terça-feira, 29 de setembro de 2020

Dica cinematográfica: "One Child Nation" (2019)

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Já que a China se tornou a líder mundial esse ano, porque não falarmos sobre ela aqui no blog? Afinal, nos próximos anos a influência chinesa se tornará cada vez maior e é bom nos prepararmos para o que vem aí.


Jialing Zhang é uma chinesa que emigrou para os EUA a fim de seguir uma carreira dentro da indústria cinematográfica da terra de Trump e lá ela teve seu primeiro filho. Ao visitar seus pais para lhes apresentar o neto, Zhang começou a lembrar da época em que era criança, nos anos 80, época em que a China implantou sua política de 1 filho. Ao revisitar as memórias, a diretora começa a descobrir fatos que nunca tinha se atentado e decide elaborar esse documentário sobre o tema.


A obra começa bem intimista, nos mostrando a vida de Zhang quando criança num vilarejo do interior do país, nos apresentando a forma como a política foi apresentada para os seus conterrâneos, através de uma ampla campanha propagandística que contava não apenas com os característicos outdoores e panfletos, mas também com músicas, programas na TV, no rádio e em anos recentes até na internet (os quais pertencem todos ao governo chinês). Ainda com todo esse bombardeamento de informação, a vida seguiu mais ou menos normalmente até a chegada do segundo filho de Zhang e aí as coisas começam a ficar sombrias.


A família da diretora começou a sofrer um certo ostracismo, eram vistos com maus olhos, até mesmo as outras crianças eram incentivadas a reagir com estranhamento com aquela notícia. E aí surge a pergunta: como a mentalidade de um país, que até então encarava como algo comum os casais terem vários filhos, pode mudar tão rápido e de maneira tão drástica?


A resposta é simples, mas é de difícil compreensão. O governo chinês é tão massivo, o alcance das mãos do Estado é tão imenso que eles conseguem controlar a forma como as pessoas pensam. Afinal, desde a revolução chinesa, que levou um monte de submissos a Mao a liderarem uma revolta armada e sangrenta contra o tradicional governo do país, a China se tornou uma nação de pessoas submissas ao poder de uma casta que tem garantias jurídicas de governar sobre todos. Em suma, a propaganda e o controle estatal fizeram essa mudança.


Mas isso é muito abstrato e o problema é ainda mais grave. Quando oferecem a mãe da diretora fazer um procedimento médico de infertilidade a diretora passa a investigar até onde essa influência do governo. Famílias inteiras eram ordenadas a se castrarem para que não tivessem mais filhos, afinal só há uma forma de uma lei ser imposta, é através da força e se a lei diz que você só pode ter um filho que outra forma de fazê-la valer? Castrando os casais que já tem um filho ou forçando mães a abortarem seus bebês nasciturros.


No entanto, num país com mais de 1 bilhão de pessoas, não há como realizar isso. O filme mais uma vez nos mostra a ineficiência inerte ao Estado, ainda que essa não seja a sua intenção. É impossível do Estado, mesmo o Estado mais autoritário, como o chinês, de controlar toda a sua população e o que vemos a seguir é algo ainda mais aterrador: num país com mais de 1 bilhão de pessoas, com um Estado esmagador e uma população sem virtudes, é óbvio que haverá a criação de um mercado negro.


Foi a partir dos anos 80 que programas de adoção internacional se voltaram para a China, afinal, casais não podiam ter mais que 1 filho, então eles eram deixados para adoção. Nada de errado, é até uma atitude muito bonita, mas o problema que o documentário nos mostra é que, muitas vezes, isso era feito sem a consessão dos pais. Bebês sumiam das casas, eram levados embora para nunca mais serem vistos por "fiscais", os quais oficialmente nunca foram ligados ao governo e eram vendidos a orfanatos que então negociavam com agências de adoção internacional.


O resultado é uma bagunça e um tratamento desumano de revoltar. Mães viam seus filhos irem embora para nunca mais voltar, "fiscais" recebiam dinheiro por levar bebês até orfanatos, às vezes cumprindo até uma certa cota semanal de bebês, gêmeos eram separados e enviados para famílias diferentes ao redor do mundo.


É uma crueldade sem tamanho, mas é apenas no final que chegamos ao momento mais desolador do filme. Quando a diretora do documentário já tinha descoberto tudo isso e decidiu apresentar os fatos para diversas pessoas da sua vila, pessoas que inclusive perderam seus filhos, encontra uma reação branda, um dar de ombros resignado e aceptivo para com as barbáries cometidas contra eles mesmos. E aí vem a observação que deveria ter encerrado a obra: "quando toda decisão é tomada por outra pessoa que não você a vida toda, fica difícil se sentir responsável pelo que acontece".


E essa é a realidade do povo chinês hoje. Não importa quantos crimes contra a humanidade a China cometa, seu povo não se sente responsável por isso, porque, de fato, eles não o são. São apenas peças dentro de um joguinho onde apenas Xi Jinping e seus parceiros de casta podem participar. Ninguém na China anda com as próprias pernas, levanta a cabeça sem que o governo diga para levantar, fala ou respira sem que lhe dêem permissão. É um povo submisso e vítima de qualquer tipo de barbaridade. 


Nem a mente mais maléfica poderia pensar numa realidade tão distópica, mas o mundo tratou de realizar isso para nós e nós devemos aprender e caminhar sozinhos.


A realidade brasileira não está muito distante. Infelizmente, a mentalidade popular é também submissa, abandonada ao relento, acreditamos que as pessoas ao nosso redor não conseguem caminhar sozinhos e precisam de um apoio, mas um apoio estatal é um apoio que não vai embora, é um apoio que só cresce e isso aos poucos vai nos desumanizando.


É preciso reagir.