quinta-feira, 16 de maio de 2019

Dica cinematográfica: “A Balada de Buster Scruggs” (2018)

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Eis que mais um filme escapa do meu radar e, portanto, vou desistir de simplesmente fazer dicas cinematográficas aqui. Vou começar a fazer análises miméticas dos filmes por aqui.

A Balada de Buster Scruggs é um filme de 2018 dirigido e escrito pelos irmãos Coen e lançado diretamente na Netflix. Não sei como puder perdê-lo, mas ainda bem que o assisti esse ano. O filme é montado como se fosse um livro de contos do oeste americano, aliás, ele abre com um livro e encerra com esse livro se fechando. Somos apresentados a diversas histórias do oeste, de assassinos divertidos a ceifeiros irônicos, passando por bandidos azarados, caçadores de ouro e cotocos poéticos.

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Diversas histórias formam uma teia que constitui a imagem diversificada do oeste americano. Temos todo tipo de ser humano aqui, boas pessoas, pessoas ruins, bandidos, homens da lei,trabalhadores honestes, salafrarios, moças de família, prostitutas, enfim... tudo que você já viu em tantos outros western desde que o cinema é cinema. Não apenas a diversidade humana, mas a diversidade natural é vista aqui, em cenários que vão do dester escaldante, às florestas virgens e às montanhas geladas. O oeste americano é extremamente vasto, o que permitiu a criação de tanta diversidade.

E aonde poderia se encaixar a teoria mimética de René Girard no meio de tudo isso? Exatamente aí, no meio.

Sendo uma obra que pretende simualar a dinâmica de um livro de contos, o filme conta histórias puramente humanas e como bem ensinou Girard, são essas histórias que revelam o cerne da natureza humana, algo que sempre esteve lá, mas não vemos e apenas a literatura nos revela, ainda que de forma não direta.

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Esse cerne é a rivalidade mimética. Somos todos miméticos, desejamos o que o nosso companheiro deseja e quando esse objeto de desejo, compartilhado, é excasso, nos tornamos rivais. Rivais miméticos. E é basicamente disso que se trata o filme. Todas as histórias apresentam personagens ambiciosos e é sempre um outro, almejando a mesma coisa, que causa o conflito da história.

Seja matando o personagem principal da história apresentada ou causando um conflito que irá culminar em um final trágico. Até mesmo a discussão sobre a vida e a morte gira em torno disso, a ambição humana que é sempre barrada por um outro ambicioso.

O oeste americano acaba sendo o terreno mais fértil para a rivalidade crescer, pois ele é vendido como terra de ninguém. E de fato é assim, intocável, mas criar algo a partir do nada dá trabalho, como na história do caçador de ouro. Ao encontrar o ouro que procurava, ele descobre que não está só, que foi perseguido por alguém. Provavelmente ele havia contado vantagem com seu plano de escavar ouro e isso acaba chamando a atenção de todo tipo de bandido. Ouro não está disponível em todo lugar, portanto a rivalidade foi criada e o resultado só pode ser trágico.

O mérito disso, ao contrário do que dizem alguns, não é da Netflix, mas dos irmãos Coen, que decidiram criar uma obra que simulasse um livro de contos do oeste. Há anos que eles se dedicam a desconstruir o oeste americano. Na nossa atual época, em que construir se mostra mais urgente que descontruir, uma obra como essa é muito mais impactante. Há um revivamente do oeste americano, embora conte com o característico humor irônico dos Coen.

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A qualidade técnica é um grito que não encontra eco dentro das produções da Netflix. Muito bem dirigido, com uma qualidade de imagem impressionante, cenários exuberantes, o uso de animações muito bem equilibrados e um áudio especialmente bem trabalhado com relação às canções presentes na obra. Tecnicamente é um petardo.

Sua extensão pode incomodar um pouco e, de fato, ele acaba cansando um pouco, mas a sua estrutura permite que ele não seja assistido de uma vez só. Como é estruturado em contos, seu formato encaixa feito uma luva dentro da estrutura da Netflix, se passando quase como uma série.

Concluindo, um primor narrativo, estético, técnico e com defeitos que quase não são notados dentro da mídia em que veicula, A Balada de Buster Scruggs é um ótimo filme.

4 pontos e meio