terça-feira, 18 de setembro de 2018

Dossiê “House of Leaves”

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Reli essa obra magnífica, que já foi dica há dois anos atrás, numa semana apenas, porque a obra é simplesmente sensacional e dessa vez pude ler sem tantas confusões mentais. Após mais uma leitura e mais descobertas, merece um dossiê.

A capa: a capa desse livro já é um indicativo do que você irá encontrar. Além da arte que nos apresenta um labirinto em linhas pretas num fundo preto, uma lateral com várias fotos polaroid de casas grandes do interior dos Estados Unidos e a contra capa com apenas uma foto que logo descobrimos ter sido tirado do “Navidson Record”, ela tem uma peculiaridade que sempre me chamou muito a atenção. A capa é menor do que o livro. O formato dela até segue o padrão de livros maiores, mas a diferença é que o miolo do livro é muito maior do que o padrão e a sacada genial já começa aí, afinal o livro conta a história de uma casa cujas medidas internas são maiores que as medidas externas.

O enredo: o livro conta uma história dentro de uma história dentro de outra história. Johnny Truant e seu amigo, Lude entram na casa do falecido Zampanó, vizinho de Lude, e descobrem se tratar de um imóvel peculiar. Johnny leva para casa um monte de papéis que supostamente Zampanó havia escrito e começa a montar o quebra-cabeça: Zampanó escreveu uma análise sobre um documentário, “Navidson Record”.

The Navidson Record: o ponto alto da obra e o que mais chama a atenção. É aqui que tudo de fato acontece. Navidson é um renomado fotógrafo que se muda para uma casa no interior a fim de reatar laços com sua família. Após a descoberta de que as dimensões internas de sua casa são maiores que as externas, inicia-se nele uma paranoica busca pelo oculto naquela casa, que o leva a perder muitas coisas, seu irmão, sua mulher, filhos e partes de seu corpo, enfim... a casa acaba com a vida de Navidson, mas é nesse tenebroso final que o livro revela o seu ponto forte: ser uma história de amor, dentro do horror.

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Mark Z. Danielewski: o criador dessa obra fenomenal lançou o livro na internet, fragmentado, antes de lançar o livro. “House of Leaves” é considerado uma obra seminal dentro dos “romances de hypertexto”, um termo usado para esses livros que usam uma linguagem próxima a da internet para contar as suas histórias. No caso, as conexões que Danielewski faz são um exemplo de hiperlinguagem, mas não apenas isso, a própria estrutura da página, fragmentada, modelando a organização de palavras e letras para que possa representar o que está acontecendo são exemplos únicos dentro do “gênero”. Desconheço outro autor que faça isso. Danielewski, em sua obra mais recente, “The Familiar”, expandiu isso, criando livro que, dizem, tem mais de 600 páginas, mas poderiam ter 300 não fossem essas invenções estilísticas.

Romance de Hypertexto: não sei nem se o termo existe em português, mas estou traduzindo aqui. É um termo que não chega a descrever um gênero, mas serve como um guarda-chuva para abarcar esses livros que apresentam uma narrativa não linear e dão uma escolha ao leitor para seguir o caminho que quiser na leitura. Pense nos contos narrados por diversos autores através de meios distintos como cartas ou relatos nos contos de Borges ou ainda a análise de um único poema que constitui toda a história de “Fogo Pálido”. O leitor não é obrigado a seguir de forma linear o texto, mas a pular páginas, seguir para as notas, se concentrar nas “margens” do texto para poder montar uma coerência narrativa. Os exemplos que dei são antigos e considerados como precursores do “gênero”, que ganhou forma e força a partir do advento da internet, o que possibilitou a autores extrapolares o espaço convencional do texto, além de ferramentas que facilitam esses experimentalismos.

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Borges: uma influência clara de Danielewski na hora de fazer a obra foram os labirintos metafóricos, linguísticos e literais de Jorge Luís Borges. O autor não é citado diretamente, mas toda a construção que leva ao labirinto dentro da casa lembra os contos do autor argentino. A presença do Minotauro, que aí é muito mais metafórico do que literal, só reforça essa ideia.

Derrida: o filósofo francês responsável por cunhar o desconstrutivismo faz uma breve aparição no livro, quando a mulher de Navidson resolve fazer um apanhado de entrevistas com pessoas que viram o documentário. O desconstrutivismo, explicado de maneira bem rasa, é simplesmente a ideia de abandonar pré-conceitos acerca de uma ideia, indo a sua raiz para que se possa criar uma opinião robusta sobre o que se está discutindo ou pesquisando, nem que para isso você tenha que buscar apoio no completo oposto daquela ideia. Muito mal utilizado por muita gente ao longo do século 20, é bem utilizado aqui, nos saltos que os personagens do livro dão. Eles vivenciam diferentes experiências na busca por uma clarificação do que estão vivendo e, ao final, é a desconstrução da linguagem que acaba nos dando a “moral” final da obra.

Essas são apenas mais algumas anotações, complementares à minha dica sobre esse livro, alguns pontos que servem como guia de leitura para quem for se aventurar nessa obra magnífica.