte de todos para a criação de programas de governo que favoreçam apenas alguns já é um exemplo de utilização de força, afinal se eu não pagar impostos sou preso, concorde eu ou não com isso.

Os argumentos libertários são bem conhecidos, mas a abordagem de Nozick é o seu grande diferencial. Logo no começo do livro, ele alerta para a utilização de princípios que são enquadrados em círculos de pensamento conhecidos como anarquistas, libertários, individualistas e liberais. Essas ideias podem não ser bem recebidas, mas ele alerta o leitor para a existência dessas premissas e que ele, Nozick, assume como muito verdadeiras. Portanto, antes de criticar (ou melhor, antes mesmo de prosseguir no livro, já que isso se encontra na introdução) tenha em mente o ponto de partida de Nozick.

Muito do que Nozick apresenta são argumentos amplamente combatidos, principalmente nos dias de hoje, como irreais e “elitistas”, mas Nozick inicia sua argumentação com estruturas muito básicas de organização social e vai expandindo seus argumentos daí. Em parte alguma ele tenta aplicar suas premissas no mundo atual e é por isso que sua argumentação acaba se tornando tão consistente.

Após derrubar o mito anarquista da ilegitimidade do Estado, Nozick combate as ideias progressistas de “Bem-Estar Social”, expondo toda a sua ilegitimidade, para então, em poucas páginas, expor sua ideia de “Utopia Libertária”, uma forma de governo em que todas as associações poderiam ser feitas espontaneamente, com abertura para as mais diversas formas de pensamento.

Na utopia de Nozick há a possibilidade de um estado comunista estar junto de um estado conservador, desde que certos princípios sejam mantidos.

Além de toda a teoria política apresentada, Nozick constrói argumentos que acabam tocando em temas diversos como economia, direitos humanos, direitos dos animais, ecologia, ataques ao utilitarismo e ética, conseguindo abrir o escopo da questão para objetos que raramente são alcançados pelas teorias libertárias, notadamente focadas na economia, o que explica a resistência que essas teorias sofrem.

De qualquer forma, o campo das ideias libertárias é novo e um livro como esse, prova que há muito campo para os libertários preencherem. Leitura obrigatória!

5 pontos