terça-feira, 11 de setembro de 2018

Dica literária: “Os Noivos” de Alessandro Manzoni (1827)

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Em anos recentes pude perceber em primeira mão que literatura é, realmente, uma porta para mundos desconhecidos ao me surpreender com o conhecimento de história, geografia, política e outras tantas áreas do conhecimento humano que pude obter graças aos livros. Em discussões com colegas um pouco mais exigentes, sempre acabo me lembrando de algum livro que li, que sirva de exemplo para ilustrar um argumento ou mesmo que apresente um argumento a ser defendido. E este livro é um ótimo exemplo da influência que livros podem exercer no seu conhecimento de mundo.

“Os Noivos” conta a história de (dã!) dois noivos, Renzo e Lucia, que estão prontos para se casar, mas o padre que ia celebrar a cerimônia do sacramento é ameaçado por um homem muito influente na região da vila onde esses personagens moram. Dom Rodrigo almeja conquistar a pobre Lucia e decide mandar dois de seus empregados, mercenários e homens de má índole, ameaçarem a vida do padre. Dessa forma se inicia a epopeia desses dois jovens noivos, que envolve viagens, outros personagens, tanto mais santos quanto mais assustadores, revoluções e até mesmo a Peste Negra.

A história do livro se situa entre 1628 e 1632, na Lombardia, região ao norte de Itália e é contada para nós como se o autor, Manzoni, tivesse encontrado um velho relato da região e decidisse nos revelar o conteúdo desse manuscrito. Dessa forma (muito moderna, aliás, diga-se de passagem, pois esse será uma forma narrativa muito utilizada pelos modernistas), Manzoni abre a possibilidade de inserir diversos comentários na obra, seja sobre a história dos dois noivos, apresentando personagens, fazendo comentários sobre o que deveria se passar em suas mentes e aprovando ou desaprovando suas ações, seja contextualizando a obra para facilitar a nossa compreensão, apresentando fatos históricos ou tecendo comentários acerca da geografia da região.

É nesse momento que o livro abre diversas portas do conhecimento para o leitor, pois Manzoni realizou uma extensa pesquisa de campo para poder criar um ambiente que fosse o mais próximo possível das condições reais de vida na região e época retratadas no livro. Em muitos momentos, o autor nos apresenta até as fontes para que possamos consultar os dados.

Infelizmente, esse é um louro, mas é também o maior defeito da obra, pois o livro se encaixa na tradição realista de literatura e a escrita de Manzoni é burocrática, o que cansa demais o leitor. Claro que há aqueles que gostam desse estilo de literatura, se não, não existiria tantos fãs de Machado de Assis por aí (que, inclusive, era leitor assíduo de Manzoni), mas eu me canso e enjoo facilmente desse estilo de escrita, com poucos diálogos, descrições secas e nenhum espaço para simbolismo.

Apesar de lenta, a leitura é agradável, pois Manzoni criou personagens extremamente carismáticas, a pobre Lucia é um anjo e seria digna de um Technicolor, como bem comentou Pasolini. A epopeia instiga e te faz ler mais, nem que seja apenas um pouco por dia.

A edição que tenho é a editora Nova Alexandria, belíssima, capa dura e com ilustrações no início de todos os capítulos. Essa edição, além de traduzir o texto completo, ainda contém a enfadonha “História da Coluna Infame”, uma adição necessária, já que é um complemente direto para “Os Noivos”, porém é uma das coisas mais chatas que já li, um relato sobre injustiças cometidas quando a Peste Negra ainda assolava a Europa, cheio de termos jurídicos e extensas notas de rodapé a outros autores que comentaram os mesmos fatos.

Enfim, ao final, é uma história muito boa, engraçada em diversos momentos, instigante (como já disse) e que sobrevive ao tempo e às tendências literárias da época em que foi escrita.

4 pontos