terça-feira, 30 de outubro de 2018

Dica cinematográfica: “Giovanna D’Arco al rogo” (1954)

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Esse é um filme que queria assistir a bastante tempo e, quando finalmente assisti, que agradável surpresa tive! Um filmaço!!!

Dirigido pelo excelente Roberto Rossellini, “Giovanna D’Arco al rogo” é mais um dos filmes religiosos que o diretor fez e, como o título já diz, conta a história da santa guerreira da França. Este filme se propõe a ser mais uma cinebiografia, mas acho que pelo fato do gênero não ser ainda tão bem desenvolvido como o é hoje, conta com várias liberdades criativas, como iniciar o filme com Joana já morta, mas acompanhando toda a trajetória de sua vida.

Apesar do elemento fantástico, o filme se encaixa nos preceitos neorealistas de Rossellini, pois para o diretor, o neorrealismo deveria acompanhar um personagem do começo ao fim, sem descanso e nós acompanhamos não apenas a trajetória de Joana, mas as suas próprias reações a trajetória que assiste.

E assim assistimos a um filme montado como uma peça de teatro, onde num primeiro plano ocorre a ação principal e num segundo plano, Joana acompanha a peça, sendo ela mesma a peça principal. Acompanhamos então a criação do mito de Joana D’Arc, não sua história propriamente dita.

Rossellini já inicia o filme com o mito e então nos mostra a genealogia desse mito, a construção dele e os processos que ele foi passando. Para quem estuda mitologia, o filme é um prato cheio que daria uma boa análise. Eu, que estou escrevendo isso antes de jantar, vou poupá-los disso e deixar a análise mais profunda para um dossiê futuro.

Como já disse, o filme tem uma montagem teatral em toda a sua projeção, mais ou menos como “Percival, o gaulês”, então podemos esperar cores vivas, uma câmera fixa acompanhando toda a ação e momentos quase metalinguísticos. A beleza desse filme é inigualável, ainda mais levando-se em conta o momento de sua produção e é um exemplo perfeito da genialidade de Rossellini e o meu favorito dele, até agora.

5 pontos

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Dica literária: “Frost: Poems” (2012)

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Mais uma dica de poesia para contribuir para minha meta de começar a ler poesia pra valer nesse ano e, dessa vez, um dos melhores poetas estadunidenses de todos.

Robert Frost foi um poeta que viveu de 1874 a 1963 (ano em que meu pai nasceu), recebeu 4 prêmios Pulitzer e se tornou uma das maiores vozes da poesia modernista americana e é considerado, por alguns, como o poeta que melhor soube lidar com as dicotomias exploradas pelo movimento modernista americano.

Frost passou a vida toda morando em regiões interioranas dos EUA e isso é muito marcado em sua poesia. Há diversos poemas retratando momentos breves e singelos, típicos da vida do interior e, mais do que isso, da vida no campo, como colher frutas, plantar sementes de flores ou uma caminhada após a missa.

Além dos poemas mais curtos, Frost, como todo bom modernista, elaborou diversos poemas longos, “epiquezando” o ordinário, as atividades comuns e cotidianas. Outros poemas elaboram uma narrativa única, cheia de diálogos entre personagens, mas com poucas descrições, sendo claramente bons exemplos do imagismo. Algo que talvez nem tenha sido intencionado por Frost.

Como leitor ignorante de poesia, ainda me perco muito nos poemas maiores, mas alguns dos poemas menores de Frost realmente me tocaram, como “My November Guest”, em que o início do inverno marca a chegada também das tristezas, algo que poderia ser analisado como um sintoma de “depressão sazonal”. Ou ainda “Wind and Wind-Flower”, em que o poeta transforma dois amantes em elementos da natureza e o relacionamento deles não poderia ser mais diferente e mais harmônico do que isso.

Essa dicotomia entre o romântico e o realista, o velho e o novo, o campo e a cidade está presente em toda a poesia de Robert Frost, mas não é um encontro entre dois rivais miméticos, como o é na poesia de Pound. É mais um encontro entre duplos que se reconhecem como tal, cada um impulsionando o outro para frente.

É um poeta único, de fato e muito bom naquilo que fez. Por sorte recebe hoje um tratamento de primeira. A edição que li de seus poemas é a editada pela “Everyman’s Library”, que publica ótimos livros de poesia num formato de luxo de bolso. No volume de Frost, reuniram 3 de seus livros numa belíssima edição pocket.

Vale muito a pena conferir.

5 pontos

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Dica cinematográfica: “Unforgiven” (1992)

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Mais um filme fantástico que pude aproveitar esses dias. Após muita procura, encontrei diversas listas de filmes na internet que me fizeram entrar em contato com muitas obras cinematográficas que eu ainda não conhecia, mas que já sabia que ia valer a pena. Algumas foram decepcionantes, mas, por enquanto, a maioria têm sido uma ótima surpresa.

Este filme dirigido e estrelado pelo mestre Clint Eastwood, uma instituição cultural vivente, conta a história de um fora-da-lei aposentado e falido, mas que é chamado para um último serviço por um garoto muitos anos mais novo que ele, mas com um ego maior que o mundo. A missão é matar dois cretinos que se cortaram uma prostituta numa cidade pequena e não receberam o devido castigo pelo xerife canalha da cidade. Em meio a tanta podridão, o resultado não poderia ser diferente de muito derramamento de sangue.

Feito em 1992, é claro que o filme tinha que ser uma desconstrução de todo o gênero western e quem melhor para desconstruir o gênero que um dos pilares do gênero? Clint Eastwood interpreta a si mesmo, mas faz uma releitura imaginando o futuro de seus heróis do Velho Oeste num período em que as mitologias já não eram mais tão fáceis de serem criadas. Aqui conhecemos a lenda já depois de ter sido lenda. O personagem de Clint Eastwood, Bill Munny, é uma lenda do Velho Oeste, conhecido por ter matado gente demais, mas se encontra numa situação deplorável, sem mulher, cuidando de porcos, enquanto tenta conseguir dinheiro pra sustentar os seus dois filhos, sem nem conseguir montar num cavalo direito.

Quando ele recebe a proposta de trabalho, a resposta é óbvia, embora tenha o seu devido grau de dramaticidade pra segurar o espectador. Todo o resto do filme acompanha essa desconstrução do gênero, que o próprio Clint Eastwood ajudou a catapultar com seus clássicos ao lado de Sergio Leone e que já havia se desgastado nos anos 90.

As mortes são sangrentas, sem charme e tão rápidas que quase não dá pra sentir, mas é pelo fato de não sentirmos que acabamos sentindo-as. Ao vermos o corpo de um dos personagens principais expostos na frente de um salão, ficamos assustados, pois sequer vimos ele ter sido morto, mas sua exposição crua perturba.

Os personagens dúbios pecam, mas ao mesmo tempo sabem disso e aceitam seu destino cruel, embora com relutância, pois estão sempre lutando para sobreviver, afinal são seres vivos. Essa frieza ao tratar de temas que foram tão romantizados é pesada e feita de um jeito, nesse filme, que espanta de verdade.

No entanto, Bill Munny é imbatível. Apesar de decadente, tanto quanto o cenário que o cerca, ele permanece impassível, como uma ilha num mar de podridão e o que antes era uma desconstrução, só serve para reforçar o gênero e a lenda de Bill Munny.

Vale muito a pena!

Fora isso, temos uma produção impecável. Não é à toa que é um dos melhores filmes do Clint Eastwood e eu ouso dizer que o melhor que ele já dirigiu. A cidade foi criada especialmente para o filme e com um nível de realidade que forçou a recriação dos mínimos detalhes. Os efeitos especiais são todos práticos, reforçando o realismo e a crueza pela qual os acontecimentos são exibidos. Do ponto de vista técnico, é um filme imperdoável, pois não há nada a ser perdoado.

No final, é um filme imperdível.

5 pontos

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Dica literária: “Shakespeare: Teatro da Inveja” (2010)

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Mais um livro do Girard, o primeiro escrito pelo homem que li (completei) e valeu muito a pena.

Em “Shakespeare: Teatro da Inveja”, Girard toma uma posição ousada e promove uma revolução na análise literária ao enquadrar toda a carreira de Shakespeare sob a sua teoria mimética. Focando cada capítulo em um detalhe de alguma peça, algumas peças ocupando mais capítulos do que outras, Girard apresenta todos os pontos necessários de sua teoria mimética, mas com exemplos de Shakespeare e um de James Joyce, retirado do capítulo de “Ulysses” em que Bloom faz uma palestra sobre Shakespeare.

Com uma argumentação clara e concisa, Girard explora todos os temas fundamentais de sua teoria, desde o desejo mimética, a relação triangular que formamos, a rivalidade mimética, a escalada da violência, a crise e, finalmente o sacrifício e o bode expiatório.

Inicialmente planejado para ser uma análise cronológica, Girard percebeu que tal abordagem seria desvantajosa considerando sua teoria, então decidiu se concentrar nas obras, o que foi uma excelente escolha. Ele apresenta as obras fora de ordem, mas ao mesmo tempo apresenta sua teoria da forma mais clara possível, com clássicos exemplos das comédias, tragédias e até sonetos de Shakespeare para ilustrar sua teoria revolucionária.

O livro é um ótimo ponto de partida. Sei disso, pois já tentei ler “Coisas Ocultas desde a Fundação do Mundo”, mas não consegui prosseguir após umas 100 páginas. A linguagem usada é a mais simples possível. O gênero usado é o de um texto argumentativo, mas também uma espécie de diálogo com o leitor, onde Girard apresenta seus pontos, mas nunca deixa de incluir o leitor no mundo, colocando-nos a todo momento dentro da argumentação para que possamos pensar sobre o que nos foi apresenta e poder, através de nossas próprias meditações, chegar aos mesmos resultados.

A obra foi elaborada nos anos em que Girard estava na John Hopkins University e funciona como uma contra-parte do pensamento filosófico francês do qual ele poderia ter se enquadrado, mas (ainda bem) não foi. Girard joga Shakespeare dentro da enorme narrativa que é a do Desejo Mimético e, não satisfeito, faz da própria vida do dramaturgo um participante ativo e consciente dessa grande narrativa, algo não apenas longe do padrão do pensamento filosófico francês de seus contemporâneos (Derrida, Foucault, Baudrillard e outros), mas longe de toda a estrutura de pensamento atual, que rejeita grandes narrativas numa tentativa funesta de “validar” a tudo, mas que acaba por desvalorizar tudo.

Tão cedo como começa, o livro termina num fôlego final que não cessa, deixando para o leitor a conclusão e é dessa forma que encerro também essa dica.

5 pontos

terça-feira, 16 de outubro de 2018

Dica cinematográfica: “The Soviet Story” (2008)

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É difícil recomendar documentários, porque é difícil eu achar documentários bons. Felizmente encontrei esse aqui.

“The Soviet Story” é um filme de 2008 que visa contar exatamente o que o título diz, a história da União Soviética. O filme começa com a formação da União Soviética em 1922 e logo em seguida com a escalada de Stalin ao poder. A partir daí o filme retrata os horrores instaurados na Rússia, a coletivização da agricultura, os Gulags, o Grande Expurgo, o genocídio do Holodomor, o massacre de Katyn e sua ligação com o partido nazista.

O documentário é mais uma forma de revelação dos podres ocultos da União Soviética, que muitas vezes passam despercebidos pelas grandes narrativas nas quais a URSS passou, como a vitória sobre os nazistas, sua batalha ideológica com os EUA durante a Guerra Fria, a influência sobre a Ásia e a queda do muro de Berlin, enfim... tantos acontecimentos que acabamos esquecendo do que estava por baixo dos panos.

E esse documentário serve para isso, para lembrar alguns, para apresentar a outros e uma pequena parcela pode optar por se ofender e taxar o conteúdo como “propagandista” ou algo do tipo. Não vou esconder que o filme tem um forte teor ideológico, notável pela quantidade de passagens sentimentais, com entrevistas com pessoas que viveram na época e uma atenção grande à suas lágrimas, mas é assim com qualquer documentário sobre crimes de guerra.

A produção foi muito bem feita, com várias e extensas entrevistas, uma pesquisa vasta de acervos com fotos e documentos escritos comprovando o que está sendo afirmado pelos produtores, além de uma qualidade artística muito boa.

Enfim, um documentário necessário, assim como muitos outros.

4 pontos e meio

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

O herói africano

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Durante uma aula de literatura, a professora lança a seguinte frase (reproduzida aqui livremente e não literalmente, mas mantendo o sentido): “Meu problema com Pantera Negra é que no final há um herói que salva todo mundo. Não acho que as culturas africanas têm um herói. Isso é uma invenção americana, os africanos resolvem tudo no nível da comunidade”.

Ela não poderia estar mais errada.

Obviamente não me levantei na sala para expor alguns fatos que iriam derrubar essa frase, mas fiquei pensando nisso e tenho que compartilhar isso, afinal, por menor que seja o alcance de meus posts, eles alcançam algumas pessoas e esclarecer alguns pontos acerca da mitologia africana e o nosso conceito de herói, sempre será útil, não importa o alcance.

Comecemos pela própria terminologia da palavra “herói”. Etimologicamente, origina-se do termo grego hrvV, que mais tarde foi para o latim na forma de heros. No entanto, algumas fontes (não muito confiáveis, diga-se de passagem) indicam que um egiptólogo do século 19, Gerald Massey, afirmou que a palavra “herói” vêm do termo egípcio “Ma Haru”, que significa “O Típico Guerreiro” ou “Verdadeiro Herói”1. Provavelmente uma mentira descarada, mas, por experiência própria, sei que a verdade pouco importa no meio acadêmico, o importante é a crítica social.

Uma página de wiki sobre mitologia montou uma espécie de guia para os diferentes seres mitológicos africanos. Na seção “Rules and Heroes” é dito que muitos heróis foram transformados em divindades menores, como Shango, o deus das tempestades dos Yoruba, que pode ter sido um rei guerreiro2. Ou ainda o exemplo do primeiro rei Zulu, que provavelmente foi filho do deus do sol. E não é essa a mesma narrativa de Baco, o deus do vinho da mitologia grega ou Hércules, o filho de Zeus?

Mas além dessas similaridades, temos que buscar informações sobre o conceito de herói, que pode variar de contexto para contexto. Resumidamente, podemos afirmar que o herói é aquele que se sacrifica, tanto literalmente quanto figurativamente, para o bem de uma comunidade e a partir daí é reconhecido como um herói3. O próprio Michaellis reconhece o herói como “alguém conhecido por seus feitos”4. Nós vemos que esses feitos são obtidos através de desafios que o herói passa e ao final ficamos sabendo do que é importante para aquela determinada cultura a qual o herói pertence, como bem explicado por Levi-Strauss em sua Teoria de Oposição Binária5.

É por isso que os heróis geralmente nascem de grandes narrativas, o que nós chamamos de epopeia ou narrativa épica nada mais é do que histórias de (super)heróis e seus feitos6. Se há um herói africano, há um épico africano?7

É lógico que sim e não apenas um!

O primeiro deles e mais famoso é o épico de Mwindo, um exemplo fantástico da tradição oral africana, transcrito 4 vezes desde que chamou a atenção de ocidentais nos anos 508 conta a história de Mwindo, filho de Shemwindo, que tinha 7 esposas e após receber um presságio de que seu filho iria derrubá-lo do trono (já notou a similaridade com um certo mito grego?9), então decretou que todas as suas mulheres deveriam ter filhas. No entanto, sua sétima esposa Nyamwindo, que também era sua favorita, teve um filho. Shemwindo então tenta assassinar o bebê, que devido às suas habilidades sobre-humanas consegue sobreviver, até que é jogado num rio e vai parar na casa de seus tios. Após isso, Mwindo lidera seus tios para a vila de seu pai, mas seus tios destroem tudo e matam todos as pessoas do vilarejo. Mwindo então entra numa jornada pelo mundo dos mortos, a fim de fazer as pazes com seu pai, mas antes enfrenta Muisa, o governante do mundo dos mortos. Quando Mwindo salva seu pai, os dois fazem as pazes e passam a reinar juntos sobre a vila, que Mwindo reconstruiu. Após isso, Mwindo mata um dragão e é castigado pelo deus do trovão. Ele passa um ano de castigo e volta prometendo nunca mais matar um ser vivo, tornando-se um dos mais prósperos e pacíficos governantes. 10

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A história de Mwindo é passada de geração em geração pelo povo Nyanga11, que habita o Congo e nos revela as relações entre o povo Nyanga e o povo Pygmy. Povos distintos, mas que habitaram a mesma região, nem sempre de forma pacífica, mas no épico é celebrada de maneira positiva.

Além de Mwindo, temos ainda o épico de Sundiata12, o rei leão e fundador do Império Mali, que governou uma extensa região do oeste africano entre 1230 e 160013. Confirmado como uma figura histórica, seu personagem ganha ares mitológicos no épico de Sundiata, que segue de maneira bastante fiel a teoria do monomito14. Sundiata é destinado a ser líder do Império Mali, mas tem seu trono usurpado pela madrasta, então é exilado. Sundiata aceita essa condição, sabendo que um dia retornará e em seu exílio cria laços com diversos líderes de outras tribos vizinhas, ganhando o respeito de muitos guerreiros, que um dia viriam a ajuda-lo a ocupar o seu devido lugar no trono de Mali15.

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Sundiata foi conhecido como rei leão quando em vida e sua história realmente se parece com a do filme da Disney, embora o filme seja primariamente inspirado em Hamlet. Isso indica que nossas histórias tradicionais de mitos seguem uma estrutura de pensamento similar em toda a nossa espécie humana. O épico de Sundiata também nos conta a história de uma figura história, embora ficcionalizada. Da mesma forma é o mito de Bayajidda16, que documenta o surgimento do reino Hausa17, que compreende a atual Nigéria18.

Como dá pra se perceber, esses épicos não compreendem apenas uma pequena região africana, mas se espalham por todo o continente. Temos ainda o épico de Miqdada e Mayasa19, que relaciona a cultura Swahili com a cultura muçulmana e o épico de Lyiongo20, épico nacional da cultura Swahili, situada no leste africano21.

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Ainda no leste africano, mas fora do continente (olha só!), temos o épico nacional de Madagascar, Ibonia22, que conta a típica história de um herói real que parte numa jornada para salvar sua amada. Sua tradução já virou domínio público e pode ser conferida aqui.

Como vimos a lista é extensa e esse breve catálogo foi coletado numa pesquisa rápida, mas não apenas de épicos vivem os heróis africanos. A história de Makoma transborda testosterona, não é um épico, foi coletada no livro laranja de conto de fadas de Andrew Lang e conta a história de Makoma, que já nasceu um homem adulto, próximo ao rio Zambesi (que atravessa uma porrada de países, então é difícil saber de onde vem essa história), munido de um martelo, com o qual ele derrota desde crocodilos a gigantes23.

Além dos heróis masculinos, temos ainda a história de Thákane24, um mito sul-africano sobre uma caçadora de dragões25.

Como vimos, o conceito de herói não só encontra uma definição que abrange todos os heróis do mundo, como ainda pode ser encontrado em todos os lugares do mundo, inclusive a África. Aliás, afastar a África do ocidente, apenas porque nossa cultura parte da Europa é um erro gravíssimo. A Europa tem muito da África e vice-versa. Culturas são intercambiáveis e como tal, heróis também.

Nós nos acostumamos com um conceito americanizado de super-herói, com capa e super-poderes, mas muito da essência desse conceito é universal, como sua trajetória de aprendizado e aperfeiçoamento, seus talentos naturais e sua amizade com a vizinhança.

Fontes:

1 https://solarflareark.wordpress.com/2011/07/21/african-origins-for-hero-myths/

2 http://www.mythencyclopedia.com/A-Am/African-Mythology.html

3 https://myhero.com/elie-wiesel-concept-of-heroes

4 http://michaelis.uol.com.br/busca?id=WoVeb

5 https://lewisjoslina2media.wordpress.com/2013/10/12/narrative-theories-claude-levi-strauss-and-binary-opposites/

6 http://faculty.goucher.edu/eng211/epic_traditions_the_hero.htm

7 https://www.britannica.com/art/African-literature/The-riddle#ref1027492

8 http://www.greatbooksguide.com/Mwindo.html

9 https://mitologiagrega.net.br/edipo-e-jocasta-um-romance-proibido/

10 http://www.mythencyclopedia.com/Mi-Ni/Mwindo.html

11 https://www.encyclopedia.com/history/encyclopedias-almanacs-transcripts-and-maps/mwindo

12 http://editoramelhoramentos.com.br/v2/titulos/sundjata-o-principe-leao/

13 https://www.sahistory.org.za/article/empire-mali-1230-1600

14 https://migreseunegocio.com.br/jornada-do-heroi/

15 https://orias.berkeley.edu/sundiata

16 https://www.naija.ng/624747-exclusive-hausa-history-daura-kusugu-well-bayajidda-myth-photos.html#624747

17 http://dierklange.com/pdf/recent_articles/2012_BAYAJIDDA_MAY_31_Deckblatt_2.pdf

18 https://www.britannica.com/place/Hausa-states

19 http://africanpoems.net/epic/the-story-of-miqdad-and-mayasa/

20 http://africanpoems.net/epic/the-legend-of-liyongo/

21 https://aulazen.com/historia/a-cultura-e-civilizacao-swahili/

22 http://www.oapen.org/search?identifier=646721

23 http://mythfolklore.blogspot.com/2014/06/africa-makoma.html

24 https://www.mythpodcast.com/4317/53-african-folklore-crocodile-tears/

25 https://www.rejectedprincesses.com/princesses/thakane

terça-feira, 9 de outubro de 2018

Dica literária: “Absalom, Absalom!” (1936)

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Mais uma obra de Faulkner e mais um livro difícil. Capenguei pra ler esse aqui.

“Absalom, Absalom!” é um livro escrito por William Faulkner (um dos favoritos aqui do blog) em 1936 e conta a história de Thomas Sutpen, uma das figuras lendárias da cidade fictícia de Jefferson, no condado de Yoknapathawpha, Mississipi. Conhecemos Sutpen do momento em que ele chega em Jefferson, sem nenhuma possa significativa, compra 100 milhas quadradas de terra, povoa ela com escravos negros obtidos de algum país africano, constrói uma enorme casa e casa com a filha de um mercador da cidade, dando o pontapé no seu plano de iniciar uma dinastia. O problema é que Sutpen é uma pessoa com um passado e ele já teve um filho com uma estrangeira, parte negra, que vira amigo de seu filho “legítimo”, Henry Sutpen, voltando para assombrá-lo, motivado por vingança.

O problema é que essa história inteira é contado do ponto de vista de pessoas externas à história de Sutpen quase meio século após a morte dele. Essa sinopse que eu dei é trapaça, não é assim que ela é apresentada ao leitor, mas foi a única forma que eu encontrei de conta-la, motivada por uma resenha do livro que eu tive que assistir pra me ajudar a ler. Além da resenha, acabei indo até o SparkNotes ao fim de cada capítulo, porque o livro é realmente complicado de acompanhar.

Mas assim como “O Som e a Fúria”, você tem que se deixar levar pela história, tem que se deixar afundar no universo que Faulkner criou para a sua história, você irá pegar apenas fragmentos, mas esses fragmentos são capazes de formar um todo mais ou menos coerente e nem sempre será necessária uma ajuda externa.

Além da narrativa fragmentada, temos ainda um texto expansivo, cheio de adjetivos em cima de adjetivos, com longas descrições e ponderações sobre a história de Sutpen (porque estamos lendo relatos, então há comentários sobre a história dentro da história). Imenso não é um adjetivo que serve pra descrever o que acontece aqui. Uma das passagens no livro é conhecida como a maior sentença em obra literária da língua inglesa, com mais de 1000 palavras!

Vou confessar, esse formato do texto me cansa e pela primeira vez em muito tempo tive que voltar a minha antiga técnica de leitura que é me forçar a ler 5 folhas (ou 10 páginas) por dia, porque ao final de cada folha eu já estava com a vista cansada de tantas palavras numa formatação justificada, com itálicos que entravam no meio do relato e você tem que pensar quem é que está pensando ou o que de fato está acontecendo pro estilo mudar de uma hora pra outra.

Como disse o mesmo resenhista que eu já mencionei, esse livro é o “romance gótico sulista pra acabar com todos os romances góticos sulistas”. Não concordo, porque não li tantos romances góticos sulistas assim, mas realmente, é uma obra gótica sulista essencial. Há todos os elementos do gótico, perfeitamente adaptados na realidade sulista dos EUA, finalizando ainda de uma forma niilista que é de estranhar no Faulkner pós-“Luz em Agosto”, embora isso seja de fácil justificação considerando que é meio que uma prequela a “O Som e a Fúria”.

Essa obra é mais uma daquelas que eu tenho que reler e vou reler ainda um dia, porque tem muitas coisas dentro dela, muitos detalhes, personagens, acontecimentos, enfim... é expansiva. Imensa!

5 pontos

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Dica cinematográfica: “Summer Days with Coo” (2007)

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Esse filme tem mais de 10 anos e eu nunca havia ouvido falar dele até entrar em contato com uma lista de filmes animados do Japão muito bons no Mubi. Foi uma agradavelmente fantástica surpresa!

“Summer Days with Coo” conta a história de um kappa, que após ver seu pai ser morto, ficou preso na terra após um terremoto. Muitos séculos após sua morte, ele é descoberto por Kouichi na forma de um fóssil. Interessado, o menino lava o fóssil e aos poucos o kappa vai acordando. Logo, ele ganha um apelido, Coo e passa a questionar sua situação naquele mundo que é muito diferente do mundo que ele conhecia.

O filme segue uma estrutura típica de um coming-of-age, mas com a figura exótica de um kappa. Tem os diálogos existencialistas, momentos engraçados e uma narrativa que avança e cresce até tomar rumos inesperados, mas finalizando com um final, ao mesmo tempo, feliz e melancólico.

É o tipo de filme que eu gosto, mas que eu entendo quem não gosta.

E este filme sofreu críticas muito rígidas na época de seu lançamento, mas devemos lembrar que era outra época. Talvez o mundo não estivesse pronto para esse filme.

O que importa é que “Summer Days with Coo” é um ótimo filme, muito bom mesmo. Sua narrativa é simples, porém expansiva. O filme tem quase 2 horas de duração e acompanhamos diferentes experiências da vida de Coo, ao mesmo tempo que sua própria família cresce com ele. O desenvolvimento dos personagens é cadenciado e estimulante, não há nenhum momento se torna chato ou enfadonho, exceto o conflito final, que cresce demasiadamente, mas também tem sua função na história, afinal é o momento de maior crise.

Além das características narrativas, o filme ainda entrega uma ótima produção, com imagens muito belas. Dá pra ver que os produtores trabalharam com um alto orçamento.

Unindo imagens belíssimas, trilha sonora decente, uma história fantástica e  personagens mais que carismáticos, “Summer Days with Coo” é uma incrível animação que lança uma perspectiva diferente sobre o gênero coming-of-age, oferecendo novos caminhos para futuras produções.

5 pontos

terça-feira, 2 de outubro de 2018

Dica gourmet: pão Pullman Artesano

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Há alguns meses ganhei uma torradeira. Usada, já quebrada e com outros defeitos menores, não vale uma dica. E por tempos capenguei para encontrar um pão que fosse ideal para a produção de torradas, mas finalmente o encontrei e ele vale uma dica.

Torradas são obras de arte. Não é fácil de se fazer, se passar muito do ponto, ficam duras, secas e sem graça. Se não ficar no ponto, não esquenta o suficiente para se passar a margarina nelas (nunca manteiga!). A maior culpa disso é do pão que utilizamos. A maioria dos pães encontrados por aí são finos demais para serem utilizados na produção de torradas.

Um dos meus segredos são os pães da minha vó. Ela faz pães caseiros e a massa dos pães dela são mais resistentes, fofas e úmidas que as massas de pães de mercado. No entanto, ela mora em outra cidade e nem faz mais pão com tanta frequência, dessa forma, tive que caçar algum novo tipo de pão e meu irmão me apresentou o objeto desta atual dica.

O pão Pulman Artesano é um modelo especial de pão que surgiu nessa última ordem gourmet que assolou o país e se apresenta como um pão mais grosso, de massa mais úmida e com uma cobertura de farinha que dá um toque de carboidrato a mais em cima dele.

Suas fatias são maiores do que as fatias normais, mais grossas e quando ele é posto dentro da torradeira, gera torradas mais macias, ou melhor, torradas com 2 camadas, uma camada externa crocante e quente e uma camada interna, macia, igualmente quente. Essa dicotomia de sensações gera uma explosão de sabor e delícia que causa orgasmos alimentícios incapazes de afastar a mais chata crítica culinária do país. É simplesmente delicioso.

5 pontos