quarta-feira, 31 de julho de 2019

Links sortidos de quarta

E nessa semana sem dicas, eu volto apenas para divulgar alguns links úteis para quem quiser se motivar, se informar ou se divertir.

Sunday Firesides (a coluna dominical do Art of Manliness) deu um soco no estômago, mas é um soco que todos precisamos tomar.

Turnstile (a melhor banda de hardcore do momento) tem novidades a caminho.

Post meio longo sobre uma civilização perdida em Malta. Eu odeio como esses posts são atingem absurdos, seja prestigiando demais ou desvalorizando demais, mas esse post apresenta uma sociedade interessante, que floresceu bem e sumiu quase que de repente.

Caio Coppola perdendo a linha no Morning Show de ontem. Ame-o ou odeie-o, o cara está sempre elevando o nível da discussão. Ontem, mais uma vez, tentou elevar o nível do programa e deixou seus colegas de cabelo em pé.

Notícia boa para os que defendem a liberdade econômica.

Kim Kataguiri num papo bem descontraído, porém informativo, com a galera do Flow Podcast.

Paulo Kogos sobre os ideais cavaleirescos, que precisam ser restaurados.

Café Brasil sobre a ida do homem à lua. É uma data que eu não deveria ter deixado passar, mas deixei, então fica aqui a minha dica pra honrar essa data.

Dobradinha do podcast do Art of Manliness pro Brett McKay pedir música no próximo post: podcast sobre os Comanches, a tribo indígena que mais tempo resistiu aos brancos nos EUA e podcast sobre crescimento, espiritualidade e masculinidade.

Batoré n'A Praça é Nossa de quinta passada. Com certeza, a melhor adição ao programa feita neste ano. O cara é um gênio da comédia!

Por ora é só!

sexta-feira, 26 de julho de 2019

Temos que diferenciar Professores de professores

Há algumas semanas o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná entrou de greve pelo pagamento da data-base (basicamente, aumento do salário devido a inflação monetária), contra a reforma da previdência e outras questões referentes às condições de trabalho dos professores da rede pública de ensino regular.

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Não vou entrar nessas questões, porque, primeiro, não entendo das particularidades das condições dos professores da rede pública de ensino, não tenho saco de explicar a reforma da previdência pra ninguém (esse post faz esse trabalho de maneira excelente) e nem sou expert nas burocracias que envolvem a correção inflacionária dos salários. Não é esse o ponto desse post, o ponto é falar dos professores de ensino superior.

Seguindo a decisão do APP Sindicato (sim, essa é a sigla do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná), outros sindicatos das universidades estaduais aqui do Paraná decidiram entrar de greve também. Pelos mesmos motivos e o principal é o pagamento da data-base.

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Já cansei de dizer, mas digo de novo: greve é inútil! A greve só afeta quem não tem nada a ver com a história e se afeta alguém que pode fazer algo, esse alguém será o último afetado, como aconteceu com a greve dos caminhoneiros. Antes de faltar comida, combustível e outras mercadorias para os governantes, teve que colapsar todos os mercadinhos de esquina e atrapalhar a vida de milhares de brasileiros que não tinham ABSOLUTAMENTE NADA A VER COM A HISTÓRIA! Isso que é greve! Um ataque contra o cidadão de bem.

No entanto, semana passada, o APP Sindicato revogou a greve, mesmo ela não surtindo nenhum efeito. O governo do Paraná não recebeu os sindicalistas e todos eles sabem que o governo tem licença pra cortar salário de quem faz greve (sábia decisão, aliás, pois greve não pode ser motivada).

O mesmo não aconteceu com os sindicatos das universidades estaduais, que decidiram manter a greve e continuar atrapalhando a vida de milhares de estudantes que dependem dos professores pra continuar com suas vidas. A cada greve feita são meses de vida que esses alunos perdem.

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Mas qual seria o real motivo por trás dessa decisão?

Paremos para pensar, se o governo corta o salários dos professores, quem irá sofrer mais, o que recebe 2 mil reais por mês ou o que recebe 10 mil reais? Quem é o professor que durante a greve estava indo pra Curitiba de busão e quem era o professor que foi pro Canadá passar as “grérias”?

Pois é...

Uma coisa que deve ser mudada para que esse país vá para a frente é a consideração de que nem todo mundo dentro de uma classe de trabalhadores é igual. Que professor é uma profissão desvalorizada no Brasil, isso ninguém nega, mas nem todo professor sofre.

Professores de ensino regular trabalham em ambientes hostis, têm jornadas de trabalho asfixiantes e recebem pouco, eles sofrem de fato, mas o mesmo não acontece com os professores do ensino superior.

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Na Universidade Estadual de Maringá, uma pessoa de 26 anos pode entrar lá puxando o saco de todo mundo, recebendo 10 mil reais por mês.

E eles ainda pedem reajuste salarial devido a inflação.

Tudo bem, é um direito deles. Está previsto em lei, mas e a ética? Qual é a equivalência deles com os professores que trabalham 40 horas semanais, em salas caindo aos pedaços, aguentando alunos terríveis que nem queriam estar ali, sofrendo danos físicos e psicológicos pra ganhar 2 mil reais ao mês?

Eu digo: NENHUMA!

Professor de ensino superior não tem voz pra reclamar de nada nesse país. Professor de ensino superior não é equivalente ao professor de ensino regular. Professor não é tudo a mesma coisa como nós costumamos pensar e isso é uma mentalidade que precisamos mudar.

Professores de ensino superior são a elite. É para as universidades que vão as maiores verbas educacionais do país. Eles literalmente sugam todo o dinheiro que deveria ser revertido, primeiramente, para aqueles responsáveis pela formação inicial do ser humano, afinal, as leis brasileiras priorizam um ensino que não forma apenas um estudante ou um trabalhador, mas um cidadão. E se a educação está em situação precária hoje em dia, o ensino superior e seus professores são culpados também.

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Portanto, antes de você se aliar com qualquer um que lute pela educação do Brasil, questione a que tipo de educação essa pessoa serve. Porque ele pode estar muito bem servindo a uma elite que nunca esteve perto da verdadeira realidade educacional desse país.

quinta-feira, 25 de julho de 2019

Dica musical: “Defeater” de Defeater (2019)

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Fiquei afastado por um tempo das discussões musicais do post-hardcore, mas descobri que Defeater, uma das minhas bandas favoritas (apesar de sua grave limitação musical), lançou um novo álbum esse ano, me pegando de surpresa.

Em Defeater, o primeiro trabalho da banda com o grande Will Yip, produtor favorito de todas as bandas underground da atualidade, Defeater se lança por águas nunca antes exploradas, tanto narrativamente, quanto musicalmente, produzindo um álbum único dentro de sua discografia. O som é sólido, sentimos uma grande segurança nos membros da banda e a possibilidade de expansão surge como uma luz no fim do túnel.

Vale uma breve recapitulação: Defeater é uma banda formada em 2004, mas que só lançou o seu primeiro álbum em 2009. O motivo é que a banda tem um projeto grande demais. Todos os seus álbuns são conceituais e contam histórias que se conectam com o primeiro álbum, o qual conta a história de um jovem rebelde que foge de casa após matar o pai, vicia-se em drogas, volta para casa anos depois e se suicida após ver que o que sobrou de sua família foi destruído pelas drogas e pela corrupção da cidade em Nova Orleans. O segundo álbum foi contado da perspectiva do Irmão (e ainda é o melhor álbum da banda), o terceiro conta a história da perspectiva do Pai, o quarto do Padre, pai do protagonista do primeiro álbum e este, o quinto é o mais ousado de todos.

Iniciando com uma narrativa do Irmão do pai, este álbum muda as perspectivas, incluindo na narrativa outros personagens, que se relacionam com o irmão do pai, inclusive o padre. No entanto, nada disso é claro e a história contada aqui é bem confusa, pra ser honesto.

Apenas pelas letras é difícil saber e é útil pedir ajuda aos fãs mais radicais da banda, que conseguem apontar as relações com os álbuns anteriores e formar pontas que delineiam a narrativa sendo contada aqui.

- SPOILERS –

Para quem se interessa, aqui vai um resumo do que foi descoberto e aceito até agora: o foco principal é no Irmão do pai e de fato, dá pra saber que é dele que se tratam as 3 primeiras canções. Até este álbum, o Irmão do pai havia sido morto numa viagem de navio durante a segunda Guerra Mundial, o que desencadeou a depressão do Pai, depois suas bebedeiras e por fim o seu tratamento cruel ao Filho mais novo, que o assassina quando adolescente. No entanto, após a terceira canção, entra um outro personagem, o Traficante, que faz com que o irmão do pai trabalhe para ele. É o Irmão do pai que acaba fornecendo drogas para o Padre, que vicia a Mãe. Aparentemente, o Irmão do Pai vê tudo o que ocorre com a família de longe e ao final deste álbum vê o suicídio do Traficante e, sem “emprego”, decide vingar sua família, esfaqueando o Padre.

- Fim dos Spoilers –

Não é uma história bonita, como já seria de se esperar de Defeater, mas é interessante e instigante. Ao longo de sua carreira, Defeater veio criando uma teia de personagens e história tão intrincada que fica difícil diferenciar quem é quem e o que aconteceu, mas também se apresenta para nós como um universo muito rico.

No entanto, nunca foi muito audível. O som de Defeater sempre foi muito caótico, barulhento e apenas os fãs de uma pegada hardcore pesada que flerta com o heavy metal gostam de ouvir a banda em seu tempo livre. Eu sempre saí com dor de cabeça após ouvir um álbum deles e aqui não foi diferente. Porém, neste álbum, sua sonoridade está mais sólida e encontra uma variedade sonora mais ampla, o que não desgasta tanto o ouvinte como seus álbuns anteriores.

Os vocais ficaram muito escondidos nesse álbum, o que de certa é bom. Mostra que o foco principal aqui não é a narrativa, mas sim a sonoridade na qual a banda chegou, muito mais cadenciada e “audível” do que suas últimas obras, ainda que em alguns momentos essa distância que foi causada nos vocais incomode um pouco.

Em suma, Defeater é o álbum mais ousado da banda. Marca um distanciamento do que ela havia feito até aqui, mas também abre a possibilidade para novas aventuras. Eu perdi as esperanças de que eles irão contar a perspectiva da Mãe algum dia, já que esse álbum apresentou personagens nunca antes vistos e que irão ganhar álbuns no futuro, provavelmente, mas também abre a possibilidade de trabalhos muito interessantes no futuro.

4 pontos e meio

terça-feira, 23 de julho de 2019

Dica teórica: “A Tradução Literária” de Paulo Henriques Britto (2012)

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Paulo Henriques Britto é talvez o maior tradutor contemporâneo do Brasil. Tradutor de clássicos da literatura como O Som e a Fúria e A Outra Volta do Parafuso, ele também é um teórico da tradução que trabalha há anos na PUC-RJ, elevando as discussões sobre tradução em terras tupiniquins e esse é o seu livro introdutório sobre o tema.

Propondo-se a uma apresentação e não uma análise minuciosa sobre o tema, este livro expõe as opiniões de Britto sobre o ofício da tradução dentro da área da literatura. Como livro introdutório, ele serve apenas a apresentar as ideias de Britto contrastando-as com algumas outras ideias que existem por aí, as quais Britto discorda ou apenas concorda em partes com.

Pode parecer uma obra técnica que não serve para leigos, mas ela é uma obra que todo interessado em literatura deveria ler, pelo simples motivo de que Britto defende, como ideia principal, que toda tradução pode ser avaliada de maneira objetiva, ao contrário de correntes de pensamento muito comuns na academia brasileira.

Sustentado em uma longa trajetória como tradutor profissional, Britto apresenta seus próprios trabalhos e os analisa de maneira fria, mostrando diferentes versões de diferentes trechos de obras de ficção e poesia. É dessa forma que conseguimos compreender um pouco como funciona o ofício tradutório, o quão difícil é e o como podemos analisar uma obra traduzida quando vemos uma, mesmo sem ter amplo conhecimento da língua em que ela foi produzida originalmente.

Para quem é da área, essa é leitura obrigatória. Britto consegue assumir uma postura contrária a muita gente da academia, mas nunca se submete a clichês da área e sua argumentação embasada é sólida. Como ele mesmo diz, ainda que você se posicione contra, você terá que achar argumentos tão sólidos quanto os dele.

O resultado é sempre a melhora na discussão tradutória no Brasil.

O livro é simples, curto e faz parte de uma coleção de obras da editora Civilização Brasileira que busca tornar acessível para o público brasileiro o pensamento de autores brasileiros contemporâneos sobre filosofia e artes, mas uma rápida visualizada pelo índice de obras publicadas já indica que essa é sua melhor obra. Britto é ousado, original e muito sábio, como poucos pensadores brasileiros o são atualmente.

5 pontos

sexta-feira, 19 de julho de 2019

O gado demais e seus tipos

Recentemente um termo tem sido usado a torto e a direito na webesfera brasileira: o tal do gado demais! Usado por todos os microgrupos da internet, da lacrosfera até a juventude reaça, dos sadboys aos mememakers, todos estão usando o “Gado d+”, de forma indiscriminada.

O resultado é uma baita confusão, porque não fica claro o significado do “Gado demais”. Eu mesmo, quando vi a primeira vez, achei que fosse alguma coisa, mas vi sendo usado em outros contextos e fiquei confuso... Após muitos meses de contato

Gado Clássico

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Trata-se do conjunto de animais que foram criados pela humanidade para aumentar a nossa produção, nossos serviços agrícolas, nosso consumo doméstico, comercial ou industrial. É parte importante da nossa economia e sua criação pode ser dividida em intensiva ou semi-intensiva, extensiva ou semi-extensiva.

Gado Metafórico

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Aqui tratamos do termo filosófico como foi utilizado por muitos pensadores de forma pejorativa através dos séculos para dizer das massas. Aquele conjunto de pessoas que não pensam por si próprias, são levadas por demagogias baratas e qualquer hipócrita as engana. Religiosos, seguidores de políticos e jovens formam a maioria dessa classe de gado.

Rei do Gado

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Entre 96 e 96, a Rede Globo conseguiu produzir um dos épicos que mais marcou a cultura brasileira. Antônio Fagundos seria para sempre lembrado como o Rei do Gado e sua trajetória entraria para a memória coletiva dos brasileiros como parte integrante da nossa cultura, ao lado do futebol, da bunda e do carnaval.

Gado Escravoceta

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Mais conhecido como feministo, mais conhecido como esquerdomacho, para este ser as mulheres são seres intocáveis e perfeitos, impossíveis de fazer algo ruim, sempre falam a verdade e tudo que dizem deveria ser tombado como lei. Para este decrépito, quem diz sofrer estupro, sofreu; nossos ideias de masculinidade são “tóxicos”; o capitalismo é sexista e ai de quem criticar a seleção feminina! Lamentável...

Gado Boleiro

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Fã do Neymar, escuta pagode todo dia, dá risada do Alê Oliveira e não há nada melhor do que um churrasco. Eu tenho que admitir, esse cara leva uma vida boa, mas, por algum motivo que eu ainda não descobri, ele é amplamente criticado pela juventude brasileira ignorante.

Gado Maromba

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Vai na academia de domingo a domingo, só come frango e batata doce, se endivida para poder pagar o GH e tem uma panturrilha menor que a de criança. Esse é o famoso marombeiro que vai de regata nos rolês, tem um shape mais caro que uma BMW e é simpático com todo mundo. Sim, esse cara é simpático! Ele bota medo em todos, mas uma vez que você interage com um cara assim, percebe que é tudo verniz e estereótipo. É um bom gado para se ter por perto.

Gado Funkeiro

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Esse não sabe qual a utilidade de um fone de ouvido, fuma narguilé e tem que comer uma novinha diferente todo final de semana. Este ser lamentável tem uma natureza ridícula e perigosa, mas se não for provocado não irá causar grandes estragos para você e seus amigos. É melhor deixa-lo em paz, embora seus ambientes de confraternização tenham aumentado e isso seja preocupante, podendo provocar danos à saúde e segurança públicas.

Gado Supremo

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Este aqui é o pior tipo de gado, também conhecido como meta-gado. É o gado que comenta em todo canto da internet a famigerada frase “gado demais”, é o pobre coitado que delira com gados, apontando um até onde eles inexistem, ele se acha superior por não ser gado, mas é um gado tão grande que sua dimensão como gado nem pode ser mesurada. Por trás de sua arrogância e prepotência, esconde-se sempre um ser humano de baixa estatura moral, fraco e vazio, digno de pena.

quinta-feira, 18 de julho de 2019

Dica televisiva: Chernobyl (2019)

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Esse é o ano da HBO e essa série está aí para comprovar esse fato!

Chernobyl conta a historia do pior acidente nuclear da história, o acidente de Chernobyl. Resultado de falhas humanas e estruturais, o acidente dizimou a vida de mais de 90.000 pessoas após a explosão de um reator nuclear dentro da usina de energia elétrica situada na Ucrânia.

A série inicia-se dois anos após a explosão com Valery Legasov, cientista soviético que revelou todos os podres por trás do acidente, em sua casa, montando as fitas de áudio que iriam revelar para o mundo a verdade sobre o ocorrido. A partir daí, a série volta no tempo, exatamente no momento da explosão, para acompanhar os acontecimentos que se seguiram após começar o pandemônio. Acompanhamos então o desespero dos trabalhadores da fábrica, que não entendiam o que estava acontecendo, nem como resolver o problema, o trabalho do corpo de bombeiros para apagar as chamas, a confusão das pessoas que viviam na cidade nuclear de Pripiat e finalmente, os esforços de Boris Scherbina e Valery Legasov para controlar a situação nos dia seguintes, contando ainda com a ajuda de Ulana Khomyuk, que irá ser de grande ajuda para a descoberta dos motivos por trás da explosão.

A série é um primor estético, narrativo e histórico. Surgida com a intenção de reportar tudo de forma fiel ao ocorrido, ela consegue se aproximar muito bem da realidade, embora tome muitas liberdades poéticas, seja por questões práticas (Khomyuk, por exemplo, não existe, mas ela surge para representar os diversos cientistas que trabalham em equipe ao lado de Legasov para construir um mapa, minuto a minuto, do que aconteceu no dia da explosão), seja por questões dramáticas (nenhum escavador ficou pelado em Chernobyl, mas essa escolha, além de hilária, reforça a ideia de que eles trabalharam sob um calor infernal ali). Para os curiosos, como eu, há uma compilação de imagens e relatos que vão da construção da usina até os acontecimentos posteriores a explosão aqui. É interessante poder comparar com o que é mostrado na série e ver que, apesar das liberdades, teve um esforço para mostrar a história como foi muito forte.

Esteticamente ela consegue nos passar a sensação de desespero, confusão e também de frustração que as pessoas que trabalharam no caso sentiram. É revoltante ver o descaso das autoridades soviéticas perante o ocorrido, a mesquinhez que os integrantes do Estado seguiam e a fé que tinham na força imaterial mais baixa que há, que é o poder estatal. A crença estatal dos soviéticos de alto escalão é demonstrada de forma primorosa aqui e não tem como não se revoltar. Ao mesmo tempo, é também emocionante acompanhar os esforços de todos aqueles que, literalmente, deram a vida para salvar o mundo. Eles estavam lidando com algo inédito na história da humanidade e a cada solução que bolavam, mais problemas surgiam e assim, tiveram que criar outras soluções. Arriscar a própria pele é piada!

As sensibilidades socialistas de alguns pode ser abalada com essa série (e com razão!), mas isso já seria de se esperar da HBO, que segue uma linha conservadora em suas produções. Não sobram críticas a serem feitas a União Soviética. No primeiro episódio, mostrando a fé cego dos membros do Kremlin que transformaram Lenin no seu Jesus Cristo até mesmo à Fome Soviética de 32-33, montando ainda um paralelo com o nazismo. Politicamente, a série é corajosa, forte e virtuosa!

Narrativamente, a série se sobressai sobre muitas outras. Traçando uma linha de tempo, que se expande conforme os episódios vão passando, ela começa mostrando detalhes, acompanhando minuto a minuto os acontecimentos, culminando por aumentar o ritmo, cobrindo dias inteiros a cada minuto da série. É uma jogada muito boa e não poderíamos esperar menos do canal que colocou a TV no centro da discussão artística.

Um primor artístico, Chernobyl chega para marcar 2019 como o ano da HBO, em definitivo.

5 pontos

terça-feira, 16 de julho de 2019

Dica cinematográfica: The Gut: Our Second Brain (2013)

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É sempre bom assistir documentários. Eles nos trazem informação e entretenimento numa medida que reportagens não conseguem. Ainda que nem tudo que reluz seja ouro, bons documentários devem ser indicados e é essa a função desse post aqui.

Lançado em 2013 e hoje exibido pela Amazon Prime, The Gut: Our Second Brain é um documentário que nos pergunta o que faríamos se descobríssemos que o cérebro não fosse o único detentor de nossas capacidades neurológicas? Parece um contrassenso, mas não é. Sabemos que o cérebro está em constante contato com todo o corpo, mas o que cientistas, especialmente gastroenterologistas, descobriram é que o estômago é muito mais inteligente do que pensávamos e é nesse órgão que o documentário irá focar.

Através de dados e entrevistas, somos apresentados a fatos que podem levar a conclusões nunca antes pensadas, se os dados se confirmarem conforme mais pesquisas forem feitas. Descobrimos que o estômago tem praticamente a mesma quantidade de neurônios que o cérebro de um cachorro, que suas bactérias regulam a nossa personalidade e que o que comemos fala diretamente para o cérebro, funcionando como uma janela, por onde o sistema nervoso pode ver o nosso dia-a-dia.

É claro que, sendo um documentário de 2013, muitas informações podem estar obsoletas. Algumas das perguntas feitas podem já terem sido respondidas, pesquisas podem ter sido desmentidas e novos dados podem ter surgido na área, provocando novos questionamentos. O documentário também falha ao dar voz de especialista a charlatões da acupuntura, mas não deixa de ser um documentário interessante.

Suas informações são arrebatadoras e te fazem focar num aspecto pouco pensado em nossas vidas, algo que não damos muito valor, além do estético, que é a nossa dieta. Aqui é mostrado que comer direito não é só uma questão de ter ou não um corpo bonito, mas também uma questão de ter ou não um intelecto sadio.

4 pontos

sexta-feira, 12 de julho de 2019

A Fake News do ano já apareceu!

Desde a eleição do Trump, o termo Fake News ganhou destaque em todo lugar, figurando em qualquer tipo de conversa, das discussões acadêmicas às rodas de bar. Obviamente a natureza das duas conversas é bem diferente, na primeira temos ideologia fomentando conclusões precipitadas e na segunda questionamentos honestos, nutridos a bom humor e ceticismo em busca da verdade.

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Ano passado, a maior Fake News da Abençoada Terra de Santa Cruz foi a candidatura de Lula, condenado em mais de uma instância, mas que foi levado até os últimos dias de eleição como fato verídico e incontestável. Será que 2019 apresentaria uma Fake News à altura?

Sim. Apresentou! Uma Fake News tão grande que todas as conversas populares estão levando em conta, sem conseguir perceber a enorme isca que estão fisgando. É claro que estou falando das “conversas vazadas” por Greenwald e sua trupe de jornalistas do Intercept.

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Tudo começou com um post revelando conversas feitas num grupo de Telegram entre procuradores da república e o juiz Sérgio Moro, que indicam a imparcialidade do juiz no caso e como ele trabalhou com o ministério público para incriminar o ex-presidente Lula e tirá-lo da disputa presidencial, colocando em cheque toda a operação Lava Jato.

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Loucura! O atual ministro da justiça cometendo atos ilícitos afim de tirar da disputa presidencial o único candidato que teria condições de vencer o fascista que comanda a nossa Nação nas urnas. Um escândalo sem precedentes na história do Brasil!

Se fosse verdade...

O que ninguém parou pra ver foram as conversas divulgadas pelo Intercept. Uma delas, usada para comprovar o envolvimento do juiz com o ministério numa conspiração pra acabar com as eleições, é um conjunto de mensagens entre Deltan Dalagnol, procurador da república, e Sérgio Moro, juiz da Lava Jato, na qual o procurador fala de uma prova e o juiz diz que ela é fraca demais.

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O texto do Intercept diz que nesse momento o juiz rompe a sua imparcialidade para conseguir incriminar o ex-presidente com alguma prova mais forte. No entanto, isso é uma questão de interpretação. Pessoas mais favoráveis ao juiz já apontaram que essa conversa pode ser interpretada pelo outro lado, inclusive. Pode muito bem se tratar de um juiz, favorável ao ex-presidente, negando uma prova para que o réu não seja condenado, ou melhor, para que ele nem vá a julgamento, já que a prova é fraca.

Como muito bem mostrado por Caio Copolla, tampouco isso mostra uma imparcialidade do juiz, afinal como figura da lei ele não está preocupado em condenar ou inocentar, ele está preocupado com a verdade. Para tanto, se algo que indica a verdade é fraco, isso tem um valor pequeno e poderá perder totalmente o seu valor se a defesa for boa.

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E mais, isso nem sequer é mostra de que o ministério público também queria condenar o réu. Assim como o juiz, o MP está preocupado em encontrar a verdade e para tanto é necessário se basear em provas sólidas.

Portanto, o que vemos é a interpretação de mensagens de texto, que não justificam nada. Podem querer dizer qualquer coisa.

Supondo que elas sejam reais...

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Supondo, porque o máximo que podemos fazer é isso, supor. Os textos publicados no Intercept não apresentavam prints, nem imagens tiradas de algum dos celulares do grupo, nem mesmo o arquivo de backup que deve ter sido enviado ao Greenwald. Tudo que temos no site são blocos de texto estilizados com essas “mensagens” dos membros da Lava Jato.

Pessoas contrárias a Lava Jato (não entendo como) estão usando isso como prova da imparcialidade do juiz e exigindo a anulação de toda a operação, mas eu duvido que eles tenham feito o exercício de aplicar essa situação em outros contextos para comprovar o absurdo de todo esse “escândalo”.

Imagina a seguinte situação, Maria escreve uma mensagem de texto para Julia dizendo que seu namorado, Arnaldo, beijou Antônia. As provas são uma série de fotos que Maria recebeu e ela descreve essas fotos minuciosamente para Julia. O que Julia faria? Julia exigiria as fotos, mas Maria diz que é amiga de Julia há anos, que as duas já viajaram juntas, que ela é uma excelente cidadã da cidade em que as duas moram desde sempre e que Julia terá que confiar na palavra de Maria. É justo Julia pedir um divórcio de Arnaldo?

Obviamente que não. Ainda que Arnaldo dissesse que não sabe se beijou Antônia, ele já beijou Antônia na bochecha, os dois são amigos, afinal, isso não é prova de nada. Maria está querendo atear fogo no relacionamento de Arnaldo e Julia e é isso que está acontecendo no Brasil hoje.

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Greenwald está querendo atear fogo no Brasil. Ele diz que tem mensagens, mas nunca apresentou essas mensagens para ninguém, apenas para seus funcionários do Intercept. Ainda que ele tivesse mensagens, prints ou backups de mensagens arquivadas na conta do Telegram de qualquer membro da operação Lava Jato, ninguém atestou a veracidade disso. Podem ser falsificações. Nenhum agência, particular ou estatal, de segurança verificou a veracidade das “provas” que Greenwald tem.

Ainda que você seja contra a operação Lava Jato (como?), odeie o atual governo brasileiro, queira que o Lula saia da cadeia e anule as eleições de 2018, se você for minimamente intelectualmente honesto terá que admitir que o “escândalo” atual não passa de um balão vazio. Não vale como prova em lugar nenhum, não pode anular nem aprova nada.

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Mas a Fake News não para por aí. Toda Fake News tem consequências graves na mentalidade popular, assim como Trump deu passos significativos em direção a uma democracia mais sadia e a candidatura de Lula contribuiu para a degeneração moral e polarização política do país. Essa Fake News também tem consequências gravíssimas para o nosso país e uma consequência que irá afetar a todos nós de uma forma que nós nunca imaginamos.

Greenwald alega ter conseguido essas mensagens de uma fonte anônima, que está protegida pelas leis do nosso país, mas como essa pessoa conseguiu essas mensagens? Isso não interessa a Greenwald, mas interessa ao MP, pois só há um meio conhecido de conseguir mensagens de celular sem que o dono do celular saiba e é hackeando o celular.

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Isso é crime, mas agentes da lei podem usar desse sistema para encontrar provas que incriminem investigados, ou seja, o Estado é o único agente que pode se valer de hackers para obter informações sigilosas que possam auxiliar em investigações criminosas. Hack é a versão século 21 do grampo de telefone. Apenas o Estado pode fazer isso, porque é do Estado que partem as leis, que dão a prerrogativa do uso da força, por isso que os agentes da lei detêm um poder tão grande e é por esse motivo que poucos podem ser agentes da lei.

Agora o que Greenwald está fazendo é derrubar esse monopólio do Estado de usar a força para fazer valer a lei e abrindo a prerrogativa para qualquer um. No momento em que ele usa mensagens obtidas ilegalmente para “incriminar” alguém, ele se rende a lógica do fim que justifica o meio. Ele está dizendo que faz isso porque é de interesse público, mas ainda que fosse de interesse público quem permitiu que ele passasse por cima de todas as leis brasileiras para fazer valer a sua opinião sobre o que é justo?

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O que vale a mais, a opinião (e já mostramos que é tudo questão de opinião) de um homem ou todo o sistema de leis de uma nação? Pior ainda, a opinião de um estrangeiro é maior que a de um país? Estamos tendo que discutir coisas básicas como o limite da sua liberdade, estamos tendo que discutir algo tão básico quanto a definição do limite de uma propriedade privada e no caso não é nem uma propriedade física, mas intelectual, são os conteúdos das suas mensagens que estão em jogo. Quanto tempo vai levar para que alguém contrate um hacker para entrar no sistema do seu celular e te incriminar por uma piada que você fez com um amigo num chat que só vocês dois tinham acesso até então? O que Greenwald está fazendo é transformar o Brasil num verdadeiro faroeste, terra sem lei e nem foi necessário liberar as armas para isso.

É o faroeste cibernético. Não é a toa que o Cyberpunk 2077 é inspirado no Brasil.

Temos que tomar cuidado amigos, muito cuidado, pois tem muito brasileiro aí que anda torcendo pra Argentina.

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Edição: Esse post foi escrito no dia 07 de julho de 2019 e após ele, antes mesmo da sua publicação, novos detalhes surgiram nessa história, como os supostos áudios de Dalagnol. Felizmente, essas novas revelações continuam se mostrando rasas e insuficientes para que a Lava Jato e seus membros sejam atingidos.

quinta-feira, 11 de julho de 2019

Dica literária: The Nine-Cloud Dream (1687)

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Vendido como A Divina Comédia do oriente, essa obra do século 17 ganha uma nova tradução esse ano, lançado pela Penguin, numa edição muito boa, amplamente anotada e nos apresenta um primor da literatura oriental.

The Nine-Cloud Dream conta a história de Hsing-Chen, um monge que recebe a missão de seu mestre de ir falar com um deus-dragão, mas no caminho de volta acaba conversando com 8 fadas, servas da imperatriz de jade. Hsing-Chen é então castigado por seu mestre, que acha que ele desrespeitou seus votos como monge budista e assim ele morre. Hsing-Chen então reencarna como Shao-yu, um rapaz valoroso do interior, que cresce para se tornar um belo e forte líder a serviço do imperador.

Há alguns paralelos metanarrativos possíveis de serem traçados com A Divina Comédia. A começar pelo seu autor, Kim Man-Jung. Um aristocrata, Kim Man-Jung conseguiu um cargo administrativo junto ao governo imperial coreano e galgou os degraus do sucesso no serviço público chegando a ser tornar um ministro. Por duas vezes foi exilado devido a desavenças políticas e esse livro foi escrito durante o seu segundo exílio, de onde não chegou a sair em vida. Assim como Dante, Kim Man-Jung tinha grande respeito entre os líderes de sua época, entrou em desavenças com eles, foi exilado e escreveu suas maior obra em exílio e no final da vida.

Na obra também há paralelos. Ambas tratam de questões espirituais e funcionam como um guia ou introdução à tradição religiosa de cada um. Para Dante, o catolicismo romano, para Kim Man-Jung, o budismo, o taoísmo e o confucianismo. Há críticas alegóricas a diversos líderes da época e ambos os trabalhos se tornaram definidores de suas línguas.

No entanto, os paralelos param por aí. A Divina Comédia pode até ser comparada, mas nunca fica em pé de igualdade com qualquer obra produzida pela humanidade. Ela é grande demais para isso, o que não diminui em nada The Nine-Cloud Dream.

Produzida em prosa e não em verso, a obra explora, através de uma intrincada trama que envolve princesas, concubinas, imperados, exércitos e famílias, diversos aspectos das três principais religiões da Coréia. Kim Man-Jung insere essas doutrinas de maneira tão sutil que o leitor ocidental dificilmente poderia captar as nuances. Portanto, a atual edição da Penguin é crucial. Provendo anotações de seu tradutor, que tem uma longa história de trabalho com a cultura coreana, a edição consegue ampliar a atenção dos leitores ocidentais para esses detalhes que passariam despercebidos. Um exemplo é uma cena em que uma imperatriz discute com uma das pretendentes a noiva de Hsing-Chen/Shao-yu. Nessa cena, há uma troca de diálogos que exemplifica o comportamento decente de uma pretendente a noiva de um servo imperial diante de uma superior. No entanto, em nenhum momento Kim Man-Jung deixa isso explícito. Para iniciados na cultura, sabem que cada palavra proferida ali tinha um significado, mas para ocidentais desavisados, tratou-se apenas de uma “encheção de linguiça”.

Não é nem preciso dizer que uma segunda leitura da obra é essencial, né?

Não posso dizer muito da tradução, pois não entendo nada de coreano e nem sou familiarizado com a cultura literária de lá, no entanto, o texto aqui é fluido, belo e, apesar de simples, carregado de significado, assim como a narrativa criado por Kim Man-Jung.

Concluindo, The Nine-Cloud Dream é uma obra fantástico (em ambos os sentidos), que pede por uma tradução para o português, mas enquanto não vem, nos contentamos com essa belíssima edição da Penguin.

4 pontos

terça-feira, 9 de julho de 2019

Lendo O Senhor dos Anéis pt. 2

Terminei há um bom tempo a leitura de A Sociedade do Anel, mas esperei começar a ler o segundo livro para poder continuar com essa série de posts sobre o trabalho de alta fantasia mais significativo da história.

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Em A Sociedade do Anel conhecemos Frodo, sobrinho de Bilbo, o personagem principal de O Hobbit, agora idoso e pronto para ir embora do Condado após celebrar uma festa de aniversário que deu pano pra manga de fofocas do Condado por muitos meses. Bilbo deu para o seu sobrinho o anel que lhe dava poderes de invisibilidade, mas que também vinha com uma influência negativa muito forte vinda de Mordor. Gandalf, o mago cinzento, acompanha tudo de perto e logo monta uma caravana para que Frodo se livre do anel. Nessa jornada, irão acompanhar o hobbit, seus amigos de Condado, Sam, Pippin e Merry. Sob as sábias dicas de Elrond, senhor de Rivendell, os hobbits se unem aos cavaleiros Aragorn e Boromir, o elfo Legolas, o anão Gimli e claro o mago Gandald na busca da destruição do Anel em Orodruin, o único lugar onde o artefato maligno pode ser destruído.

O livro começa de maneira simples e muito relaxante, com uma descrição detalhada do aniversário de Bilbo. Para quem já leu O Hobbit, como eu, esse momento é um deleite. Ocupando diversas páginas, conhecemos muito da vida pacata dos hobbits, lembrando uma vila pitoresca do interior da Inglaterra. É legar ver que Bilbo voltou diferente da sua jornada em O Hobbit, muito mais loquaz, cheio de amigos e é considerado um maluco entre os seus colegas do Condado, mas isso não faz a menor diferença para o hobbit que sabe que o mundo é muito mais do que o Condado é.

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Depois disso somos apresentados a jornado que Frodo deverá enfrentar. Aqui entra a genialidade de Tolkien ao colocar um hobbit como o centro de suas páginas. Hobbits são acomodados, só querem viver em paz e sossego na sua terrinha querida e sair do Condado, ainda que para o bem de todos, é um peso muito grande para Frodo, que não conhece nada além do Condado. Essa é a oportunidade perfeita para apresentar toda a Terra Média como algo inédito para os leitores, já que os outros personagens que fazem parte da Socidade do Anel conhecem muito da Terra Média. Dessa forma, Tolkien nos apresenta de forma quase didática, através de poesias, canções e lendas, os pormenores da Terra Média.

A ambientação fica misteriosa e atiça a curiosidade de leitores mais nerds, como eu.

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No entanto, não é uma leitura fácil. Apesar de muito interessante, o ritmo é lento e somos arrastados por páginas e mais páginas pela Terra Média, seus personagens e mitos numa profusão de descrições e histórias que exigem um estado de espírito relaxado do leitor. Não é uma leitura para ser feita depois do almoço, muito menos antes de dormir.

A coisa fica chata mesmo (para mim) no momento em que o Elrond começa a dar as cartas na mesa. O capítulo em que ele define quem irá acompanhar Frodo e Gandalf  na trajetória que visa a destruição do Anel. O capítulo é gigantesco, formado só de diálogos longos, que vão e voltam na mesma discussão, sobrem quem vai, quem fica, porque e como... é uma discussão realista. Obviamente que essa é a realidade de quem vai pra uma guerra e Tolkien, que serviu ao exército britânico, sabe disso melhor do que ninguém, mas que também é um puta negócio chato de se ler, isso também é verdade.

Fora que há uma disparidade muito grande no tratamento da profundidade dos personagens. Enquanto que por um lado somos apresentados ao drama dos hobbits em seus pormenores enquanto eles estão em Rivendell, por outro lado Legolas e Gimli, membros de raças inimigas há séculos, viram melhores amigos numa frase! É literalmente uma frase que diz que Legolas e Gimli se aproximaram muito ao longo da jornada. Não há diálogos entre eles, nem histórias compartilhadas ou uma batalha que os força a se unir. Simplesmente temos que aceitar o fato de um anão e um elfo (inimigos há séculos) terem virado melhores amigos no meio da jornada.

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É claro que isso não é uma incongruência dentro da história. É possível, afinal. O problema é que há muita atenção para pontos chatos e pouca atenção para pontos-chave da história. Afinal, a amizade entre Legolas e Gimli é tão forte que irá perdurar até o fim de seus dias, sendo Gimli o primeiro anão a conhecer as Terras Imortais. Nós não vemos o início disso, em compensação, vemos toda uma conversa (em mais de 20 páginas) sobre quem irá ou não acompanhar Frodo na jornada.

Enfim, a leitura é cansativa e após isso não há muito o que salvar no final de A Sociedade do Anel. O ritmo nunca volta a ser animado como no começo, quando os hobbits conheceram Aragorn e outros momentos afim. A ambientação parece até acompanhar o ritmo. As montanhas que eles atravessam são estéreis e inóspitas, culminando numa desolação descomunal ao enfrentarem um Balrog dentro da antiga cidade dos anões.

Parece até que é de propósito, o que atestaria ainda mais para a genialidade de Tolkien, mas isso não sei dizer com absoluta certeza. Talvez eu tenha que reler (oh, não!!!) para saber.

Ao final de A Sociedade do Anel, a primeira impressão que ficou para mim não foi tão positiva, mas continuo na leitura. Percebo que é genial e imagino que a falha seja minha. Eu não sou nerdão o suficiente para gostar tanto assim de O Senhor dos Anéis.

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quinta-feira, 4 de julho de 2019

Dica cinematográfica: Alice (1988)

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Tenho um certo preconceito contra o Grant Morisson, mas devido a dica que recebi do meu querido amigo Johan, aceitei começar a leitura do quadrinho, através de uma edição que reúne toda a primeira saga. No prefácio àquela edição, Grant Morisson já recomenda um filme de Jan Svankmajer. Sabendo da genialidade do diretor, fui atrás e é esse filme que vira dica hoje aqui no blog.

O filme conta a história de Alice no País das Maravilhas, famoso livro de Lewis Carroll, mas com um toques de fantasia sombria. Logo no começo, Alice já encontra um coelho empalhado, que irá ganhar vida e rouba uma tesoura das mãos da menina. Inicia-se assim a perseguição de Alice pelo coelho, através de uma gaveta e enfim ao mundo mágico que todos conhecemos, mas que aqui irá se apresentar de forma inédita.

O filme mistura live-action com stop motion, no característico estilo de Svankmajer, seguindo uma estética mais sombria, tons de sépia e objetos com cores mais densas, menos vivas e escuros. Lembra um pouco filmes de horror, mas a história é a mesma de Alice no País das Maravilhas, ou seja, é uma história leve. Apenas a pegada de Svankmajer deixa o filme um pouco mais pesado, mas a verdade é que esse filme poderia ser apresentado pra qualquer criança um pouco mais madura de boa. Adolescentes, então... é livre!

A narrativa fantástica de Alice no País das Maravilhas cai como uma luva na direção de Svankmajer. O stop-motion é magistral e o filme, apesar de ter sido feito há mais de 30 anos, não ficou datado, pois a tecnologia de stop-motion não mudou tanto assim. As soluções criativas que Svankmajer dá para criar momentos que não seria possíveis de reproduzir em seu filme são incríveis e o resultado é fabuloso.

É um filmaço, essa é a verdade. Só fico pensando no que esse filme pode ter inspirado Grant Morisson?

4 pontos

terça-feira, 2 de julho de 2019

Dica televisiva: True Detective (3ª temporada)

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Faz tempo que vi a segunda temporada de True Detective e brochei totalmente com a série. A primeira temporada é uma obra prima da teledramaturgia, mas a segunda é um fracasso total, vista em comparação com a primeira (isoladamente, a segunda temporada é só ruim mesmo). A segunda temporada me deixou tão desanimado que eu nem percebi que a terceira saiu no começo desse ano.

Assim como a primeira e a segunda temporadas, a terceira temporada de True Detective apresenta uma história fechada, sem conexão com as outras temporadas, sobre uma investigação criminal que abarca diversos anos das vidas dos detetives envolvidos no caso. Aqui, conhecemos o detetive Wayne “Purple Hays”, parceiro de Roland West, os quais se envolvem num caso do sumiço de duas crianças. Tido logo no começo como um sequestro, o caso apresenta ramificações que levam a pistas falsas e essas levam a conclusões falsas que fazem o caso ser encerrado 2 vezes, uma em 1980 e outra em 1990, mas sem resultados satisfatórios. O desgosto e o aborrecimento com o caso fazem o detetive Hays, em 2015, voltar à investigação, dessa vez sem um distintivo ou real autoridade para tomar providências. As memórias do caso se misturam com as memórias pessoais de um detetive cada vez mais idoso e sofrendo de Alzheimer.

Mais uma vez sem a direção valorosa de Cary Joji Fukunaga, Nic Pizzolato retorna sozinho no roteiro, mas não se rende às críticas politicamente corretas que fizeram da segunda temporada um poço de desculpas e a história rende muitos momentos peculiares e ousados. O simples fato de transformar o protagonista negro num patriota republicano e fazer piadas com isso já rende ótimas risadas e é um belo tapa na cara da sociedade.

A investigação criminal é guiada de forma sutil e o lado literário de Pizzolato aflora nessa temporada. Diálogos nunca foram tão bem exploradas e, apesar de haver um alinhamento muito consistente entre imagem e palavra, é claro que essa temporada inteira poderia ser um ótimo livro.

A terceira temporada de True Detective nunca chegará aos pés da primeira, mas consegue se sobressair em meio a tantas produções mais ou menos que saem ultimamente.

4 pontos