terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Dica teórica: "Liberty or Equality: the Challenge of Our Times" de Erik von Kuehnelt-Leddihn (1952)

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Mais um livro deste excelente autor austríaco que já foi indicado aqui no blog com o estupendo Menace of the Herd, o qual já recomendei, mas reforço a recomendação.

Se em Menace of the Herd, Kuehnelt-Leddihn nos alertava sobre os malefícios de um regime da maioria e como isso pode dar errado, aqui ele aprofunda esse debate partindo da elaboração da ideia de igualdade, a qual ele prova ser incompatível com a liberdade individual. Não leva muitas páginas logo no começo do livro para ele esclarecer o seu ponto: a igualdade não deve ser confundida com equidade, um conceito que origina-se dentro do cristianismo e tem uma dimensão jurídica.

Equidade é igualdade de oportunidades, direitos e a adaptação das leis vigentes de forma a tornar a sociedade mais justa, não excluindo as qualidades intrínsecas de cada um, que pode ou não colocá-lo na frente de outro. Já igualdade é uma padronização do que seria justo para toda a sociedade, mas não é necessário pensar muito no quanto isso é problemático. Se por um lado, beneficiaremos um lado para se tornar igual ao outro, por outro temos que podar um lado para que ele se uniformize ao meio, minando assim a liberdade de diversas pessoas.

O ideal de igualdade, popularizado com a Revolução Francesa, se tornou o bastião da democracia. A partir do século 19 a função da democracia passou a ser espalhar igualdade a todos os seus cidadãos, contrariando, como bem fundamenta Kuehnelt-Leddihn, os ideais democráticos antigos, já plantados na Grécia Antiga e que motivaram a criação da constituição americana, que nunca foi democrática, mas aristocrática.

E aí o autor passa a problematizar as instituição democráticas, mostrando não só como elas são incompatíveis com a liberdade, como também são frágeis. Já que a democracia se sustenta sobre a lei da maioria e a maioria nunca é excepcional, mas ordinária, seus líderes só podem ser ordinários. Essa ordinariedade favorece um esvaziamento do conteúdo dessas posições de lideranças, se tornando vazias, cada vez mais suscetíveis a um carisma, que acaba por criar formas de governo autoritárias, cedendo ao populismo e caindo no totalitarismo. Kuehnelt-Leddihn então nos mostra que os regimes totalitários do século 20, encabeçados pela trindade malévola (nazismo, fascismo e comunismo) não são regimes excepcionais, mas consequências lógicas de uma democracia.

No entanto, isso é só o começo do livro. Ainda temos muitas páginas pela frente, onde ele discorre então sobre a possibilidade da liberdade florescer num Estado. Ao contrário da posição libertária que diz que nenhuma liberdade é possível dentro de um Estado, Kuehnelt-Leddihn mostra através de uma extensa lista de referências como a monarquia não apenas é compatível com o ideal de liberdade, como ela, de fato, favoreceu esse ideal na sua longa história junto da espécie humana.

Como é apontado nesse livro, a monarquia já existia antes do nascimento de Cristo e poderia ser encontrada de diferentes formas ao redor do mundo. Hoje temos na cabeça uma ideia de monarquia absolutista e hereditária quando pensamos no termo, tomadas pela democracia e colocadas num lugar puramente simbólico. Mas esquecemos que existiam (e de fato ainda existem) monarquias eletivas e constitucionais.

Historicamente o ideal de liberdade encontrou solo mais frutuoso em democracias. Os exemplos de abusos de poder são numerosos, mas se encontram numa escala de tempo muito maior do que a escala de tempo em que a democracia foi tomada como forma de governo ideal. E ainda que descrições da vida sob um monarca sejam consideradas abusivas para nossos padrões, muitas vezes o que nos surpreende estava perfeitamente previsto dentro da constituição de seus países. Então a discussão se torna bem menos uma questão de exemplos, mas uma questão de seguir uma linha lógica de raciocínio.

E é na estrutura dessa linha lógica que o autor se esforça e consegue montar. Tomando como exemplo a forma mais comum de monarquia (hereditária e constitucionalista), o que se conclui é a formação de uma família real que, ao se preparar para exercer o poder, obtém um conhecimento muito superior ao conhecimento médio sobre o povo que irá governar. Esse conhecimento é jurídico, geográfico, histórico e sociológico, mas com amplas possibilidades de se estender para outros ramos como economia, pintura, música, literatura, educação, saúde, entre tantos outros.

Sendo assim, um líder numa monarquia é muito mais preparado para ser líder, conhecendo assim profundamente sua área de atuação, inclusive sua limitação de poder. Isso favorece o conhecimento de uma maneira geral, pois quanto mais inteligente, mais ele poderá usar da lógica e do debate para chegar às suas conclusões. Tendo ele o seu lugar garantido, seu regime também favorece a proliferação de ideias divergentes às suas, pois ele não tem que se preocupar com o término de mandato e a construção de uma narrativa que o favorece perante os eleitores. Seu papel já está definido até os seus últimos dias. Não há a necessidade de uma homogeneização de pensamento (para se alcançar a maioria), mas uma convergência de pensamento para um bem comum.

Essa linha lógica não precisa, mas encontra exemplos históricos na longa lista de monarquias que antecederam a criação de nações-estado e sua divisão geográfica.

A explicação de Kuehnelt-Leddihn é muito maior e rico, sendo exposta aqui uma ínfima recapitulação do que mais me chamou a atenção em seu livro, até porque nos capítulos seguintes a essa elaboração da monarquia como regime aliado às liberdades individuais, recebemos uma senhora lição de sociologia com um detalhamento da natureza dos países católicos (ao mostrar que a religião é uma característica mais determinante na natureza dos povos), não apenas mais aliados às liberdades individuais, como também anárquicos, personalistas, imperativos, caridosos, independentes e intensos. A definição da natureza dos países católicos é contraditória, mas também o é a teologia católica, que, apesar de totalitária na estrutura, é liberal no trato.

E aqui podemos voltar ao conceito de equidade.

Assim o autor consegue diferenciar a natureza desses países com os países mais ao norte da Europa, que são protestantes. A partir daí ele traça uma linha que começa em John Huss, passa por Lutero, Calvino, definindo a natureza mais sentimental, rígida e secular dos países protestantes, culminando na criação das ideias que viriam a influenciar o pensamentos de nacionalistas ligados a partidos socialista na Checoslováquia.

Os líderes desses partidos iriam brigar entre si, dissolver e recriar os partidos um milhão de vezes até que o nazismo fosse criado na Alemanha. Kuehnelt-Leddihn passaria facilmente por um teórico da conspiração ao criar tantas ligações, mas é importante salientar que uma coisa não implica necessariamente na outra, por que afinal muitas implicações estão em jogo. No entanto, é importante salientar o cuidado que devemos ter com cada detalhe que falamos, pois ele pode gerar consequências desastrosas. A separação entre Igreja e Estado já se encontra na Bíblia, mas a distância foi não apenas reforçada, como solidificada pela reforma e isso deu uma abertura muito maior para ideias anti-clericais ou que buscavam uma mudança no comportamento de líderes religiosos. E é uma mudança no comportamento desses líderes que o nazismo queria com a criação do cristianismo positivo.

Como todo bom livro de contrastes de ideias políticas, Kuehnelt-Leddihn não deixa de criar a sua própria utopia, baseando-se nas repúblicas que ele via darem certo (ou o mais próximo disso) no seu tempo, que eram os Estados Unidos e a Suíça. Sua utopia é uma monarquia constitucionalista hereditária, sim, mas é também aliada a um forte federalismo, sem partidos políticos e com ingressantes na vida política participando de um treinamento de pelo menos dois anos.

O livro é genial e eu gostaria que ele estivesse vivo hoje, pois seria interessante ele ver as diferentes evoluções que os regimes totalitários sofreram, com a criação de agências de controle internacional, a dissolução de grandes ideologias e narrativas, mas principalmente, o exemplo de sucesso em países tão distintos como Botswana e Nova Zelândia.

Esse clássico pode ser baixado de graça aqui.