quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Dica literária: “Shakespeare: Teatro da Inveja” (2010)

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Mais um livro do Girard, o primeiro escrito pelo homem que li (completei) e valeu muito a pena.

Em “Shakespeare: Teatro da Inveja”, Girard toma uma posição ousada e promove uma revolução na análise literária ao enquadrar toda a carreira de Shakespeare sob a sua teoria mimética. Focando cada capítulo em um detalhe de alguma peça, algumas peças ocupando mais capítulos do que outras, Girard apresenta todos os pontos necessários de sua teoria mimética, mas com exemplos de Shakespeare e um de James Joyce, retirado do capítulo de “Ulysses” em que Bloom faz uma palestra sobre Shakespeare.

Com uma argumentação clara e concisa, Girard explora todos os temas fundamentais de sua teoria, desde o desejo mimética, a relação triangular que formamos, a rivalidade mimética, a escalada da violência, a crise e, finalmente o sacrifício e o bode expiatório.

Inicialmente planejado para ser uma análise cronológica, Girard percebeu que tal abordagem seria desvantajosa considerando sua teoria, então decidiu se concentrar nas obras, o que foi uma excelente escolha. Ele apresenta as obras fora de ordem, mas ao mesmo tempo apresenta sua teoria da forma mais clara possível, com clássicos exemplos das comédias, tragédias e até sonetos de Shakespeare para ilustrar sua teoria revolucionária.

O livro é um ótimo ponto de partida. Sei disso, pois já tentei ler “Coisas Ocultas desde a Fundação do Mundo”, mas não consegui prosseguir após umas 100 páginas. A linguagem usada é a mais simples possível. O gênero usado é o de um texto argumentativo, mas também uma espécie de diálogo com o leitor, onde Girard apresenta seus pontos, mas nunca deixa de incluir o leitor no mundo, colocando-nos a todo momento dentro da argumentação para que possamos pensar sobre o que nos foi apresenta e poder, através de nossas próprias meditações, chegar aos mesmos resultados.

A obra foi elaborada nos anos em que Girard estava na John Hopkins University e funciona como uma contra-parte do pensamento filosófico francês do qual ele poderia ter se enquadrado, mas (ainda bem) não foi. Girard joga Shakespeare dentro da enorme narrativa que é a do Desejo Mimético e, não satisfeito, faz da própria vida do dramaturgo um participante ativo e consciente dessa grande narrativa, algo não apenas longe do padrão do pensamento filosófico francês de seus contemporâneos (Derrida, Foucault, Baudrillard e outros), mas longe de toda a estrutura de pensamento atual, que rejeita grandes narrativas numa tentativa funesta de “validar” a tudo, mas que acaba por desvalorizar tudo.

Tão cedo como começa, o livro termina num fôlego final que não cessa, deixando para o leitor a conclusão e é dessa forma que encerro também essa dica.

5 pontos