terça-feira, 17 de abril de 2018

Dica televisiva: “O Mecanismo” (2018)

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Numa semana em que uma terrível notícia para o povo brasileiro e uma maravilhosa notícia para todo bandido do país assolou as manchetes dos jornais, saiu também essa série de José Padilha, o mesmo diretor de filmes controversos como “Ônibus 174” e “Tropa de Elite”, com apoio de Elena Soarez no roteiro e Marcos Padro na direção. Uma baita surpresa para mim!

A série é livremente baseada no livro “Lava Jato – O Juiz Sérgio Moro e os Bastidores da Operação que Abalou o Brasil”, tomando diversas liberdades criativas para efeito dramático, mas também modificando diversos elementos da vida real, desde os nomes dos envolvidos até as empresas e instituições federais do nosso país. Partindo daí, somos apresentados ao personagem de Marco Ruffo, um policial federal com alguns problemas mentais, que passou a vida toda investigando um doleiro, mas sempre dando com a cara no muro. Sua paranoia o leva a uma indesejada aposentadoria e por fim, sua aprendiz, Verena, continua as investigações de onde ele parou, que a leva até a criar, junto com uma pequena equipe, a Operação Lava Jato.

Primeiro os elogios, pois a série merece muitos. Ainda nos aspectos narrativos, a série merece louvores, pois se trata de um primor nesse aspecto, guiando a atenção do espectador por dois pontos de vista, para então focar no de Verena, criando diversos plot twists já nos primeiros episódios. Há uma narração em off, mas é dos próprios personagens, o que reforça sua atmosfera investigativa classuda, fazendo jus aos melhores filmes policiais que existem por aí.

Quanto aos aspectos técnicos, ela merece ainda mais louvores, pois é um excelente neo-noir gótico classudo, usando e abusando da estética que esses gêneros criaram ao longo dos anos, tanto na literatura, quanto no cinema e “O Mecanismo” mescla tudo isso muito bem. Logo no começo há umas cenas de ação que incomodam, pois Padilha segue uma certa escola de cinema de ação que não é lá muito dinâmica, mas isso é perdoável, já que a série acaba virando um tremendo jogo de intrigas do meio pro final.

E não dá pra deixar de lado as críticas que a série faz ao longo de sua projeção, desde as primeiras narrações de Ruffo, criticando a impunidade do país, até o toma lá da cá de bandidos que acontece em razão dos poderes maiores da justiça brasileira, terminando com um tremendo soco no estômago ao concluir a participação de cada um de nós nesse mecanismo da corrupção brasileira, que não tem fim.

E aqui cabe uma crítica às críticas, pois não demorou para que os esquerdalhas começassem a criticar a série como se ela fosse uma enaltecedora da “direita brasileira” e a série é bem o oposto disso, chegando ao ponto de incluir isso na narração em off do Ruffo nos dois últimos episódios. Isso é fácil de demonstrar por 3 aspectos; (1) logo no começo somos apresentados a dois membros do Ministério Público, um que está mais preocupado com seu doutorado e outro um tremendo machista que faz as coisas quando lhe dá na telha, além de termos um Sérgio Moro adaptado para a série, que é um verdadeiro bundão e vaidoso (ele só começa a trabalhar de verdade pra ajudar a operação quando seu rosto sai nos jornais); (2) essa inatividade dos agentes da lei força os policiais federais a agirem à margem da lei para alcançar os seus objetivos (Ruffo guarda documentos confidenciais em casa, ameaça um empreiteiro e infiltra um espião na sede da polícia em Curitiba), aderindo de verdade a filosofia dos “fins justificam os meios”, derrubando qualquer imagem de herói e, por fim, (3) somos apresentados, minuciosamente, a intrigas políticas, desde do governo até a oposição, todos tirando umas lasquinha de vantagem das investigações e numa interpretação leviana poderia até levar o espectador concluir que a série sustenta o argumento de que houve golpe, mas não houve.

Todos esses aspectos são resquícios de uma narrativa gótica, que se alia a uma estética noir, adaptada para o Brasil do século XXI, que enche os olhos. A cena final no Bingo é um diamante estético e as críticas que muitos estão fazendo a série são simplesmente incabíveis.

Enfim, “O Mecanismo” é a melhor série que a Netflix lançou esse ano. Uma obra corajosa, muito bem produzida e que enche os olhos de quem sabe admirar uma boa arte. Não deixe a ideologia te cegar.

4 pontos