quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Dica cinematográfica: "Não Vai Ter Golpe" (2019)

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Após aquele desastroso filme divulgado no Brasil pela Netflix, o MBL se mobilizou e lançaram, no melhor momento possível, a história de seu movimento e muito do que acabou se tornando a direita brasileira.

Antes, vale um adendo sobre o Democracia em Vertigem: não, eu não assisti ao filme. Sei que deveria, mas não assisti pelo simples motivo de que eu sei que ele está recheado de mentiras e nem preciso assistir a ele para saber disso. Nunca antes na história desse país se falou tanto de política, soa absurdo que no país do futebol as pessoas não saibam quem são os atacantes da seleção, mas saibam em quem votaram pra deputado nas últimas eleições e quem é o chefe do congresso, programas de fofoca dedicam o mesmo tempo que o Jornal Nacional pra falar de Brasília, assim como já disse Josias Teófilo, a democracia não está em vertigem, a democracia está em ascese e eu insisto nessa tecla, vivemos o momento mais democrático do nosso país.

Voltando ao Não Vai Ter Golpe!, o filme também é meio enganoso, pois ele não é propriamente a história do impeachment e de como isso levou à atual situação do país, portanto não acredito que seja um filme-resposta ao de Petra. Muito pelo contrário, o filme do MBL termina quase onde o filme dela começa, ou seja, no impeachment.

Pois o filme do MBL é um filme do MBL, ou melhor, da história do MBL e isso ele faz de maneira maravilhosamente bem. A começar contando a história dos irmãos Alexandre e Renan Santos, entre diversos problemas e contratempos, os meninos do MBL já tinham apanhado bastante quando resolveram se envolver com política, quase que de maneira acidental, fazendo a campanha publicitária de um político em 2014.

Isso já mostra as raízes memísticas do MBL e parece claro que hoje em dia falaríamos de política mais com memes do que com seriedade (e não há nada mais brasileiro do que isso, convenhamos). Acompanhamos a entrada de figuras carimbadas como Kim Kataguiri, e outras, no mínimo, curiosas, como Pedro Deyroth e até mesmo Gabriel Calamari.

Seguindo a sua formação, acompanhamos sua trajetória de protestos que reuniram o maior número de pessoas nas ruas desde o Diretas Já!, sempre contando com a ajuda de outros movimentos como o Vem Pra Rua; até culminar na trajetória pra Brasília, que eu só lembro disso muito vagamente e o acampamento na frente do Congresso Nacional, que eu lembro de acompanhar isso com certa incredulidade.

Na época eu nem me importava tanto com política e acompanhava bem de longe, mas lembro que achava aquilo um absurdo, enquanto meu pai dizia que era necessário. Acho que nenhum de nós dois sabíamos de fato o que estava acontecendo.

O filme é claro em mostrar a relação íntima que o MBL teve com os políticos já naquela época, justificando inclusive as atitudes desastrosas que seus membros andam cometendo atualmente.

Mas lá para o meio do filme aparece o Pondé, numa cena muito bem trabalhada esteticamente, onde mostra apenas a sua silhueta contra uma janela onde entra um brilho branco. A fumaça de cigarro ao seu redor dá a impressão de se tratar de um filósofo do calibre de Chesterton, Oakshott ou, no mínimo, um Scruton e ele diz uma palavra muito propícia para este filme: mito.

Não Vai Ter Golpe! é um filme com a clara intenção de criar um mito em torno do MBL e se sai muito bem nessa missão. Das origens humildes ao envolvimento acidental com a política até projetos falhos, como a marcha pra Brasília e atitudes que pouco chamaram a atenção dos brasileiros, como o acampamento na frente do Congresso Nacional. Tudo é retratado de maneira épica no filme, mas de uma maneira despojada, sem melodrama. É um épico moldado no e para o século 21.

A sensação ao final do filme é de rejuvenescimento. Eu senti aquele antigo amigo liberalzinho ressurgir dentro de mim e me fez tirar a camiseta empoeirada do Mamãe Falei do armário pra usar naquele mesmo dia. E eu a vesti com orgulho, mesmo que o meu lado racional soubesse das falhas cometidas.

Os ares épicos do filme não correspondem com a realidade dos fatos. O MBL só foi ganhar toda essa importância mesmo em 2016, quando foi o grande responsável pelos maiores protestos que esse Brasil já viu. Ele termina com o impeachment, como se fosse uma grande vitória, mas não foi. É sempre necessário lembrar que até hoje a Dilma tem seus privilégios políticos, até hoje ela anda de carro às custas dos brasileiros, com uma aposentadoria vitalícia vinda de impostos. Houve golpe sim!

E após isso o que foi do MBL?

Tirando alguns poucos exemplos locais como o surgimento do Arthur Mamãe Falei e o Gabriel Monteiro, o movimento acabou, ou pelo menos sua relevância. Fernando Holiday ainda se sustentou bem quando entrou oficialmente para a ALESP, mas o movimento em si cai cada vez mais em descrédito e nem é pelas críticas ousadas e necessárias ao Bolsonaro e sua dinastia, mas sim às próprias rupturas que criou, como as escabrosas defesas ao imposto, que é roubo e isso nem sequer é discutível.

Ainda assim o documentário é incrível, pois captura com emoção um momento marcante da história do Brasil, dando ares mitológicos a, talvez, o movimento de rua mais importante da história da Terra de Santa Cruz, ainda que isso seja hoje apenas peça de museu.