quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Quadrinhos não são literatura!

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Preparei ontem uma dica de um dos melhores mangás que li na minha vida, provavelmente o melhor mangá da década e, sem sobra de dúvida, um dos melhores da história e o nome do post começava com “dica quadrinística”. Esse post ainda está por vir, mas eu acho que vale a pena explicar porque a minha mudança de opinião acerca da classificação de quadrinhos aqui no blog.

Complementando um post que fiz no “Locadora TV” tempos atrás, decidi escrever esse post aqui mostrando que quadrinhos, ao contrário do que muita gente pensa, não é literatura.

Temos essa concepção de que quadrinhos são literatura porque apenas nos cursos de letras nas universidades brasileiras são estudados quadrinhos a sério. No entanto, o mesmo não ocorre nas universidades em outras terras, como no Canadá ou na Inglaterra, onde também são feitos estudos acerca de quadrinhos, mas pelo fato dos cursos superiores nessas terras serem menos formalizados do que aqui, as matérias que estudam quadrinhos são mais “livres”. Não são cursos de literatura ou mesmo que pertencem ao estudo de línguas, são cursos de artes, simplesmente.

E é isso que quadrinhos são: arte, simplesmente.

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Quadrinhos sequer surgiram dentro do ramo da literatura. A publicação de quadrinhos em livros e sua venda em livrarias é um fenômeno recente, se você parar pra pensar. Não é algo antigo, nem foi pensado quando essa forma de arte surgiu, que sequer surgiu como uma forma de arte. Os primeiros quadrinistas nunca tiveram a intenção de criar algo que tivesse a longevidade de uma obra de arte típica, afinal, obras de arte surgem com diversos propósitos, mas um que é unanimidade em todas elas é a de permanência. Todo artista cria sua obra de arte para durar, é uma forma de imortalidade.

Aqui vale uma digressão: muitas formas de arte moderna rejeitam essa ideia, dizendo que a arte não é feita para durar, mas deve existir por um momento, tocar quem tiver contato com ela e sumir logo em seguida. Isso é besteira e eu posso criar um post mais à frente para debater isso, mas tenha algo em mente, quem nega a imortalidade da arte está, na verdade, destruindo a arte. Existem artes performáticas, que só existem dentro de um espaço de tempo bem definido, como o teatro ou apresentações de música, mas elas são um caso à parte, pois utilizam de um meio para existir que não permite a sua durabilidade no tempo, mas mesmo dentro dessas formas de arte, sempre existiu a necessidade de se criar uma forma de imortaliza-la, peças de teatro eram escritas com todos os detalhes de como se interpreta-las e músicas também. Hoje em dia ainda temos o auxílio do vídeo, portanto esse papo modernista é a maior furada!

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Enfim, quadrinhos surgiram meio que por acidente e têm sua origem numa espécie de necessidade de mercado, com tiras de jornal, feitas para serem consumidas ali, aliviar o peso das notícias de todo dia e não com uma grande intenção artística por trás. Ao contrário dos grandes artistas de eras antigas, os quadrinistas nunca fizeram quadrinhos para honrar a Deus, nunca foram apadrinhados por grandes amantes das artes como os renascentistas e nem queriam fazer uma crítica social foda, como os revolucionários. Era simplesmente entretenimento.

No entanto, assim como tudo que começa a dar dinheiro, foi, com os anos, virando terreno de gente grande e passou a ser levado a sério, aí que surgem os quadrinhos mensais, semanais e, posteriormente os compilados. Mas é só com Will Eysner que quadrinhos entram para o mundo da arte, de fato, com suas inovações narrativas, mesclando texto com imagens. Algo que já era feito em livros ilustrados, ainda literatura, mas, ao contrário dos livros ilustrados, as imagens não estão ali, nas páginas, apenas como uma forma de descrição do que está sendo narrado em texto, mas complementam o texto.

Faça um exercício de pensamento rápido: você consegue ler “Alice no país das maravilhas” sem as ilustrações de Lewis Carrol? Mas e “Um sinal do espaço”, é possível ler esse livro sem as imagens?

Acho que as respostas são claras.

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Quadrinhos utilizam o meio da literatura e até mesmo elementos literários para contarem suas histórias, narrativas e são muito próximos, no entanto não pode ser considerado literatura, porque utiliza-se de outros elementos para contar suas histórias, não apenas as imagens, mas balões de fala, onomatopeias e a disposição das imagens na folha, todos esses elementos são utilizados para contar uma história num quadrinho. Elementos que passam muito além da alçada de um literato ou crítico literário qualquer.

Como um literato pode compreender a importância de Jim Steranko para os quadrinhos? É fácil entender a importância de Alex Ross, todo mundo compreende, mas Jim Steranko é considerado tão importante quanto, mas por quem? E por quê?

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No caso, é por causa da arte, mas não é um crítico de literatura qualquer que pode entender isso, não é algo que se aprende em cursos de letras. De fato, quadrinhos se encontram numa esfera isolada, não é nem numa intersecção entre literatura e artes visuais, é simplesmente algo diferente, quadrinho não é literatura, quadrinho é quadrinho.

E é por isso que eu me arrependo de ter afirmado o contrário por tanto tempo nesse blog, eu errei e quem não erra? Mas durma tranquilo, nobre leitor, pois a partir de agora teremos no blog as “dicas quadrinísticas”.

 

Valeu, falou.