quinta-feira, 30 de maio de 2019

Dica televisiva: Game of Thrones

 

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Finalmente chegou ao final essa que foi uma das séries mais impactantes da teledramaturgia mundial e O Sommelier de Tudo, este que vos fala, está pronto para dar o seu veredito se a série vale a pena ou não ser assistida.

Game of Thrones é baseada na obra As Crônicas de Gelo e Fogo de George Martin, um escritor inglês de livros cabeçudos de nerdisse, basicamente. Iniciando com um assassinato causado por seres misteriosos na misteriosa região norte do país, somos apresentados aos Stark, a família que controla o norte da região de Westeros. Essa família, guiada pelo patriarca Ned e contando ainda com 2 filhos homens, mais um adotado, mais um bastardo, além de 2 filhas recebe a visita dos Lannister, o qual o patriarca Robert é o rei de toda Westeros. O rei visita Ned, seu amigo de longa data, para o transformar no Mão do Rei, o cargo mais alto dentre os conselheiros da Coroa de Westeros. Relutantemente Ned aceita a missão e a partir daí vamos conhecer a rica região de Westeros com suas inúmeras casas, famílias tradicionais e intrigas, enquanto um mal misterioso caminha do Norte para assolar todo o mundo no inverno.

Winter is Coming.

A série se tornou um sucesso logo nas suas primeiras temporadas muito pelo seu cinismo. Se por um lado ela era magistral em apresentar diversos pontos de vista, dando voz, motivações genuínas, personalidade e, às vezes, episódios inteiros para personagens secundários, por outro lado, ela não tinha dó em mostrar a morte de cada um deles nos momentos mais anticlimáticos da série. O final da primeira temporada é o melhor exemplo disso e, apesar de deixar diversos ganchos para as próximas, não me surpreenderia se descobrisse que muitas pessoas abandonaram ela ali.

E esse foi um dos motivos de eu nunca ter criado muitas expectativas com a série. Criava expectativas ao longo das temporadas, mas sempre com um pé atrás para não me decepcionar no final. Outra estratégia que adotei para sobreviver a GoT foi assistir as temporadas apenas quando elas já estavam finalizadas. Consistindo de menos de 10 episódios por temporada, GoT é a série perfeita para maratonar e, dessa forma, a decepção não é tão grande. Assistindo os episódios de uma vez, você não se dá tempo de se afeiçoar com os personagens.

Dito isso, devemos comentar a última temporada, já que muitas outra temporada de GoT já foi dica por aqui e minhas opiniões gerais da série já foram esboçadas em outro momento. Distanciada da série de livros há tempos (até porque os livros ainda não foram finalizados e estão longe de serem finalizados), GoT tomou diversas liberdades e houve uma certa rendição a algumas vontades dos fãs da série. Alguns relacionamentos amorosos e momentos mais massavéio são claramente exemplos disso.

Isso chega a atrapalhar a série? De forma alguma. Não podemos nos esquecer de que, apesar da série se esforçar muito para esconder isso, os verdadeiros protagonistas de GoT são os Stark e o núcleo que se forma no Norte. Todo o resto da série é encheção de linguiça que funciona nos livros para dar corpo e ganhar um apelo comercial. As intrigas criadas por Martin pouco ou nada importam de verdade no universo da série e a mensagem final é muito mais profunda do que os fãs da série gostariam de admitir, mas a verdade é que o Norte sempre foi o mote principal da série, os Stark seus protagonistas reais e os valores que eles carregavam a sua moral.

A briga pelo trono, que se torna o principal conflito nas primeiras temporadas demonstra uma filosofia política conservadora. Apenas aqueles que se ligam a ideias transcendentais, como os Stark e, em menor medida, os Baratheon, são aqueles que conseguem manter uma liderança real e sólida, apesar dos pesares.

Os Stark, sempre lembrando que o inverno está vindo, guiam-se por uma luta muito maior e que forma a base de todas as grandes histórias do mundo, a eterna luta do bem contra o mal. No final, vemos a batalha final ser travada entre o Rei da Noite e o Senhor da Luz. É óbvio de quem é a vitória e eu ainda tenho dúvidas se os livros irão seguir o mesmo caminho, já que os livros param num momento crucial da história e o ponto de revelação dessa filosofia conservadora, que também faz parte das diretrizes da HBO (basta lembrarmos da primeira temporada de True Detective e o clássico Sopranos para criarmos uma ligação que forma um sólido pensamento), mas vamos ver... eu irei acompanhar a história dos livros de longe, já que não tenho ânimo pra ler tudo que já foi publicado.

Dito isso, o que fazer após a derradeira batalha entre a luz e a noite? O que vir depois só poderia ser um enorme epílogo de 3 episódios com mais de 1 hora cada. O resultado não é legal e força muito a barra. A loucura de Daenerys poderia ter sido explorada em uma temporada inteira e toda a destruição que ela causa poderia ter sido feita sem parecer que foi forçado demais. Personagens detestáveis receberam o fim que mereciam, mas, de novo, forçou a barra e, por fim, quiseram dar um certo ar de filme de guerra, com uma mensagem pacifista que nunca fez parte da alçada de Game of Thrones e pareceu deslocado demais. Transformar a Arya num Florya Gaishun pra justificar seu abandono às armas não foi a melhor escolha de roteiro e, de novo, pareceu forçado demais.

Após a extrema cagada que foi o 5º episódio, o 6º parece digno. Ele tenta consertar tudo que foi feito, terminando de maneira minimamente digna a história desses heróis que fizeram parte da vida de muita gente por longos anos. Ao final, GoT vale a pena ser assistido. Seu impacto no mundo da televisão ainda será sentido por muito tempo, embora com um sabor amargo  no final.

4 pontos

terça-feira, 28 de maio de 2019

Dica musical: “Performative Guilty” do Self-Defense Family (2019)

 

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A banda mais prolífica do mundo lança mais um EP. Como de praxe, apenas 4 canções, mas 4 canções que servem para embalar todos os seus fãs.

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Performative Guilty é o novo álbum do Self Defense Family que já foi dica aqui no blog em muitas outras ocasiões. Sou fã declarado da banda e faz um tempinho que ando me convencendo de que eles são muito melhores como uma banda de singles do que uma banda de álbuns. O motivo? Seus EP’s são melhores que os álbuns. Parece que a banda consegue se sobressair musicalmente quando não estão presos a uma fórmula que exige mais atenção do que 10 ou 15 minutos podem oferecer.

Nesse EP a banda prova mais uma vez isso. As quatro canções que constituem Performative Guilty contam histórias de pessoas que lidam com algum tipo de culpa. Pela brevidade que o pós-punk adota é impossível conhecermos a fundo esses personagens, mas conseguimos ter pequenas visões de seus sentimentos. Arrependimentos e questionamentos morais fazem parte do seu inconsciente (ou talvez seja consciente?), provocando momentos de introspecção ao longo do álbum.

Alie isso a uma sonoridade rápida e feroz, mas com lapsos de experimentalismo que é marca do Self Defense Family desde sua formação e você tem um álbum sui generis, que desafia os ouvidos, mas faz a cabeça mexer de maneira ritmada ao som de guitarras distorcidas e bateria e baixo marcantes.

Infelizmente, como toda banda boa em criar singles, a segunda metade do EP não é tão boa quanto a primeira. A energia se esvai e o ritmo punk perde força, dando espaço para uma sonoridade mais letárgica, que tenta se encaixar a letras mais reflexivas. O resultado não convence e o álbum acaba deixando a desejar.

No entanto, essa também é marca da banda mais prolífica do momento. O Self Defense Family nunca quis criar músicas que durassem eternamente e é por isso que produzem tanto. São músicas para breves momentos e por breves momentos elas devem existir.

4 pontos

quinta-feira, 23 de maio de 2019

Dica cinematográfica: “Homem-Aranha no Aranhaverso” (2018)

Este é o melhor filme do amigão da vizinhança, excetuando o Homem-Aranha 2 com o Tobey Maguire.

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Contando a história de Miles Morales, o filme apresenta o desenrolar de sua história como novo Homem-Aranha após ele ser picado por uma aranha radioativa e presenciar a morte do Homem-Aranha de seu universo, quando este enfrentava o Rei do Crime. Na batalha, que ocorreu após a ativação de uma máquina que iria trazer a falecida esposa e filho do Rei do Crime de outro universo, buracos espaço-temporais são abertos e jogam no universo de Miles diversas formas do Homem-Aranha de outros universos.

O filme é recheado de referências a uma caralhada de revistas muito boas do amigão da vizinhança, entre elas o Porco-Aranha e o Homem-Aranha Noir. Sozinho, o Miles já renderia um filme muito bom, mas a inserção de outros homem-aranhas, em especial o Homem-Aranha que o ajuda durante todo o filme (identidade secreta: Peter B. Parker) só melhoram a obra, trazendo leveza e profundida com suas participações excepcionais. Peter B. Parker é o melhor exemplo pois sem ele, o filme seria apenas mais uma aventura, não muito interessante de se acompanhar. Sua trajetória como herói é o cerne que dá o tom sério ao filme, transformando-o em mais do que uma simples animação para crianças e adolescentes.

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O bom humor do filme não parece solto, como na maioria dos filmes Marvel e se encaixa feito uma luva na obra. Timing é tudo!

Mas vamos a análise mimética da obra:

Como já sabemos a teoria mimética diz que somos todos miméticos e nada é mais emblemático disso nesse filme do que a cena em que Peter B. Parker tenta convencer Miles de se tornar um herói digno. Nesta cena, Peter diz que ele e os outros aranhas estão partindo para a missão derradeira, onde todos voltaram para seus respectivos mundos, menos ele (Parker), que irá se sacrificar pelos outros, ficando naquela Terra, correndo o risco de simplesmente se desintegrar, mas salvar o dia.

Miles continua relutante e no final da cena vemos que todos os aranhas estão ouvindo a conversa, esperando que Miles tome coragem e vire o Homem-Aranha daquele universo. O que acontece é o contrário e Miles não se motiva com Peter e assiste pela janela de seu quarto todos os Aranhas irem embora.

Essa é uma estratégia mimética simples, o que convencionou-se chamar de psicologia reversa. Tentamos mostrar que estamos desinteressados em um objeto para que o outro se interesse nele, despertando nele e em nós uma motivação ainda maior para conquistar esse objeto.

Algumas vezes funciona, em outras não.

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No caso de Miles não iria adiantar, pois ele e Peter não eram rivais de fato. Seu rival era o seu pai e é ele o principal motivador de Miles para se tornar o Homem-Aranha.

Sendo uma história de aventura simples, é fácil encontrar os resquícios da natureza mimética que temos nesse filme. Além de Miles, Peter B. Parker é claro que sofre os maiores efeitos disso. Mesmo morto, Peter Parker é seu rival e o motiva a mudar em seu universo.

Mas temos que mencionar também as qualidades técnicas desse filme. Movido a um hip-hop genérico, as músicas são sua parte mais medíocre, no entanto, a animação é excelente e eu gostaria que mais filmes fossem assim. Muito estilosa, num 3D bem cartunesco, mas que mescla elementos dos quadrinhos americanos em sua animação, o filme é uma verdadeira obra de arte.

Destaque para o Rei do Crime que saiu diretamente das mãos do Bill Zienkiewicz, o melhor desenhista da Marvel, para as telonas nessa obra sensacional.

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De tirar o fôlego, emocionante, inteligente e com bom humor, Homem-Aranha no Aranhaverso é uma obra fenomenal de quadrinhos, que nos faz agradecer a Sony por ainda ter os direitos do herói. Do contrário, seria apenas mais um caça-níquel safado que segue a famosa (e já batida) fórmula Marvel.

4 pontos e meio

terça-feira, 21 de maio de 2019

Lendo O Senhor dos Anéis pt.1

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Esse ano me comprometi a ler mais livros de ficção e menos não-ficção. Para cumprir tal meta resolvi ler algo que estou devendo há muito tempo: O Senhor dos Anéis!

Comprei uma edição gringa que contém todos os 3 volumes e uma caralhada de extras, portanto resolvi criar um novo hábito de leitura. A cada livro, eu paro a leitura e vou ler outro livro de ficção mais fino. Dessa forma achei melhor montar esse guia de leitura com 4 dicas do que ter que fazer uma só. Do contrário, acabaria deixando escapar agum detalhe interessante.

Se são 3 livros, então por que 4 dicas? Porque eu comprei uma edição mutio foda de O Senhor dos Anéis, a edição de luxo lançada pela editora HMH. Conta com uma capa de couro, que não é capa dura, mas é bem resistente, folhas cortadas nas pontas num formato redondo e uma fonte pequena que deixa o livro todo parecendo uma Bíblia antiga. Essa edição, além do texto integral do livro, conta com vários textos suplementes como apêndice da obra e é por eles que vou começar essas dicas de O Senhor dos Anéis.

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Um costume que adquiri nos últimos tempos é o de ler os textos suplementares dos livros que leio antes de ler o livro em si. Isso pode ser visto como trapaça e pode estragar um pouco da graça ao revelar detalhes importantes do roteiro, mas pra mim só melhora a leitura, pois não vou ao texto de mãos abanando.  Comecei a leitura de textos antigos, clássicos gregos, latinos e afins nos últimos anos e chegar a eles de mãos abanando é um desastre. Você não consegue entender sobre o que eles estão falando e se sente perdido. É muito ruim. Sendo assim, adotei a estratégia de ler os apêndices antes e isso tem me ajudado bastante. E teria me ajudado bastante na leitura de Graça Infinita.

Portanto iniciei a leitura de O Senhor do Anéis por eles e acabei descobrindo que o Tolkien foi o primeiro dos pós-modernos. Sabe aquilo que os intelectuais sempre discutem quando falam de literatura pós-moderna como ruptura com a forma do romance? E eles mencionam o uso de artifícios que contribuem para a criação de uma metanarrativa? Pois é... Tolkien fez tudo isso antes de muita gente.

Aliás, muita gente fez isso antes do pós-modernismo, mas aí já é outra discussão.

Tolkien iniciou a criação de seu mundo através da linguagem dos elfos. A língua foi o principal motivador para continuar e expandir o trabalho que ele havia feito n’O Hobbit. Como a língua é viva, pertence a um povo e se relaciona intimamente com a história, ele acabou criando diveros ramos dessa árvore que é a Terra Média para dar corpo a uma língua que ele estava criando.

Trabalho de gênio, mas também de um baita dum nerdão!

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No entanto a gente respeita, porque Tolkien era também muito criativo. Sabemos como a história foi criada por causa de outros, não dele. Nos textos que compõem o apêndice Tolkien fala como se fosse um historiador, como se tivesse descoberto os textos que temos em mãos e ele fosse apenas o tradutor. Ele fala de hobbits, elfos e guerras na Terra Média como se tudo isso existisse de fato e ele fosse apenas o responsável por desenterrar essas coisas, descobertas ao acaso, enquanto perambulava pela Inglaterra.

Nisso conhecemos um pouco da genealogia dos Hobbits, responsáveis pela criação dos textos que Tolkien “descobriu” e “traduziu”. Conhecemos muito das línguas faladas na Terra Média, suas peculiaridades e o povo que as falava também. Temos longas descrições das genealogias dos humanos, dos elfos e dos anões.

Algo que me chamou muito a atenção foi o texto dedicado aos anões, pois eu sempre gostei muito dessa raça de seres da Terra Média, mas sempre fiquei meio desapontado com o Tolkien por não focar muito neles. Ledo engano, aqui conhecemos muito deles e talvez a falta de conteúdo sobre eles seja culpa das editoras brasileiras, que não trazem muito desse conteúdo mais “pesado” do Tolkien.

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Pesado, porque é um negócio que só nerdões se interessariam em comprar e ler e tal... o leitor menos dedicado ao universo da Terra Média não vai se interessar tanto por isso.

De qualquer forma achei muito legal a inserção dos anões ali. Como raças misteriosas que são, tímidos e retraídos, não se conhece muita coisa sobre eles. Disso resulta um texto pequeno, em comparação com os outros. Ainda assim, o texto nos fornece informações muito interessantes, como a presença de mulheres entre os anões (as anãs), sua língua entre eles, suas crianças e afins.

Os elfos é basicamente uma recapitulação d’O Silmarilion e os humanos apresentam muitas casas e famílias que devem estar presentes n’O Senhor dos Anéis. É uma parte meio chata, confesso. São muitas informações repetidas, nomes estranhos e coisas que criam um grande folclore, mas não acrescentam tanto a leitura do livro, pois são raças cujo comportamento e história são amplamente difundidas.

Além disso há uns anexos de línguas, runas e um texto sobre a tradução dos textos originais para o inglês! Tolkien era um nerdão, mas também era um grande gozador que adorava brincar com seus leitores.

Após tantas informações me senti mais seguro em começar a leitura desse calhamaço e já dá pra adiantar, ajudou bastante!

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quinta-feira, 16 de maio de 2019

Dica cinematográfica: “A Balada de Buster Scruggs” (2018)

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Eis que mais um filme escapa do meu radar e, portanto, vou desistir de simplesmente fazer dicas cinematográficas aqui. Vou começar a fazer análises miméticas dos filmes por aqui.

A Balada de Buster Scruggs é um filme de 2018 dirigido e escrito pelos irmãos Coen e lançado diretamente na Netflix. Não sei como puder perdê-lo, mas ainda bem que o assisti esse ano. O filme é montado como se fosse um livro de contos do oeste americano, aliás, ele abre com um livro e encerra com esse livro se fechando. Somos apresentados a diversas histórias do oeste, de assassinos divertidos a ceifeiros irônicos, passando por bandidos azarados, caçadores de ouro e cotocos poéticos.

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Diversas histórias formam uma teia que constitui a imagem diversificada do oeste americano. Temos todo tipo de ser humano aqui, boas pessoas, pessoas ruins, bandidos, homens da lei,trabalhadores honestes, salafrarios, moças de família, prostitutas, enfim... tudo que você já viu em tantos outros western desde que o cinema é cinema. Não apenas a diversidade humana, mas a diversidade natural é vista aqui, em cenários que vão do dester escaldante, às florestas virgens e às montanhas geladas. O oeste americano é extremamente vasto, o que permitiu a criação de tanta diversidade.

E aonde poderia se encaixar a teoria mimética de René Girard no meio de tudo isso? Exatamente aí, no meio.

Sendo uma obra que pretende simualar a dinâmica de um livro de contos, o filme conta histórias puramente humanas e como bem ensinou Girard, são essas histórias que revelam o cerne da natureza humana, algo que sempre esteve lá, mas não vemos e apenas a literatura nos revela, ainda que de forma não direta.

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Esse cerne é a rivalidade mimética. Somos todos miméticos, desejamos o que o nosso companheiro deseja e quando esse objeto de desejo, compartilhado, é excasso, nos tornamos rivais. Rivais miméticos. E é basicamente disso que se trata o filme. Todas as histórias apresentam personagens ambiciosos e é sempre um outro, almejando a mesma coisa, que causa o conflito da história.

Seja matando o personagem principal da história apresentada ou causando um conflito que irá culminar em um final trágico. Até mesmo a discussão sobre a vida e a morte gira em torno disso, a ambição humana que é sempre barrada por um outro ambicioso.

O oeste americano acaba sendo o terreno mais fértil para a rivalidade crescer, pois ele é vendido como terra de ninguém. E de fato é assim, intocável, mas criar algo a partir do nada dá trabalho, como na história do caçador de ouro. Ao encontrar o ouro que procurava, ele descobre que não está só, que foi perseguido por alguém. Provavelmente ele havia contado vantagem com seu plano de escavar ouro e isso acaba chamando a atenção de todo tipo de bandido. Ouro não está disponível em todo lugar, portanto a rivalidade foi criada e o resultado só pode ser trágico.

O mérito disso, ao contrário do que dizem alguns, não é da Netflix, mas dos irmãos Coen, que decidiram criar uma obra que simulasse um livro de contos do oeste. Há anos que eles se dedicam a desconstruir o oeste americano. Na nossa atual época, em que construir se mostra mais urgente que descontruir, uma obra como essa é muito mais impactante. Há um revivamente do oeste americano, embora conte com o característico humor irônico dos Coen.

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A qualidade técnica é um grito que não encontra eco dentro das produções da Netflix. Muito bem dirigido, com uma qualidade de imagem impressionante, cenários exuberantes, o uso de animações muito bem equilibrados e um áudio especialmente bem trabalhado com relação às canções presentes na obra. Tecnicamente é um petardo.

Sua extensão pode incomodar um pouco e, de fato, ele acaba cansando um pouco, mas a sua estrutura permite que ele não seja assistido de uma vez só. Como é estruturado em contos, seu formato encaixa feito uma luva dentro da estrutura da Netflix, se passando quase como uma série.

Concluindo, um primor narrativo, estético, técnico e com defeitos que quase não são notados dentro da mídia em que veicula, A Balada de Buster Scruggs é um ótimo filme.

4 pontos e meio

terça-feira, 14 de maio de 2019

Dica Audiófila: Philips SHE2000

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Sou um grande admirador de fones de ouvido e também sou um baita dum quebrado. Por esses motivos temos no blog as dicas audiófilas que só indicam fones baratos. A dica de hoje é um verdadeiro achado.

Sou um ávido escutador de música e podcasts. Como tal ando pra todo lado com fones de ouvido, mas moro numa cidade quente demais para a utilização dos famosos “over-the-ear”, os supra-auriculares, portanto acabo usando muito os auriculares. Intra-auriculares são só para os que gosta de ter os ouvidos estuprados. Num belo dia, procurando fones baratos no Mercado Livre, acabei encontrando esse aí.

O fone é da marca Phillips, o que logo me chamou a atenção. Meu irmão vive falando da Phillips e estava com vontade de arriscar comprar um há um tempinho. Sabia que os supra-auriculares são bem mais ou menos, mas os auriculares poderiam ser diferentes.

Em segundo lugar, o que chamou minha atenção foi seu design. O fone conta com uma aparência muito bonita, simples, porém elegante. Contém algo de sóbrio e que encaixa com qualquer tipo de situação. Produzido nas cores pretas, contém detalhes em cinza num material emborrachado que denota qualidade ao menor toque.

Pra finalizar, o seu preço. Por menos de 30 reais, é algo que chama a atenção, pois diz: “Não me confunda com as suas negas que você compra no Shaim, mas também não estou querendo te roubar”. É um fone honesto que cumpre o que promete.

Sua qualidade sonora é superior a de qualquer fone auricular que já tive, ficando pau a pau com o fone que veio no meu smartphone Asus. Os graves, médios e agudos são bem equilibrados, com uma marca sonora bem neutra e uma espacialidade interessante para um simples auricular. Eu, um eclético fã de todo tipo de música, encontrei o parceiro ideal para os momentos tristes em que quero ouvir um jazz, enquanto chove e para os momentos mais alegres ao som de Angel Du$t.

O fone para todas as horas.

Com tantas qualidades embaixo do braço, o SHE2000 (que tem nome de produto bom dos anos 90) é um dos produtos audiófilos mais bem construídos no comércio brasileiro atual.

5 pontos

sexta-feira, 10 de maio de 2019

A egomania matou a crítica

Antes de mais nada eu quero que você dê uma boa olhada na imagem abaixo.

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Olhou? Então olhe de novo e me diga o que há de diferente entre eles?

A imagem apresenta duas versões de um mesmo Pokémon. O nome dele é Ludicolo e já no desenho criado para as versões dos jogos lançados ainda na época do Game Boy Advance, esse Pokémon já era uma amálgama de pato, urso e abacaxi na cabeça. Não é exatamente isso que nos apresenta a sua versão para o cinema, que está presente no filme do Detetive Pikachu?

Assim como o Ludicolo, diversos outros Pokémon se encontram na mesma situação. A equipe dos efeitos especiais trabalhou de maneira séria para recriar os Pokémon de uma forma que parecesse crível, mas sem perder a imagem já clássica deles de vista. O Psyduck é um pato amarelo e gordo, o Jigglypuff é um urso rosa com olhos enormes e o Bulbasaur tem uma cebola nas costas.

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É estranho? Claro, porque afinal são seres que não existem, mas é ruim? De forma alguma. Muito pelo contrário, é uma ótima forma de adaptar para as telonas esses animais que só eram encontrados em telinhas de videogames portáteis.

Não como dizer que os Pokémon apresentados no filme não são os Pokémon que estão nos games, porque são. É diferente do filme do Sonic, que deixou o porco-espinho azul parecendo um furry qualquer. No caso do filme do Detetive Pikachu são os Pokémon que estão sendo apresentados, não uma adaptação esdrúxula deles.

Então quem diz que eles estão feios, terá que dizer que os Pokémon apresentados nos games também são feios. Não é o Pikachu do filme, é o Pikachu que é feio.

O que acontece é o contrário. O Pikachu sempre foi considerado fofo e ninguém nunca reclamou de seu design. Pokémon baseados em lixo, imã e gosma fedida são muito criticados (e com razão), porque mostra a preguiça do game designer, mas não é o caso de outros como Lucario, Rayquaza ou mesmo o Mew, que tem um design simples, mas bonito. É agradável olhar para esses Pokémon, em outras palavras, eles são belos.

E aí vem um zé ruela qualquer dizendo que esses Pokémon estão feios? Qual a lógica, sendo que o design deles nunca o incomodou. Pior ainda é dizer que por causa disso o filme será ruim! É uma lógica ainda mais maluca, visto que até ano passado esses mesmos “críticos” compravam o mangá que está saindo pela Panini.

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Isso só comprova o quanto a egomania está acabando com a crítica.

Nesse caso não é nem a lógica do “Se eu não gostei, é ruim”, que coloca o eu em primeiro lugar e não consegue abstrair sentido de nenhuma obra que não compartilha da realidade na qual esse eu está inserido. Aqui é a lógica do ter que se passar por intelectual o tempo todo. Esses execráveis baseiam-se na falsa imagem do filósofo cansado e para manter uma imagem de ser superior reviram os olhos, pousam a cabeça sobre uma das mãos, simulam uma voz cansada, enchem o seu discurso vazio de palavras difíceis e quando não têm argumentos, recorrem à velha ironia.

É lamentável ver que nem mesmo filmes infantis como Detetive Pikachu escapam da sua arrogância infeliz. E é o mesmo caso que assombrou Pica Pau. É um filme para o público infantil, não é para você.

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Mas não, eles têm que criticar. Têm que achar um defeito. Voltam do filme do Vingadores e nem se aguentam para ir em grupos do whatsapp expor sua opinião melindrosa. “O filme é bom, mas...” virou regra. Todo início de crítica é assim. Para eles nada está bom.

Eles não conseguem admitir que um filme é bonito, não levam em conta o público a que se destina o filme, não irão considerar que o filme adapta um jogo que eles não jogaram, não irão admitir rir dos trailers, muito menos rirão nos cinemas, mas irão pagar o ingresso para poder dizer que assistiu e assim garantir a sua Licença pra Poder Falar Mal.

Como se pagar ingresso fosse dar um cérebro pra esses pulhas.

Essa corja enfadonha confunde maturidade com velhice, crítica com falar mal, beleza com gosto pessoal, técnica com saber e autoridade com poder. É a prova da falência de todo um projeto intelectual, que não soube incutir neles o mínimo de decência para que consigam saber há um lugar e hora pra tudo. Não sabem esperar.

É verdadeiramente lamentável.

quinta-feira, 9 de maio de 2019

Dica musical: “Pretty Buff” do Angel Du$t (2019)

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Angel Du$t é uma banda que vem da mesma turma de amigos que formam o Turnstile e esse ano lançaram álbum novo. O resultado é bom demais!

https://www.youtube.com/watch?v=Ij4sNyfsX5w

Não sei o que essa galera anda tomando junto com a água deles, mas tem saído muita coisa boa das mentes criativas por trás do Turnstile e agora do Angel Du$t. Com dois álbuns bons na carreira, o Angel Du$t lança o seu trabalho mais diverso.

O álbum é um típico álbum de rock, fugindo um pouco do característico som punk-hardcore que marcou os primeiros trabalhos da banda, se aproximando mais de um rock clássico bem americanizado. Uma sonoridade que encontra mais similaridade com as bandas de rock que invadiram a metade até o final dos anos 90 e marcou a trilha sonora de filmes como Debi & Lóide.

O resultado é um rock despretencioso, bem leve e até mesmo engraçado, que inclui elementos sonoros atípicos para o gênero, como o saxofone, que marca várias canções desse álbum. Aliás, marca de maneira muito positiva. A presença inesperado do saxofone adiciona uma camada de leveza e originilidade muito bem-vinda.

Além disso temos riffs rápidos de guitarra, mas numa afinação mais leve do que nos últimos álbuns, o que não os torna tão agressivos como os últimos trabalhos. Pretty Buff é o álbum mais apresentável para os civis de todos os álbuns do Angel Du$t, podendo facilmente ser incluído numa playlist de alguma festa em casa.

É também o álbum que fez o Angel Du$t se tornar, definitivamente, uma das minhas bandas favoritas atualmente.

5 pontos

terça-feira, 7 de maio de 2019

Dica cinematográfica: “A Peregrinação” (2017)

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Este filme não foi alcançado pelo meu radar até que fui pesquisar mais informações sobre a colaboração artística do La Dispute com 2 programadores de videogame, Pilgrimage. O resultado foi uma boa suspresa.

O filme conta a história das origens de uma relíquia religiosa, a pedra que assassinou São Matias Apóstolo, o substituto de Judas Iscariotes. Essa relíquia é mantida por um grupo de monges num projeto de mosteiro no interior da Irlanda, quando recebem a visita de Ciaran, um padre que chega no país a pedido do papa Inocêncio III, que solicita que a relíquia seja levada para Roma afim de revelar quem tem uma fé verdadeira ou não. Relutantemente os monges se deixam convencer, pois as histórias em torno da relíquia levantam dúvidas acerca de suas propriedades, podendo ser muito perigosa. Ainda assim, Cioran consegue a companhia de um grupo de monges, um deles um inocente noviço e um trabalhador mudo e misterioso, mas com grande força e habilidades físicas de luta.

A obra é se trata de uma produção irlandesa e é impressionante como foi bem tratada. Estrela dois nomes muito bem requisitados no cinema atual, o intérprete do Homem-Aranha no MCU e o intérprete do Justiceiro nas séries Marvel da Netflix. Não me lembro do nome deles, mas você já deve saber de quem estou falando.

Sendo uma história que se passa no período medieval, a obra é recheada de violência e conta com aquele filtro meio acizentado que dá um tom bem apocalíptico para a obra. Tudo isso reforça a sensação de clima pesado que a história carrega, envolvendo traições, busca por poder e discussões de fé.

A obra levante questões interessantes, contendo mais de uma camada, dando muito pano pra manga nas discussões após o término da sessão do filme. Isso também é motivo de críticas negativas do filme, pois a motivação de muitos personagens não fica clara e é difícil saber o momento certo em que as coisas começam a ir para o buraco na obra, no entanto, para mim, isso pareceu ser intencional dos roteiristas da obra.

Não conhecemos muito dos personagens, mas conseguimos captar nuances que nos entregam o que pode ter acontecido com eles, ainda que isso não fique totalmente claro. Isso acaba fortalecendo a atmosfera apocalíptica da obra.

Também é um filme curto para as suas pretenções. São pouco mais de 1h30 e há muito coisa que poderia ser explorada com mais profundidade. São apenas detalhes, mas fariam diferença.

De qualquer forma, A Peregrinação me surpreendeu. Levanta questões interessantes, é uma história que te prende na tela (e isso também é consequência do seu tempo mais curto), além de contar com uma ótima produção.

4 pontos

quinta-feira, 2 de maio de 2019

Dica musical: “Panorama” do La Dispute (2019)

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Olha só e não é que o La Dispute soltou um álbum novo? Levanto essa bola todo final de ano e em 2019 finalmente aconteceu.

Panorama é o nome do seu novo trabalho de estúdio e vem acompanhado de uma identidade visual bem diferente para a banda, o que me fez suspeitar da qualidade do álbum. Seguindo um visual minimalista e bem contemporâneo, que marca toda a construção do game que foi lançado uma semana antes do álbum. A minha opinião do game você pode ler no blog parceiro, Locadora TV. Obviamente que essa identidade visual não viria a toa, o álbum conta com alguns elementos eletrônicos, mas não decepciona. Os elementos são pontuais e servem apenas para dar corpo às histórias contadas no álbum.

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Por falar em histórias, o álbum é recheado delas, embora pareça haver uma unidade em torno do tema do luto. Saber perder e se recuperar dessa perda acaba sendo uma constante na obra do La Dispute e, infelizmente, aqui encontramos o tema tratado da forma mais genérica possível, embora numa poética ambiciosa. O uso de metáforas, antíteses e outras figuras de linguagem reforçam a sensação de se estar lidando com construções poéticas muito mais ousadas do que nos seus outros álbuns.

E por falar em outros álbuns, Panorama é a culminação dos últimos trabalhos da banda, desde Rooms of the House. Era lógico que após os experimentalismos com música eletrônica na trilha sonora do documentário da banda que eles iriam se distanciar ainda mais do post-hardcore que marcou um dos melhores álbuns da década, o excelente Wildlife. Por falar nisso ele ainda é o meu álbum favorito da banda e acho que ali foi o seu ápice, mas Panorama consegue fazer um retorno ao Wildlife, situando-se a meio caminho dele e de Rooms of the House.

Em algumas canções, Jordan grita da maneira mais agressiva que já gritou em toda a sua carreira, gerando uma das músicas mais pesadas de toda a discografia do La Dispute. Isso me surpreendeu e me deixou arrepiado. É uma banda que ainda tem muito a oferecer, embora eu já não ache que eles estejam no seu melhor, criativamente.

Na produção, agora contando com a ajuda de Will Yip, eles nunca soaram tão bem. Cada pequena nota de guitarra, baixo ou mesmo as batidas de bateria são audíveis. Nada fica solto ou confuso num mar de barulheira. Ao contrário, cada elemento encontra o seu espaço, o que distancia a banda do bom e velho hardcore, aproximando-os de uma sonoridade única, experimental e mais apresentável.

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Pela primeira vez sinto que posso deixar alguma música do La Dispute tocando num churrasco para os meus amigos ouvirem.

Há elementos que beiram o jazz, outros o eletrônico, mas tudo é puramente o La Dispute. A identidade da banda não se perdeu e para isso as passagens de spoken word são muito importantes. Nem mesmo em Wildlife havia tantos momentos de spoken word, soltos no meio da melodia. É um spoken word tradicional.

La Dispute está no caminho de deixar de ser a minha banda favorita, mas está no caminho de se tornar uma banda de rock muito bem vista. Reconhecimento é o que essa banda merece e eu fico muito feliz com isso.

4 pontos