quinta-feira, 11 de julho de 2019

Dica literária: The Nine-Cloud Dream (1687)

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Vendido como A Divina Comédia do oriente, essa obra do século 17 ganha uma nova tradução esse ano, lançado pela Penguin, numa edição muito boa, amplamente anotada e nos apresenta um primor da literatura oriental.

The Nine-Cloud Dream conta a história de Hsing-Chen, um monge que recebe a missão de seu mestre de ir falar com um deus-dragão, mas no caminho de volta acaba conversando com 8 fadas, servas da imperatriz de jade. Hsing-Chen é então castigado por seu mestre, que acha que ele desrespeitou seus votos como monge budista e assim ele morre. Hsing-Chen então reencarna como Shao-yu, um rapaz valoroso do interior, que cresce para se tornar um belo e forte líder a serviço do imperador.

Há alguns paralelos metanarrativos possíveis de serem traçados com A Divina Comédia. A começar pelo seu autor, Kim Man-Jung. Um aristocrata, Kim Man-Jung conseguiu um cargo administrativo junto ao governo imperial coreano e galgou os degraus do sucesso no serviço público chegando a ser tornar um ministro. Por duas vezes foi exilado devido a desavenças políticas e esse livro foi escrito durante o seu segundo exílio, de onde não chegou a sair em vida. Assim como Dante, Kim Man-Jung tinha grande respeito entre os líderes de sua época, entrou em desavenças com eles, foi exilado e escreveu suas maior obra em exílio e no final da vida.

Na obra também há paralelos. Ambas tratam de questões espirituais e funcionam como um guia ou introdução à tradição religiosa de cada um. Para Dante, o catolicismo romano, para Kim Man-Jung, o budismo, o taoísmo e o confucianismo. Há críticas alegóricas a diversos líderes da época e ambos os trabalhos se tornaram definidores de suas línguas.

No entanto, os paralelos param por aí. A Divina Comédia pode até ser comparada, mas nunca fica em pé de igualdade com qualquer obra produzida pela humanidade. Ela é grande demais para isso, o que não diminui em nada The Nine-Cloud Dream.

Produzida em prosa e não em verso, a obra explora, através de uma intrincada trama que envolve princesas, concubinas, imperados, exércitos e famílias, diversos aspectos das três principais religiões da Coréia. Kim Man-Jung insere essas doutrinas de maneira tão sutil que o leitor ocidental dificilmente poderia captar as nuances. Portanto, a atual edição da Penguin é crucial. Provendo anotações de seu tradutor, que tem uma longa história de trabalho com a cultura coreana, a edição consegue ampliar a atenção dos leitores ocidentais para esses detalhes que passariam despercebidos. Um exemplo é uma cena em que uma imperatriz discute com uma das pretendentes a noiva de Hsing-Chen/Shao-yu. Nessa cena, há uma troca de diálogos que exemplifica o comportamento decente de uma pretendente a noiva de um servo imperial diante de uma superior. No entanto, em nenhum momento Kim Man-Jung deixa isso explícito. Para iniciados na cultura, sabem que cada palavra proferida ali tinha um significado, mas para ocidentais desavisados, tratou-se apenas de uma “encheção de linguiça”.

Não é nem preciso dizer que uma segunda leitura da obra é essencial, né?

Não posso dizer muito da tradução, pois não entendo nada de coreano e nem sou familiarizado com a cultura literária de lá, no entanto, o texto aqui é fluido, belo e, apesar de simples, carregado de significado, assim como a narrativa criado por Kim Man-Jung.

Concluindo, The Nine-Cloud Dream é uma obra fantástico (em ambos os sentidos), que pede por uma tradução para o português, mas enquanto não vem, nos contentamos com essa belíssima edição da Penguin.

4 pontos