quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Dica Gourmet: torrada francesa

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Mais uma dica gourmet para acalentar vossos paladares e encher-vos a barriga, hoje, diretamente do café-da-manhã tradicional paulista, uma receita para todos os momentos: a torrada francesa.

A receita é antiga e historiadores (qual historiador é uma boa pergunta, afinal que tipo de historiador se preocupa em descobrir a origem exata de um prato simples como esse?) datam referências sobre ela desde o século IV. Sua origem provavelmente se relaciona com períodos de guerra e escassez de alimentos, pois dizem que ela foi feita para aproveitar o pão que não podia ser mais servido. Aliás, torrada é um negócio assim, porém a torrada francesa é gostosa, enquanto que a torrada normal é uma porcaria.

Enfim, a torrada francesa consiste numa fatia de pão com manteiga, frita numa frigideira.

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Sim, essa é a receita de torrada francesa.

Na era gourmet, muitos acrescentam outras coisas, como ovos, fazem sanduíches com presunto e queijo, bacon e até criam a receita doce, no entanto a verdadeira torrada francesa, a receita r00ts, utiliza-se apenas de pão, manteiga, uma frigideira e fogo. De fato, não sei qual outra receita pode ser mais simples que essa.

O pão tradicional da receita é o francês, mas eu prefiro o pão caseiro, aquele trambolho que vendem no mercado por um preço bem em conta e que minha vó faz melhor do que qualquer um (um dia ainda pego a receita com ela), podendo ser usado também o pão de forma, que é a versão mais popular na internet brasileira. Há ainda a variação da receita que usa requeijão, mas essa eu nunca fiz, então não posso opinar.

Pão, manteiga, frigideira e fogo são os ingredientes para o meu café-da-manhã ideal. Sou um homem simples, do interior, eu não preciso de muito, muito menos de muito mais. Por essas e outras, eu amo tanto a torrada francesa.

5 pontos

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Podcast d'O Sommelier #1: o Teste

Tive a ideia de fazer um podcast especial de final de ano ao invés do tradicional post de final de ano. Não sei se vou seguir com esse ideia, mas decidi fazer um podcast teste para isso.

E nesse primeiro podcast, eu comento 3 dicas que ainda não foram publicadas no blog, mas logo serão: "O amigo da minha amiga", "Science Fiction" do Brand New e "Sunny" de Taiyo Matsumoto.

Ouça e baixe o podcast clicando aqui.

Ciao.

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Dica musical: "Scumfuck Flower Boy" do Tyler, the Creator

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Hoje a dica do que é, provavelmente, o melhor álbum de hip-hop do ano (se bem que já nem sei mais se isso é hip-hop mesmo ou não) e também o álbum mais gay do ano “Scumfuck Flower Boy”! Porque aqui a gente fala a verdade nua e crua, nada de ficar chamando o álbum de Flower Boy...

https://www.youtube.com/watch?v=FUXX55WqYZs

Enfim, desde “Cherry Bomb”, tenho admirado mais o trabalho de Tyler, the Creator. Nunca gostei de seus primeiros trabalhos, apesar de admirar o conceito por trás de tudo, no entanto, pelo menos ele começou a usar melodias em seu trabalho, abandonando as batidas obscuras, minimalistas e monótonas que marcaram o trabalho do OFWGKTA.

Agora, Tyler volta com um álbum sincero, continuando a se distanciar do conceito que unia os seus 3 primeiros álbuns, dessa vez abandonando mesmo o passado para crescer como artista sério. Outro fator de imensa magnitude: ele abandonou de vez o OFWGKTA, a sua gangue de rappers e outros elementos que sempre o acompanhou, mas que nunca foram tão talentosos ou ambiciosos quanto ele e, sozinho, parece que o Tyler está se dando bem.

“Scumfuck Flower Boy” é o álbum mais gay que ouvi esse ano, mas não é um álbum bicha ou viado, não é o homossexual que é zuado e fica chorando por que foi "oprimido", é o homossexual que se for ofendido, levanta e rebate. É o gay que você respeita.

Também é um álbum muito melhor trabalhado, rico em melodias, com acordes amplamente elaborados e uma qualidade de fazer inveja a qualquer álbum pop por aí. Fazia tempos que não via um álbum tão bem trabalhado, com uma diversidade tão grande de elementos musicais.

Isso acaba afastando Tyler do rap puro e simples, se aproximando mais do pop, ficando naquela esfera cinza entre o rap/hip-hop e pop em que também se encaixa Frank Ocean.

No entanto, isso, de forma alguma é algo ruim. As músicas são agradáveis de se ouvir, muito bem trabalhadas, com melodias chamativas, dançantes e alegres, apesar das letras serem tão negativas quanto sempre foram, com uma ênfase muito grande nos aspectos pessoais da vida de Tyler.

https://www.youtube.com/watch?v=khMb3k-Wwvg

Neste álbum ele se encontra numa região muito mais sensível e disposto a fazer confissões muito mais profundas do que simplesmente falar mal do pai, o aspecto que mais chamava a atenção em seus primeiros álbuns. “Scumfuck Flower Boy” lida com sexualidade, depressão, solidão e até elabora umas teorias sociais no meio de algumas canções.

É um álbum notável e acabou crescendo em mim e hoje é um dos meus álbuns favoritos desse ano.

4 pontos

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Dica musical: "BBC Session" do Self Defense Family

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Self Defense Family é uma banda lendária. Inicialmente conhecida pelo nome de End of A Year, eles mudaram de nome e logo após a banda virou o projeto experimental de Patrick Kindlon, vocalista e quadrinista nas horas vagas, mudando seus integrantes como mudam de cuecas (talvez mais) e esse ano é um ano essencial para seus fãs, não só porque ainda teremos mais uns 3 CD’s saindo, mas porque um objeto lendário da banda foi lançado no começo do ano.

[bandcamp width=100% height=42 album=1923505236 size=small bgcol=ffffff linkcol=0687f5 track=1458226940]

Em dezembro de 2014, a banda deixou um show em Glasgow e dirigiram o resto da noite até o estúdio da BBC em Maida Vale, ao norte de Londres pra gravar algumas canções para a BBC Radio 1. Nos anos seguintes, a sessão virou uma espécie de lenda entre os fãs da banda, com a única comprovação da sua existência através de gravações de baixa qualidade feito por uns poucos sortudos que conseguiram captar o áudio do programa de rádio onde a sessão foi tocada.

E esse ano, as 4 canções que compõem a sessão foram lançadas num vinil lindão pela Deathwish em soberba qualidade audiofílica.

A sessão consiste das canções “Self Immolation Family”, “Mehmet Ali Ağca”, “Tithe Pig” e “Turn the fan on”, apresentando versões nunca antes ouvidas ou tocadas das canções, que comprimem períodos diferentes da banda, inclusive de seu período atual.

Mais rápidas, mais lentas, mais densas, mais simples, mais curtas, mais longas, todas elas se distanciam de seu local de origem e acabam indo parar em um lugar mais interessante para os fãs da banda, podendo ser um indicativo dos próximos passos que o Self Defense Family irá tomar a partir de agora...

[bandcamp width=100% height=42 album=1923505236 size=small bgcol=ffffff linkcol=0687f5 track=1294170422]

Ou não. Com relação a Self Defense Family nunca se sabe, de verdade.

“BBC Session” do Self Defense Family é um prêmio pela paciência e perseverância de todos os fãs, algo comum para quem acompanha o Self Defense Family (com frequência ganhamos prêmios por ainda aguentá-los) e, apesar de não ser um álbum com material inédito é um forte concorrente a álbum do ano.

4 pontos e meio

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Quadrinhos não são literatura!

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Preparei ontem uma dica de um dos melhores mangás que li na minha vida, provavelmente o melhor mangá da década e, sem sobra de dúvida, um dos melhores da história e o nome do post começava com “dica quadrinística”. Esse post ainda está por vir, mas eu acho que vale a pena explicar porque a minha mudança de opinião acerca da classificação de quadrinhos aqui no blog.

Complementando um post que fiz no “Locadora TV” tempos atrás, decidi escrever esse post aqui mostrando que quadrinhos, ao contrário do que muita gente pensa, não é literatura.

Temos essa concepção de que quadrinhos são literatura porque apenas nos cursos de letras nas universidades brasileiras são estudados quadrinhos a sério. No entanto, o mesmo não ocorre nas universidades em outras terras, como no Canadá ou na Inglaterra, onde também são feitos estudos acerca de quadrinhos, mas pelo fato dos cursos superiores nessas terras serem menos formalizados do que aqui, as matérias que estudam quadrinhos são mais “livres”. Não são cursos de literatura ou mesmo que pertencem ao estudo de línguas, são cursos de artes, simplesmente.

E é isso que quadrinhos são: arte, simplesmente.

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Quadrinhos sequer surgiram dentro do ramo da literatura. A publicação de quadrinhos em livros e sua venda em livrarias é um fenômeno recente, se você parar pra pensar. Não é algo antigo, nem foi pensado quando essa forma de arte surgiu, que sequer surgiu como uma forma de arte. Os primeiros quadrinistas nunca tiveram a intenção de criar algo que tivesse a longevidade de uma obra de arte típica, afinal, obras de arte surgem com diversos propósitos, mas um que é unanimidade em todas elas é a de permanência. Todo artista cria sua obra de arte para durar, é uma forma de imortalidade.

Aqui vale uma digressão: muitas formas de arte moderna rejeitam essa ideia, dizendo que a arte não é feita para durar, mas deve existir por um momento, tocar quem tiver contato com ela e sumir logo em seguida. Isso é besteira e eu posso criar um post mais à frente para debater isso, mas tenha algo em mente, quem nega a imortalidade da arte está, na verdade, destruindo a arte. Existem artes performáticas, que só existem dentro de um espaço de tempo bem definido, como o teatro ou apresentações de música, mas elas são um caso à parte, pois utilizam de um meio para existir que não permite a sua durabilidade no tempo, mas mesmo dentro dessas formas de arte, sempre existiu a necessidade de se criar uma forma de imortaliza-la, peças de teatro eram escritas com todos os detalhes de como se interpreta-las e músicas também. Hoje em dia ainda temos o auxílio do vídeo, portanto esse papo modernista é a maior furada!

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Enfim, quadrinhos surgiram meio que por acidente e têm sua origem numa espécie de necessidade de mercado, com tiras de jornal, feitas para serem consumidas ali, aliviar o peso das notícias de todo dia e não com uma grande intenção artística por trás. Ao contrário dos grandes artistas de eras antigas, os quadrinistas nunca fizeram quadrinhos para honrar a Deus, nunca foram apadrinhados por grandes amantes das artes como os renascentistas e nem queriam fazer uma crítica social foda, como os revolucionários. Era simplesmente entretenimento.

No entanto, assim como tudo que começa a dar dinheiro, foi, com os anos, virando terreno de gente grande e passou a ser levado a sério, aí que surgem os quadrinhos mensais, semanais e, posteriormente os compilados. Mas é só com Will Eysner que quadrinhos entram para o mundo da arte, de fato, com suas inovações narrativas, mesclando texto com imagens. Algo que já era feito em livros ilustrados, ainda literatura, mas, ao contrário dos livros ilustrados, as imagens não estão ali, nas páginas, apenas como uma forma de descrição do que está sendo narrado em texto, mas complementam o texto.

Faça um exercício de pensamento rápido: você consegue ler “Alice no país das maravilhas” sem as ilustrações de Lewis Carrol? Mas e “Um sinal do espaço”, é possível ler esse livro sem as imagens?

Acho que as respostas são claras.

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Quadrinhos utilizam o meio da literatura e até mesmo elementos literários para contarem suas histórias, narrativas e são muito próximos, no entanto não pode ser considerado literatura, porque utiliza-se de outros elementos para contar suas histórias, não apenas as imagens, mas balões de fala, onomatopeias e a disposição das imagens na folha, todos esses elementos são utilizados para contar uma história num quadrinho. Elementos que passam muito além da alçada de um literato ou crítico literário qualquer.

Como um literato pode compreender a importância de Jim Steranko para os quadrinhos? É fácil entender a importância de Alex Ross, todo mundo compreende, mas Jim Steranko é considerado tão importante quanto, mas por quem? E por quê?

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No caso, é por causa da arte, mas não é um crítico de literatura qualquer que pode entender isso, não é algo que se aprende em cursos de letras. De fato, quadrinhos se encontram numa esfera isolada, não é nem numa intersecção entre literatura e artes visuais, é simplesmente algo diferente, quadrinho não é literatura, quadrinho é quadrinho.

E é por isso que eu me arrependo de ter afirmado o contrário por tanto tempo nesse blog, eu errei e quem não erra? Mas durma tranquilo, nobre leitor, pois a partir de agora teremos no blog as “dicas quadrinísticas”.

 

Valeu, falou.

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Dica cinematográfica: "Dunkirk" (2017)

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Já esperava o filme ser bom antes mesmo dele ter sido lançado, mas não esperava que “Dunkirk” fosse ser tão bom. Ainda não sei se é o melhor filme do ano (esse ano tivemos muitos excelentes filmes), mas é o mais reaça com certeza. Uma verdadeira aula de edição, é o melhor Nolan da década. Pé no chão e criando uma narrativa extremamente inteligente. Eis “Dunkirk”.

https://www.youtube.com/watch?v=F-eMt3SrfFU

Dunkirk conta um pedaço da história da Batalha de Dunquerque, um dos momentos mais marcantes para a história da Inglaterra na II Guerra Mundial, um evento onde mais ou menos 400 000 soldados aliados (não apenas britânicos) foram cercados por tropas nazistas na praia de Dunquerque, ao norte da França e logo uma operação chamada Operação Dínamo foi organizada para resgatá-los de lá. A operação tinha a estimativa de resgatar 30 000 soldados que logo subiu para 45 000, mas ao final foram resgatados mais de 300 000, com a ajuda da Marinha, da Aeronáutica e também de civis britânicos. Ao todo 5 países participaram da operação, mas o filme de Nolan é extremamente nacionalista e nos apresenta apenas os seus últimos dias.

É difícil falar de Dunkirk sem entregar muito da história, então prepare-se para spoilers e antes vale um questionamento: por que não traduziram o nome? Dunkirk é o nome da região francesa em inglês e tem um nome em português há muito tempo. Imagino que seja exigência da produtora, mas se eu fosse da distribuidora brasileira teria insistido na tradução do nome, ia ser mais bonito.

Enfim, o filme é narrado de 3 pontos de vista diferentes, cada um seguindo sua própria linha do tempo. Primeiro, o dos soldados na praia de Dunquerque, o principal deles já preso lá há uma semana e morrendo de vontade de ir embora. O segundo é narrado do ponto de vista do sr. Dawson, um civil dono de um barco de passeio que se voluntariou para resgatar soldados na costa de Dunquerque e vai para lá junto de seu filho Peter e o amigo de seu filho, George. E o terceiro e último parte do ponto de vista de 3 pilotos de avião da Real Força Aérea (RAF, no original), que estão indo para Dunquerque a fim de garantir a sobrevivência dos soldados presos lá.

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É fácil compreender os princípios por trás desses três pontos de vista: são os elementos, terra, água e ar, que juntos trabalham para no final do filme criar o fogo da esperança, que nos renova e nos iniciar novamente. A narrativa desse filme é simplesmente linda e cada uma das três histórias tem seus personagens com dramas, vontades e defeitos, todas centralizadas em 3 personagens. 3 pontinhos só por ter respeitado a "regra dos 3".

E por falar em defeitos existem muitos personagens defeituosos, porém humanos. O personagem de Cillian Murphy é um tremendo de um covarde e o personagem de Harry Styles é um tremendo filho da puta (na falta de palavra de melhor). Ambos têm seus medos e vaidades, mas aos poucos vamos compreendendo os seus pontos de vista, apesar de ser quase impossível concordar com eles, um está traumatizado e o outro é um nacionalista orgulhoso. E são esses elementos que tornam o filme uma obra crível, real, muito mais pé no chão, que é o que o Nolan faz de melhor. Quando ele enveredou para a ficção científica eu até gostava dos filmes, mas não achava tudo isso que seus fãs acham e acho que desde “A Origem” ele não fazia um filme que fosse mais que 7/10. Agora, num filme de guerra, ele não pode inventar muito e o roteiro não abre espaço para muito enrolação e lição de moral, apesar do filme ter os seus momentos, em cada uma das narrativas, onde os personagens expõem verbalmente a moral da história, o que quebra um pouco a naturalidade do momento, mas eu não sei se é porque as frases são muito heroicas e com intenção de causar um efeito no espectador ou se é porque o filme tem poucos diálogos em toda a sua extensão de quase 2 horas e acabamos achando estranho os personagens falando tanto. Preciso assistir esse filme mais vezes.

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A moral universal da história é claramente a união, mas há um aspecto no pano de fundo do filme que me deixou com uma pulga atrás da orelha e eu cheguei à conclusão de que esse é o filme mais reaça do ano; é o nacionalismo britânico. O filme é todo narrado do ponto de vista dos britânicos, alguém que não conhece história vai pensar que a Operação Dínamo (na verdade, ele(a) nem vai saber que o nome da operação é Dínamo) foi executada apenas por britânicos e que os franceses foram salvos só depois (na vida real, a confusão era muito maior e entrava todo mundo naqueles barcos). Isso tudo é para elevar a moral da nação britânica como um todo, é um filme que eleva o espírito britânico que até na derrota sai vitorioso, é um povo que honra seus soldados e que tem soldados que desejam servir sua nação a qualquer custo. Dunkirk é um filme que só tem efeito num período pós-Brexxit e é claro que o Brexxit se fortalece com isso. Esse subtexto pode ofender as sensibilidades de muitos SJW globalistas por aí, mas eu, pessoalmente, acho a mensagem muito importante e gostaria de ver mais disso no cinema francês, polonês e até italiano ou brasileiro, por que não?

Fora esses aspectos narrativos, ainda temos a aula de cinema que esse filme nos oferece, especificamente a aula de edição. Os três pontos de vista se intercalam em momentos cruciais que mantém a tensão e criam facilmente uma linha temporal na mente do espectador. É claro que lá pro final, a edição, como todo filme do Nolan se torna frenética e isso nas cenas de batalha é muito bom, mas acaba criando uma certa confusão na cabeça de quem acompanha. No entanto, se você prestou atenção em todo o filme, principalmente em seu começo, vai conseguir manter a linha do tempo em sua cabeça.

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Ainda assim, eu gostaria que as cenas no trem durassem um ou dois segundos a mais, só por efeito dramático mesmo.

A trilha sonora frenética e desconexa do Hans Zimmer está brilhante nesse filme e ouso dizer que é ainda melhor que Interstellar (a única coisa realmente brilhante naquele filme, na minha humilde opinião) e talvez vire dica por aqui também.

Em suma, “Dunkirk” é um dos melhores filmes do ano, uma obra fantástica e brilhante como poucas podem ser. Que ano, senhores... que ano!

5 pontos

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Dica musical: "Estrelado" por Ideias, etc

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Hoje venho com uma dica rapidinha, mas bem legalzinha, de um projeto novinho em folha, vindo diretamente do selo alternativo mais preguiçoso do Brasil, a Nap Nap Records.

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Ideias, etc é um projeto musical de Evandro Depiante e em 17 de julho, ele lançou o álbum “Estrelado”, recheados de sons idílicos e com forte influência dos projetos mais experimentais do indie-rock dos últimos anos. O álbum segue uma estética lo-fi, com um forte apelos aos instrumentais ao longo de toda a sua projeção.

Intencional ou não, o lo-fi acaba ajudando o álbum em sua temática experimental, pois a confusão, o ambiente mais obscuro e labiríntico criado acabam servindo para jogar o ouvinte para o universo todo único de “Ideias, etc”.

[bandcamp width=100% height=42 album=2578722650 size=small bgcol=ffffff linkcol=0687f5 track=253882614]

No entanto não é um álbum difícil de se escutar, como seria de se esperar de algo mais experimental. Muito pelo contrário, é um álbum fácil de escutar, não é muito longo (apenas 8 músicas e nenhuma chega aos 3 minutos), além de haver momentos mais melódicos em toda a sua extensão, com ritmos baseados em guitarras e, de certa forma, mais dançantes.

O álbum em seu todo é bem simples, mas rende uma boa escutada, sendo uma surpresa muito legal do que o indie rock brasileiro pode nos oferecer.

3 pontos e meio

terça-feira, 15 de agosto de 2017

Dica literária: "Confissões" de Santo Agostinho

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Uma das minhas leituras mais rápidas de todos os tempos, não por se tratar de um livro curto, mas por se tratar de um livro maravilhoso – não! Maravilhosíssimo – e cuja leitura não se pode parar, simplesmente. É um livro que, quando você menos espera, já leu quase 100 páginas num dia.

“Confissões” é considerado a primeira autobiografia da história ocidental. Escrito no século IV pelo então bispo de Hipona, Santo Agostinho, conta a sua história de conversão, além de fazer elaboradas considerações filosóficas acerca dos textos bíblicos. “Confissões” segue o sentido mais puro da palavra confissão, não é apenas um livro para liberar a alma de Agostinho do peso de seus pecados do passado, mas é também uma conversa sincera com Deus, um enorme momento de honestidade.

Dividido em 13 livros, os 10 primeiros são a parte biográfica, de fato, começando ainda na infância e se estendendo até meados dos 30 anos do santo, narrando fatos de sua infância, momentos que ficaram marcados em sua vida, pecados (alguns exagerados, mas outros bem justos), seu relacionamento com uma mulher, a morte de seu pai, se envolvimento com cultos pagãos, seu período de aprendizado com diversas correntes filosóficas e, principalmente, seu relacionamento com sua mãe e o relacionamento dela com a religião católica. Agostinho traça uma clara linha de conversão que se inicia ainda em sua infância e só se concretiza quando ele já é um homem formado, o que pode parecer um pouco forçado, mas é um modo interessante de ver a vida, assumindo que Deus sabe de tudo, então nada que acontece em nossa vida, nem mesmo os pecados, acontecem à toa.

Os últimos 3 livros são análises filosóficas, continuam a conversa de Agostinho com Deus, mas nesses livros ele se concentra em debater pontos da fé, através de uma luz racional, encontrando explicações para grandes questões fundamentais da filosofia ocidental e deixando outras em aberto.

Para quem é católico, esse livro é um deleite. É fantástico acompanhar a vida tão falha de uma figura colocada num pedestal tão alta que acabamos nos esquecendo que ele também foi um ser humano como nós. Para quem se interessa por filosofia, o livro vai lhe dar ótimas elucidações sobre questões que você provavelmente debate consigo mesmo quando deita a cabeça no travesseiro à noite. E se você não é nem religioso, nem se interessa por filosofia, mas se interessa por literatura, esse é um ótimo documento acerca de biografias e em certos momentos Agostinho chega a elaborar pontos estruturais para esse novo gênero que ele estava criando.

A edição que comprei foi a da Penguin-Companhia e como é de se esperar, está ótima. O acabamento segue o padrão dos outros livros do selo da editora e que é fantástico, as páginas não são grossas, o livro pode ser levado pra qualquer lugar e não fica todo amassado e é raro encontrar um livro desses “dobrado”, com aquela curvatura irritante que ficam nos livros quando eles não descansam numa superfície reta.

De fato, eu não consigo pensar num ponto ruim acerca deste livro, apesar de ter conversado com algumas pessoas que o criticaram de diversas maneiras, seja sobre a vida do santo filósofo, seja sobre a própria filosofia de Santo Agostinho. Eu, pessoalmente, gostei muito.

Enfim, “Confissões” é um livro fantástico, altamente recomendado àqueles que são católico, se interessam por filosofia ou simplesmente gostam de uma boa literatura.

5 pontos

domingo, 13 de agosto de 2017

Dica especial do Dia dos Pais

Em mais um post especial para o dia dos pais, esses senhores tão importantes na vida de todos nós, falarei de um filme que nos apresenta um dos melhores pais que o cinema já viu.

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“A vida é bela” é um filme assim como “Cantando na Chuva”, nós aparentemente conhecemos muito do filme, mas quando o assistimos pra valer, nos surpreendemos e ambos têm muito mais semelhança do que parece. Assim como “Cantando na chuva”, “A vida é bela” é um filme engraçado, mas apenas nos lembramos das cenas escuras no campo de concentração e Josué em cima do tanque de guerra estadunidense no final do filme.

Foge da nossa memória coletiva toda a primeira hora do filme.

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Primeira hora que nos apresenta um pouco da crítica social que nenhum filme que retrate o período da segunda guerra mundial pode escapar, mas de forma bem-humorada, inteligente e singela.

Mas vamos à história, que todos conhecem. Somos apresentados à Guido Orefice, um jovem de descendência judia que tem a ambição de abrir uma livraria numa pequena cidade da Itália. Após um acidente de carro inusitado, ele conhece Dora e o que se segue é uma série de desventuras que levam os dois a se aproximarem, até que decidem se casar e juntos têm um filho, Josué. No final da segunda Guerra Mundial, Guido e Josué são enviados a um campo de concentração e, desesperada, Dora corre atrás deles, sendo enviada para o mesmo campo, porém na ala feminina. Para não desesperar o filho, Guido, muito genioso, característica explorada ao longo de toda a primeira do filme, inventa uma história, transformando toda a sua passagem pelo campo de concentração num enorme jogo e que só acaba quando alguém conquistar mil pontos, recebendo, como prêmio, um passei de volta pra casa num tanque de guerra.

A história é comovente, mas eu gostaria de me centrar em sua primeira hora, que abre espaço para uma discussão muito interessante. A começar pela escolha narrativa de seus criadores. A história, apesar de bem-humorada, carrega um ar pesado em toda a sua projeção. Guido não é rico, chega de viagem para uma vila pequena onde tem o sonho de abrir uma livraria, mas de início não consegue a permissão da prefeitura e vai trabalhar de garçom para o seu tio. Suas peripécias são medidas eficientes de abrandar a dureza da vida, presente em todos os momentos de sua trajetória ao longo do filme, de se ver forçado a pegar carona no carro velho do amigo, porque não tem condições de ter o próprio veículo ao modo como ele lida com os clientes do hotel onde trabalha.

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Tudo isso reforça a personalidade de Guido, o personagem principal dessa história, ele é o herói do filme no sentido mais literal que se pode ter dessa palavra. De forma alguma, ele segue o ideal grego de herói, mas é um legítimo herói moderno, o herói do século XX e isso é belo. Guido é um exemplo de homem que luta contra todas as adversidades da vida com a cabeça erguida, ele erra e aprende, iniciando de novo, falha, aprende e recomeça.

Não se contentando em nos apresentar um exemplo de masculinidade para a vida, o filme ainda nos apresenta um exemplo de capitalista para a vida. Guido é um empreendedor nato, buscando apenas montar o seu próprio negócio e enriquecer de forma honesta, sem criar contatos com as figuras do Estado, sequer subvertendo-as para o seu próprio benefício. Muito pelo contrário, na cena em que ele busca a permissão para abrir uma livraria, ele até tenta manter o funcionário público na linha, dizendo que ele está saindo do emprego 10 minutos mais cedo, tempo que poderia ser usado para assinar a permissão. Ele faz tudo nos conformes da lei e mesmo que seja passado pra trás ou seja derrubado pela burocracia não desiste e anos mais tarde, com o seu filho já crescido, vemos um Guido que é dono de seu próprio negócio, uma pequena livraria.

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Fora isso, é um amante nato. Dora, sua desejada, é uma mulher de classe superior, mas ela cai no charme de Guido, que a surpreende, a entretém e a protege. Esse lado do herói é explorado em outros momentos do filme, mas logo no começo já abre espaço para vermos que Guido domina todos os 4 arquétipos da masculinidade: o mago, o amante, o guerreiro e por fim o rei. Na cena do jantar, vemos o guerreiro em atividade quando, no meio de todos, logo após o anúncio do noivado de Dora com um servidor púbico (o mesmo que negou assinar a permissão que Guido precisava), o nosso herói a rouba de seu noivo, de sua família e daquela festa enfadonha, levando-a consigo para uma vida mais simples, porém mais feliz. Nem sempre a arma de um guerreiro é uma espada, mas aquilo que vence uma guerra.

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O bom humor de Guido já é um aspecto que demonstra o quão bem ele domina o rei, mas é na segunda metade do filme que vemos esse aspecto no seu ápice. Ao enfrentar a opressão nazista com tanta inteligência e desenvoltura, fica claro que ele não é um homem qualquer, mas o homem, conseguindo manter acessa a paizão de sua esposa mesmo a distância e mantendo o filho longe da podridão do mundo, chegando ao ponto de se sacrificar para isso.

“A vida é bela” é um clássico absoluto. Sendo filho de uma professora de história, cresci com esse filme e sempre o considerei quase como uma parte de meu corpo (assim como Gladiador), mas só agora é que pude captar significados escondidos por baixo dos panos e admirá-lo como ele deveria ser admirado. Um filme exemplar, uma obra muito bem construída e desenvolvida, “A vida é bela” é o filme perfeito para você assistir com o seu pai hoje.

5 pontos

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Dica musical: "Dear" de Boris (2017)

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E os maiores gigantes do doom metal voltam com mais um álbum, dessa vez, uma carta de agradecimento a todos os fãs que acompanham sua prolífica carreira há anos.

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Com a chegada dos 25 anos de estrada, Boris, a banda japonesa de doom metal mais bem sucedida (provavelmente) e mais prolífica (com certeza), anunciou sua aposentadoria. Um fato triste, mas que viria acompanhado de um álbum, “Dear”. Das sessões de ensaio da banda para a criação do álbum, surgiram 3 álbuns diferentes, “Urban Dance”, “Warpath” e “Asian”, todos lançados no mesmo ano de 2015 e que juntos apresentavam adições interessantes ao catálogo da banda, músicas de stoner metal, doom, drone, sludge e mais uma porrada de outros gêneros que você esteja interessado, mas que no final é tudo rock pesado para cabeçudos, no entanto, o resultado não parecia satisfatório para a banda.

E então, eles descobriram que ainda tinham fôlego para mais coisa e decidiram começar a gravação de “Dear”, dessa vez com um objetivo em mente, criar uma obra que funcionasse como uma carta de agradecimento aos seus fãs, um álbum que os fizesse ter orgulho de serem fãs de Boris.

O resultado é um álbum lento, pesado e cheio de letras que questionam a posição da banda na longa trajetória que eles mesmos criaram.

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O som, típico do doom metal, é cansativo e pode ser entediante, mas é uma viagem que vale a pena pelas pequenas pérolas brilhantes que você é capaz de encontrar aqui e ali nas canções. Em sua maioria as músicas consistem de longos acordes de guitarra sendo tocados exaustivamente repetidas vezes com vocais que vairam de intensidade dependendo de quem canta (pois os três membros atuam como vocalistas na banda), podendo ser mais escandalosos, singelos ou simples. E de vez em quando, você encontra resquícios melódicos nas canções. Apenas “Absolutego” é uma canção genuinamente melódica e ainda assim ela termina de maneira bem lenta e pesada.

Um retorno às origens, pois foi assim que Boris começou antes de descabeçar completamente e virar uma banda experimental que chegou até a lançar álbuns pop que fariam Hatsune Mike ficar com inveja.

O álbum pode até ser chato, mas vale a pena por ser a forma de expressão que a banda encontrou para demonstrar o carinho que sentem pelos seus fãs. Recomendo.

4 pontos

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Dica musical: "Dark Glow" do Choir Vandals (2017)

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Se você gostou de ser levado para uma viagem nostálgica pelo indie dos anos 2000 com “Sick Scenes”, lançado no início do ano, então este é o álbum para você ouvir nesse meio de ano, mas “Dark Glow” não irá te levar aos anos 2000, mas a um período anterior, o indie rock triste dos anos 90.

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Formada em 2013 na cidade de St. Louis, Missouri, Choir Vandals é uma banda de indie rock que lançou 4 EP’s antes de anunciarem o lançamento de seu álbum de estreia, “Dark Glow”. E como o nome deixa claro, esse é um álbum obscuro, mas com uma luz no fim do túnel.

O som deles é interessante, pois não é depressivo, como a grande gama de bandas que se encontram no revival do emo dos últimos anos. Ainda assim, o som deles é melódico, induzindo a introspecção e com um cansaço presente em cada acorde que te faz lembrar de The Smiths, Pavement e outras tantas bandas indie do final dos anos 80, início dos anos 90.

O próprio vocalista da banda, com um barítono cansado, lembra um pouco o Morrisey, de longe, mas eu lembrei bastante do The Kooks, nos seus melhores anos e sem a batata entalada na garganta.

As músicas, recheadas daquele tom confessional, mas sem entregar muito típico das bandas que estavam saindo da esfera do punk e criando algo de novo, são carregadas de repetições de versos e arrastamento de sílabas. Em determinado momento do álbum, uma música começa com um discurso acerca de Hiroshima e o que prossegue é uma música com acordes irônicos que lembram uma canção havaiana, vocal cansado e dá quase pra ver a banda tocando num bar com uma meia dúzia de indivíduos mal acabados, bêbados, sem esperança, a espelunca caindo aos pedaços, com garçonetes feias e um barman pior ainda.

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Mas não é um mero revival sem graça, pois assim como “Sick Scenes” no início do ano, o Choir Vandals são frutos de uma geração que cresceu com internet e consomem de tudo um pouco, então o som deles contém elementos que as bandas indie dos anos 90 nem sonhavam em usar, no caso deles, trompetes.

Enfim, “Dark Glow”, assim como “Sick Scenes” não é nenhuma nona maravilha do universo, mas é um álbum bem legal de se ouvir, uma obra interessante e, ouso dizer, necessária para os dias de hoje, em que nossos exemplos bons musicais tem se tornado tão escassos e desonestos.

3 pontos e meio

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Dica Literária: "Meridiano de Sangue" de Cormac McCarthy (1985)

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Finalmente li um dos livros mais surpreendentes e escabrosos já feitos no século passado, considerado por H. Bloom um dos 4 livros americanos que alcançaram o reino do sublime, eis que finalmente indico “Meridiano de Sangue”!

O livro conta a história de Garoto (The Kid, no original), um garoto que foge de casa aos 14 anos e descobre em si uma propensão a violência. Aos 19 anos, ele se envolve com Glanton e seu bando, que vivem no sudoeste americano caçando escalpos e vendendo-os e exibindo-os por aí como troféus. Acompanhamos o crescimento de Garoto no violento oeste americano, suas caçadas por escalpos de índios, mexicanos e negros, seu relacionamento com os membros da gangue; principalmente seu medo pelo Juiz e sua quase amizade com Tobin, o ex-padre e, por fim, o desmantelamento do bando e a subsequente queda de Garoto.

Aqui já vale o aviso; não é um livro para qualquer um, nem para qualquer momento. Se você se encontra num momento meio negativo de sua vida ou se não adentrou por águas literárias mais profundas, não vale a pena ler “Meridiano de Sangue”, por que este é um livro que exige muito do leitor. Sua leitura é um desafio. Primeiro, por causa de um de seus temas principais, a violência, da primeira a última página, o livro é recheada de cenas de barbaridade, violência gratuita, ataques a integridade humana tanto física quanto psicológica, é sério, tem de tudo aqui e num determinado ponto do livro, você se pega feliz por só ter lido sobre escalpamentos e assassinatos a sangue frio até ali. Se eu estivesse num momento meio ruim da minha vida, como uma crise de depressão, por exemplo, esse livro com certeza não teria feito bem para mim.

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No entanto, não me encontro num momento assim, ao contrário, me encontro num momento que o livro acabou me fazendo bem. Por um série de acontecimentos, me vi forçado a rever alguns pontos da minha vida, atitudes e discussões que tomei nos últimos meses, chegando a conclusão de que estava sendo consumido pelo meu lado agressivo, estava cavalgando tempo demais o Cavalo Vermelho e sendo tomado pelo Guerreiro. Ao me defrontar com tanta violência inconsequente pude parar para meditar um pouco sobre minhas ações após cada sessão de leitura. Ao mesmo tempo não me encontro numa fase inicial de leitura, muito pelo contrário, me sinto cada vez estimulado a adentrar em águas mais profundas da literatura e a estrutura de “Meridiano de Sangue”, apesar de desafiadora, não me deteve.

Explico: “Meridiano de Sangue” não é constituído de uma narrativa típica do jeito que você encontra em livros mais comerciais, tampouco é completamente disruptiva, como um “Graça Infinita” da vida; ele se encontra meio que num meio termo, onde o autor teve uma intenção muito nobre de fazer o leitor se envolver pelo universo que ele decidiu criar, escrevendo o livro da forma mais rústica possível sem parecer um iletrado. O livro não contém sinais de pontuação, mescla palavras para simular o estilo de fala do caipira estadunidense e quase não tem diálogos e quando tem, não há marcações para eles. Isso afastaria qualquer um do livro, mas a história poderia se sustentas sem isso, o que prende a sua atenção e esse recurso estrutural acaba servindo apenas para uma maior imersão do leitor no universo apocalíptico de Cormac McCarthy.

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Por falar em apocalíptico, esse é, de fato, um livro apocalíptico. O niilismo é forte em todas as suas páginas, a estrutura narrativa lembra muito a narrativa bíblica (e estou falando de estrutura mesmo) e o final é desolador. A não ser que você o interprete sob o ponto de vista da Teodiceia, que busca explicar o mal num mundo criado por um Deus todo poderoso e benevolente, como o da Bíblia. Aqui vai um pequeno spoiler: A morte dO Garoto não é mostrada no livro, mas tudo indica que ele, de fato, morreu. Em contrapartida, o ex-padre não. Não somos apresentados ao seu destino e sequer há indicações de sua morte, ele simplesmente some da narrativa, o que pode ser interpretado como a sua sobrevivência. Seria coincidência que apenas o seguidor de Jesus Cristo acabaria sobrevivendo?

Cormac McCarthy atingiu um grau de excelência fantástico com esse livro, não apenas do ponto de vista estrutural, como também criativo, ele é sútil em suas conexões externas, ao mesmo tempo em que é visceral, bruto e sujo. Um livro para ser revisitado diversas vezes.

4 pontos e meio

terça-feira, 1 de agosto de 2017

Dica musical: "Reflections of a Floating World" do Elder (2017)

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O primeiro grande álbum de Doom Metal saiu e agora está passando da hora de escrever uma dica para esse álbum.

“Reflections of a Floating World” é o quarto álbum da banda Elder, uma banda que surgiu como um projeto para “homenagear” o Conan, mas acabou se distanciando disso e virando uma banda muito competente, que atrai desde ouvinte mais novos e alternativos até metalheads insuportáveis. Não conheço os outros projetos da banda, então não posso compará-los com esse álbum, mas posso fazer uma pequena análise dele aqui.

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O álbum é um doom metal, apenas por uma questão técnica de classificação, pois seu som é muito mais diverso do que a maioria dos álbuns de doom metal por aí. Pra começar, Elder puxa muitas influências de outras vertentes de metal, há momentos com extensos solos agudos de guitarra e outros com riffs pesados que fazem qualquer cabeludo balançar a cabeça, no entanto, há muito mais do que a cena do metal atual pode oferecer.

Essa banda não tem medo de caminhar por terrenos tortuosos, que podem fazê-los serem classificados como traidores do movimento, eles não são uns puritanos do metal. Há uma vasta gama de instrumentos usados, de percussão até teclados, além de parecer haver a sobreposição de guitarras, são dois guitarristas que formam a banda, mas em alguns momentos há mais de dois sons de guitarra sendo tocados ao mesmo tempo, ou pelo menos, é o que parece.

Eles também não têm medo de repetir sons, criando longas sequências de riffs e notas que criam a atmosfera épica do álbum. Esqueça toda a firula dos metaleiros “virtuosos”, esse aqui é álbum de gente grande, que sabe o poder que tem em mãos e não precisa ficar se exibindo a todo momento.

Os vocais são secos, com efeitos, mas poderosos, dando aquele toque final para a atmosfera épica que a banda pretende criar.

E por falar em atmosfera, porque não ir direto a ela? O álbum não tem uma história montada sendo contada para nós, mas as melodias, os instrumentos e a dimensão que cada música alcança, a maioria passando dos 10 minutos e cheia de longas sequências instrumentais, criam uma atmosfera épica, que se encaixaria em qualquer filmes de guerra ou ação medieval, enfim, é o típico som que te faz viajar para lugares distantes, enquanto balança a cabeça, mas sem todo o puritanismo de um Bling Guardian da vida, eles são abertos a inovações musicais e isso apenas amplia o seu repertório.

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O tema central do álbum tem algo a ver com criação e destruição sob um ponto de vista filosófico japonês, mas ficou fora do meu alcance para eu poder criar uma opinião sobre isso, talvez os mais cabeçudos encontrem ainda mais material a ser admirado nesse álbum, mas eu me contento com o poder melódico que esse álbum tem.

É um álbum longo, apesar de conter um número pequeno de músicas, passa de uma hora e tem só 6 canções, mas é gostoso de ouvir, cada música se encaixa na próxima e ele todo progride como um evento só, principalmente se você escutá-lo com um bom programa de áudio que não vai deixar aquelas transições silenciosas entre uma música e outra.

Enfim, “Reflections of a Floating World” é um álbum excelente, com potencial pra entrar na lista de melhores do ano e sendo um adversário à altura para o Boris na disputa pelo melhor álbum de doom metal do ano.

4 pontos e meio