terça-feira, 22 de setembro de 2020

Dica cinematográfica: "O Beijo no Asfalto" (1980)

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Vi esse filme no instagram do Pedro Sette-Câmara e fiquei curioso na obra, baseada numa peça de Nelson Rodrigues e supostamente girardiana. De Girard eu entendo e decidi ver qual é a desse filme.

O Beijo no Asfalto conta a história de Arandir, um rapaz recém-casado, trabalhador honesto e boa pinta que vê um acidente de trânsito, onde um rapaz é morto. Apenas mais um dia na cidade grande, não fosse pelo fato de que Arandir se aproximou do rapaz moribundo e o beija na boca. Nada mais estranho, não fosse pelo fato de que a cena foi presenciada pelo sogro de Arandir, que correu para a casa da filha a fim de saber se ela não notara nada estranho com o marido recentemente.

Paralelo a esse rio de estranhezas, temos um chefe de polícia que havia se envolvido num escândalo e estava correndo o risco de ver sua carreira escorrer pelo ralo e um repórter que, sabendo do acidente, decide unir forças ao policial para fazer fama solucionando um caso bizarro.

Pelo fato de ser uma obra rodrigueana e ter sido feito nos anos 80, o filme não tem nenhuma das discussões chatas que hoje geraria com relação a relacionamento homossexuais e violência policial. Ao contrário, a história nos é apresentada da maneira mais crua possível e não poderia ser melhor.

O filme é cru, frio e nada polemista, apesar do tema que trata. Tudo é apresentado com naturalidade e nós, espectadores do século 21, acostumados a ter as opiniões regurgitadas para nós a fim de uma digestão rápida, ficamos estarrecidos.

Aos poucos, a superfície normalizada a qual somos apresentados, vai se diluindo e seu momento mais marcante é quando pai e filha caçula discutem sobre uma suposta relação incestuosa que existia entre o pai e a filha mais velha. A discussão é tratada com zombaria, mas os espectadores ficam com uma pulga atrás da orelha, exceto os girardianos, que vêem isso com um sorriso no rosto, mas sabem que nas boas obras nada é entregue de bandeja assim.

O buraco é mais profundo e a cena final, de conflito, contrastes e revelações é um escândalo, mas é excelente e, neste filme, é lindamente filmada, de forma a nos apresentar um retorno ao início da obra. Deu a lógica, mas é a lógica girardiana.

Vale muito a pena conferir esse filme, que é um diamante oculto, na minha opinião. Mais uma dessas obras antigas em que se faziam filmes corajosos que nada deixavam a desejar ao cinema exterior e que, infelizmente, se perdeu no meio de trágicos investimentos públicos a comédias pastelões.

Ainda bem que existe a internet pra nos presentear com essas obras.