O The Intercept do Verdevaldo é financiado pelo dono do Ebay. Qual o interesse do dono do Ebay ter um veículo de jornalismo aqui no Brasil?
A resposta é simples. Se a gente olhar para os livros de história, pegar, por exemplo a Renascença, a gente sabia quais eram as principais famílias que estavam influenciando o jogo político. Tinham lá os Medici e todo mundo identificava, a gente fala disso nos nossos livros de história e era uma base localizada, menor evidentemente, de acordo com a capacidade de comunicação da época. Tudo tranquilo! Todo mundo sabia que aqui os Medici iam influenciar, ali seriam os Borgia e essas famílias estavam no jogo e eram levadas em consideração quando qualquer analista político tentava entender o que ia se passar, por exemplo, em Florença.
Depois houveram uma série de mudanças, a base do poder e a sua organização se transforma, mas a gente tem no Brasil, que é um país patrimonialista, que tem seus oligarcas tradicionais, também famílias claramente identificáveis que sempre influenciaram o jogo.
Qual foi a grande mudança?
A gente passa, sobretudo na virada do século 20, a gente passa por uma transformação das comunicações e das tecnologias, que permitem um alcance maior, ou seja, a esfera de ação de um indivíduo comum é expandida de modo magnífico! Sobretudo se o cara tem muito dinheiro e muita capacidade de financiamento.
E isso leva então a situação em que certas famílias e certos grupos têm a capacidade de influenciar (como influenciam em qualquer lugar) através de grupos de pressão, do controle da discussão e do debate público e chegamos à base que se chama globalismo.
Mas pra explicar de modo mais didático, o globalismo é, de fato, uma forma de imperialismo. Só que é um imperialismo que tem aspirações totalizantes, ele quer englobar o mundo todo.
John Lennon, mundo sem nações, sem fronteiras é globalismo puro.
E tem isso mesmo, ao menos uma tentativa, com avanços nessa direção. Temos que lembrar que o fato de algo ser impossível não quer dizer que pessoas não irão tentar realizá-lo. Se pensarmos, por exemplo, no comunismo, que é comprovadamente impossível. O Mises, da Escola Austríaca, mostrou que o problema no socialismo é que o cálculo econômico necessário para identificar a alocação de recursos tornam o comunismo impossível, mas isso não significa que, em nome do comunismo, as pessoas possam buscar o poder, exercer o poder e uma certa sedução sobre as massas.
Com o globalismo não é diferente.
O globalismo na sua base tem, digamos, objetivos muito nobres. Paz de um lado e prosperidade de outro. Paz & Prosperidade. Vai-se acabar com as guerras, que eles acusam falsamente de serem culpa dos nacionalistas; nunca foram, sempre foi culpa de projetos de poder globalistas ou imperialistas (se formos usar a linguagem tradicional), sempre é um cara como Hitler, querendo expandir o seu território e dominar outros países e seus povos.
O fato que temos é o seguinte: há uma tentativa, um esforço, de mudar a base de poder de uma base territorial, onde você tem um território claramente delimitado, uma população contida dentro daquele território, tendo voz e participação por meio dos seus representantes (ainda que de modo imperfeito) para uma base funcionalista, ou seja, você deixa de ter essa base territorial e agora não é mais o Brasil e os brasileiros que decidem como certos problemas serão resolvidos. Você tem funções, por exemplo você vai criando agências, fundações e instituições que cuidam de certos problemas, e.g. uma agência que cuida apenas de saúde, outra do clima, OMC.
[caption id="attachment_5430" align="alignright" width="169"] David Mitrany[/caption]
E essa mudança de uma base territorial do poder para uma base funcionalista do poder foi inclusive teorizada por teóricos mainstream das Relações Internacionais, e.g. o David Mitrany, que o grande mentor do processo de integração da União Europeia, que fala justamente isso, pouco a pouco a gente vai tirando com a ideia de que um país, uma população não pode resolver sozinho os seus problemas, porque esses problemas se espalham através das fronteiras e precisamos de agências e organizações supranacionais que possam atacar esses problemas.
E qual o problema que isso vai criando?
Você começa a fazer isso como uma suposta solução e aí você vai criando agências e organizações que são formados por um corpo burocrático permanente, o qual tem uma agenda, uma ideologia e objetivos políticos, mas que não são eleitos, não tem nenhuma transparência. A maioria das pessoas jamais poderá saber quem toma as decisões na Unesco, na OMC, na Organização Mundial da Saúde, na própria União Europeia.
[caption id="attachment_5432" align="alignleft" width="250"] Alexander Wendt[/caption]
Quando pensamos, e.g. na ideia de chegar a um todo que direcione as diretrizes políticas temos a figura do Alexander Wendt dizendo claramente que ele propõe que se crie um governo mundial. Alexander Wendt é um dos 3 maiores nomes das Relações Internacionais atualmente. Aí você pega todos os analistas, os comentaristas, professores e acadêmicos dizendo "Olha aí a teoria da conspiração!", mas está lá nos professores, acadêmicos e pesquisadores que eles próprios usam como base. E muitas das vezes eles seguem nessa direção sem se dar conta, porque há uma promessa de Paz & Prosperidade, tirando o poder da base territorial, transferir para uma base funcionalistas e os problemas serão resolvidos tecnicamente.
Temos esse problema no Brasil, domesticamente, com a proliferação de agências que tomam decisões, supostamente, com base técnica e não com base política (e que não são, portanto, passíveis de um controle da população) e temos isso numa escala supranacional, se pegarmos os países que estão atentos a esse problema. O Reino Unido, por exemplo, fez um estudo pra levantar qual era a origem da maioria das propostas parlamentares que passavam pelo Parlamento Britânico, tradicional, poderoso e imponente. Mas eles descobriram que 70% dessas propostas tinham início fora do Reino Unido. Não eram pensadas por britânicos, por organizações e universidades britânicas, mas sim por grandes think tanks e organizações internacionais, que colocavam aquilo ali e o sujeito simplesmente pautava.
Outro exemplo é quando pensamos na Base Nacional Comum Curricular. No momento em que isso começou a ser discutido aqui no Brasil, tínhamos o Common Core sendo discutida nos EUA, um currículo único, imposto de cima para baixo e todo mundo tem que seguir aquele mesmo currículo. E o mesmo sendo discutido na Itália, na França, no Reino Unido, etc...
Será que todo mundo teve a mesma ideia ao mesmo tempo ou será que a gente tem realmente agências e agentes capazes de influenciar as pessoas a seguir certas diretrizes.
[caption id="attachment_5435" align="alignright" width="232"] Julian Huxley[/caption]
Um exercício que fica é ler tudo o que o Aldous Huxley escreveu, mas atentar-se a uma coisa que costuma não aparecer na biografia dele é o que o irmão dele, Julian Huxley, foi o fundador da Unesco, pensando cultura, educação e tudo mais. Muito que o A. Huxley denuncia nos livros dele, as distopias, era justamente lendo os documentos, os manifestos e o trabalho que o irmão dele fazia. Ele mesmo tem comentários dizendo isso.
Então fica muito claro que lá atrás, em 1946, quando a Unesco foi fundada, o Huxley já enxergava que isso nos levaria a um mundo distópico sob o nome de um tecnicismo, que controlaria todos os problemas com soluções perfeitas.
Texto retirado da poderosa e certeira fala de Filipe G. Martins no Pânico na Rádio. Recomendo assistir o programa todo.