quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Dica curtística: "Blade Runner Blackout 2022" (2017)

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Essa dica é tão importante que cria uma categoria só para ela, “Blade Runner: Blackout 2022” é o primeiro trabalho de Shinichiro Watanabe desde Space Dandy e não decepciona, muito pelo contrário, só impressiona.

“Blade Runner: Blackout 2022” faz parte da campanha de promoção do filme “Blade Runner 2049”, que conta com 3 curtas além das táticas comuns de mercado (trailers, teasers, propagandas, brindezinhos, enfim... você entendeu). Junto com “2036: Nexus Dawn” e “2048: Nowhere to Run”, esse curta explica um pouco do pano de fundo por trás de “Blade Runner 2049”, onde os replicantes não são mais feitos pela corporação Tyrell, mas sim pela corporação The Wallace, mais de uma década depois da proibição da produção de replicantes. E este curta, dirigido pelo Shinichiro Watanabe explica exatamente os eventos que levaram a essa proibição, um blecaute orquestrado por um grupo de replicantes com apoio de um humano infiltrado no governo.

O curta tem pouco mais que 10 minutos, mas já é o melhor anime que você vai assistir esse ano. Ele mescla momentos de arte mais detalhada (e mais “travada”, diga-se de passagem) com uma arte mais fluida e rascunhada, da mesma forma que o curta dirigido por Watanabe para o “Animatrix” foi feito. A medida, tomada para acelerar o processo de produção do desenho e diminuir os custos, é arriscada, mas não mãos certas funciona muito bem. Em nenhum momento o curta tenta se passar por uma super-produção, desde o começo sabemos que ele contará com limitações e a arte acaba sendo um charme, até porque em seu final, ela se apresenta soberba.

A trilha sonora, orquestrada por Flying Lotus junta essas duas mentes, realizando o sonho de qualquer fã de boas animações. Há anos que o Flying Lotus trabalha em conjunto com o Adult Swim e nada mais justo que ele ganhar espaço junto a um trabalho de Shinichiro Watanabe, que eu não duvido estar de olho no cara há muito tempo.

A mente de Shinichiro Watanabe é misteriosa e nunca sabemos realmente quais serão seus próximos passos, mas ele anda flertando com o ocidente de maneira vigorosa há um bom tempo e quem sabe o que o futuro nos reserva?

Eu não sei, mas estou animado para descobrir.

Quanto a Blade Runner, não resta dúvidas, esse é o melhor curta dentre os 3, apresentando de forma concisa e esclarecedora fatos para o desenvolvimento do “folclore” da franquia. Apesar de ser um curta animado, ele é classudo e imponente, construindo uma forte narrativa, envolvente e séria, que te deixa, de fato, com vontade de conhecer esse projeto que é “Blade Runner 2049”.

4 pontos e meio

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Dica cinematográfica: "Em ritmo de fuga" (2017)

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Estava animado para esse filme, afinal é de um dos melhores diretores de filmes da atualidade, Edgar Wright, um cara que, assim como Peter Jackson, começou no trash e assim como Christopher Nolan, consegue ser autoral e trabalhar com grandes estúdios. Uma figura rara.

Em “Ritmo de fuga” conhecemos Baby, um motorista de fuga para um grande figurão do crime, que vive com fones de ouvido para superar um problema de ouvido que conseguiu num acidente de carro. Baby segue nessa vida, pois tem uma dívida com esse figurão e quando conhece Debora, uma garçonete, encontra uma motivação para quando finalmente quitar sua dívida, mas ele acaba descobrindo que uma vez dentro do mundo do crime, a saída é muito mais difícil do que se imagina.

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O filme é basicamente o trailer de “Blue Song” expandido e é simplesmente fantástico. É um desses raros filmes que misturam gêneros de forma magnífica, no caso, musical e ação. É um filme de ação por motivos óbvios, inclusive é vendido como um filme de ação, mas acima disso, é um musical (assim como Scott Pilgrim). É um musical, pois a música é a parte mais importante do filme, é a cola que liga todas as cenas, momentos, falas, corridas, tiros... enfim, a música é o personagem mais importante e a cereja no bolo é que, quem controla a trilha sonora do filme é Baby.

O filme entre em modo full-meta e toda a sua trilha sonora toca num dos inúmeros ipods de Baby ou nas mixtapes que ele cria. Por que Baby tem um problema no ouvido, ele está sempre de fones de ouvido fora de casa e quando dentro de casa, sempre tem uma caixa de som tocando música. O fato dele viver com um surdo-mudo é apenas mais um artifício para que a música possa ser a figura central no filme todo.

E que música, hein? O filme é recheado de músicas antigas, jazz e disco são os principais gêneros, mas há também rock clássico, funk e rap, dando o tom para o filme e encaixados como personagens aqui através da edição brilhante de Edgar Wright.

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E esse ponto merece um parágrafo próprio. Edgar Wright é um mestre na edição, isso é claro em Scott Pilgrim e é marcante no “Homem-Formiga”, mas aqui ele encontra o seu ápice. Não é apenas Baby que se guia pelas músicas e cada um de seus passos são ritmos, mas toda a ação do filme, das cenas de tiroteio às cenas românticas.

Entendo que isso possa gerar uma confusão na cabeça de muita gente e acho que é por isso que muita gente se decepcionou com ele, mas esse é o estilo de Edgar Wright, é gostar ou largar e eu gosto e não largo. O cara é foda.

No final, o filme perde um pouco de fôlego, talvez ele pudesse ter se mantido mais fiel à premissa original e tentado ser menos movido a cenas de ação com tiros, mas é apenas os últimos minutos e num filme com quase 2 horas, isso não prejudica.

Enfim, “Em ritmo de Fuga” é um raro filme que mescla a trilha sonora com as cenas, musical e ação na mesma medida, além de ser um ótimo exemplo de título traduzido melhor que o original.

4 pontos

Dica musical: "Good Nature" do Turnover (2017)

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Mais um capítulo de bandas que mudam o seu som drasticamente hoje.

“Good Nature” é o mais recente álbum do Turnover, essa banda que eu tanto gosto e que começou como uma banda de pop-punk/emo, que surgiu logo após a onda de bandas hardcore como Title Fight, La Dispute, Touché Amoré e Basement, mas que só conseguiu ganhar expressividade com o lançamento de seu segundo álbum, um CD recheado de melancolia, desespero e amargura, mas usando uma sonoridade mais expansiva, até mesmo onírica, com influência do new wave, principalmente, só que sem as firulas eletrônicas que me fazem ter aversão ao gênero.

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Em “Good Nature”, o Turnover se distancia mais uma vez do seu álbum anterior, criando canções com uma atmosfera mais calma, muitas notas agudas, ritmos guiados pelo baixo e melodias mais alegres. Enquanto que “Peripheral Vision” (o segundo álbum da banda) era sobre atravessar um momento difícil na vida, “Good Nature” é uma resposta a esse momento, é sobre descobrir a beleza da vida, aproveitá-la e voltar-se para a natureza.

Austin Getz, o vocalista, é também o líder da banda e grande orquestrador dos temas que envolvem o álbum, diz isso em entrevistas, que este álbum é sobre encontrar respostas e se estabelecer. O cara deu uma reviravolta na vida, mudou-se para a Califórnia e virou vegano, ou seja, virou um otário, mas pelo menos continua com o senso artístico ativado e acabou criando algo legal.

“Good Nature” perde feio para “Peripheral Vision”, que apesar de ser um álbum muito triste, é muito bom. Já “Good Nature” é meio simplista demais, não tem tanta consistência e deixa a desejar em muitos momentos. Ainda assim, vale a dica por ser um álbum legal, gostoso de se escutar, com seus grandes momentos, a maioria deles longe do refrão e próximos do começo das canções, que é quando o baixo dá o ritmo e todos os instrumentos o acompanham, criando melodias gostosas de se escutar, mas que, infelizmente, não encontram continuidade no refrão.

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Enfim, não vá escutar “Good Nature” esperando uma maravilha de álbum, mas vá escutá-lo com a mente aberta, esperando encontrar ritmos que ficam na sua cabeça por várias semanas, refrãos chatos e  um sentimentalismo de dar raiva.

3 pontos

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Dica cinematográfica: "O amigo da minha Amiga" (1988)

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E o Rohmer fez de novo. Finalizando a sua série de “Comédias e Proverbos”, ele criou esse incrível diamante romântico chamando “O amigo da minha amiga”.

De um casual encontro durante o almoço, Blanche se torna amiga de Lea, que namora Fabien e quando as duas amigas encontram Alexandre, Blanche demonstra interesse e a partir daí temos um belo conto moral sobre relacionamentos, a volubilidade do ser humano e, claro, a solidão.

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“O amigo da minha amiga” se tornou um dos meus filmes favoritos. Sua narrativa é guiada de forma magistral, com a apresentação cadenciada de cada um dos personagens antes dos conflitos começarem a aparecer. Todas as ações ocorrem de forma natural, orgânica e por esse motivo, o filme acaba sendo muito crível.

O tratamento que Rohmer dá aos seus personagens é humano e realista, mas a história não deixa de ser romântica, como é de se esperar de um diretor que fundou sua carreira em bases cristãs. Nada no filme é muito transgressor e isso é ótimo, porque é a vida como é ou deveria ser. Rohmer é um romântico, no entanto, também é um diretor do século XX, portanto, ele é deslocado, assim como seus personagens principais, e suas histórias, essa principalmente, pode revoltar alguns “revoltados contra o sistema”, mas para os que tem um mínimo de maturidade, o filme é um deleite.

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A direção só reforça isso. Com um cuidado extenso aos detalhes, às imagens e à composição de cada cena, Rohmer nos agracia com um espetáculo de cores, movimentos de câmera e cortes. Ele sabe o que faz e faz muito bem e aqui nesse filme, em especial, ele se encontra no seu ápice, vale lembrar que esse filme já caminhava para o final da carreira do diretor, então todos os experimentalismos que ele ousou colocar nas telonas em filmes como “A colecionadora” e “A mulher do aviador” estão aqui, mas com menos intensidade. Aqui, o diretor encontra o seu equilíbrio.

Não poderia deixar de elogiar os atores e atrizes. Não sei qual era o relacionamento de Rohmer com sua equipe, mas todos estão ótimos em seus papéis, passando mais credibilidade e uma naturalidade notável ao filme. Além, é claro, de serem todos bonitos como o quê!

É claro que não é um filme para todos. Como eu disse lá em cima, não é um filme arroz com feijão, Rohmer deixa impor suas ideias no filme e elas podem não agradar, mas eu gostei demais e por isso tinha que fazer essa dica. A nota, mais uma vez, não podia ser diferente.

5 pontos

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Dica quadrinística: "Sunny" (2010-2015)

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Finalmente eu consegui! Li a última obra publicada pelo mestre dos mangás, Taiyo Matsumoto e traduzida para o inglês pelo fantástico Michael Arias!

Sunny é um mangá de drama slice of life que conta a história de um grupo de crianças num orfanato chamado “Crianças Estelares” (numa tradução livre, o original é “Star Kids”), dentre elas Haruo, um garoto que só se mete em problemas, Kyoko, uma menina gordinha cuja mãe a abandonou para continuar tocando o seu negócio, Megumu, uma menina cujos pais morreram, Junsuke, cuja mãe está doente e Sei, o mais novo membro da casa, que foi deixado lá pela mãe com a promessa de que logo eles estariam juntos de novo. Além de muitos outros personagens cheios de personalidade, animais e até mesmo um carro, que dá o título ao mangá.

Como um mangá slice of life não acontece nada de fantástico nesse mangá, mas é a forma como Taiyo Matsumoto nos guia pela história dessas crianças que faz o mangá ser algo fantástico. A história, de uma maneira geral, é pesada e em alguns momentos lágrimas se formaram em meus olhos, porque é simplesmente muito, muito triste. E é tudo contado de forma seca, sem firulas, panfletagem ou romantismo, é simplesmente a vida como ela é e não tem como você não se sentir abatido pela vida. Acontece com todo mundo e os dramas que as crianças enfrentam são reais, nós, provavelmente, não vivemos esse drama, mas todos sabemos que ele existe e isso apenas faz com que a história se torne ainda mais pesada. No entanto, assim como na vida, há pequenos momentos de retribuição, distribuídos em diversos capítulos e talvez sejam esses momentos que me fizeram devorar os seis volumes e suas mais de mil páginas em 4 dias.

Quando você inicia a leitura, não consegue parar.

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E não são apenas as vidas das crianças que citei que nos são narradas, mas de todos que moram na casa ou compartilham laços com habitantes dela. Temos o dono do local, seu filho e seu neto, como figuras-chave dentro da história, um casal de irmãos adolescentes que moram lá, porque seus pais se perderam na vida, depois de falirem, uma figura bizarra chamada Taro, um homem que anda de shorts o dia todo e parece ter um problema mental que o faz viver em sua própria realidade, comportando-se como se fosse um bebê, o cachorro da casa e, claro, o Sunny, o carro onde as crianças passam extensas horas dentro, imaginando brincadeiras, cantando músicas e sonhando em viver com seus pais, novamente.

Parte da história foi inspirada na infância do autor, que passou um tempo num orfanato, enquanto sua mãe trabalhava na sua carreira de artista e talvez por isso datas sejam tão menosprezadas em Sunny. A história se passa em meados dos anos 70, mas só ficamos sabendo disso através das referências culturais contidas no mangá, como em falas advindas da TV ou nas canções que as crianças entoam pela casa ou que tocam no rádio quando os adultos dirigem. É a obra mais pé no chão do autor até hoje.

O traço de Taiyo Matsumoto atingiu um ápice de excelência nesse mangá, é simples, porém detalhista como em Tekkonkinkreet, estilo e único, como em Gogo Monster, além de utilizar diferentes materiais, como em Takemitsu Zamurai (só que sem abusar do expressionismo visto nesse último mangá). Sinto que ele alcançou o ápice, porque não sei como ele pode melhorar, no entanto, estamos falando de Taiyo Matsumoto, quando menos esperamos BAM! O cara nos surpreende... Sério, a arte é fantástica.

A edição que tenho é a da Viz Media, tive que importar, mas é facinho de acha-la aqui no Brasil. Eu comprei os 4 primeiros volumes na Book Depository e, como sempre, levaram uma eternidade para chegar, mas chegaram todos juntos, ou seja, alegria suprema! Os 2 últimos comprei na Amazon brasileira mesmo e chegaram em uns 5 dias, então a compra não é tão difícil, só o preço que acaba atrapalhando mesmo.

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No entanto, vale a pena, pois além da história fantástico e o traço estupefante de Taiyo Matsumoto, temos uma qualidade que não se vê por aqui na publicação de mangás (talvez – e talvez, porque ainda não conferi – a edição de “Fragmentos do Horror” pela Dark Side chegue nesse nível), capa dura, costura nas folhas, páginas coloridas e só material de primeira qualidade, nada de capa dura que dobra com qualquer coisa e folhas que rasgam fácil ou soltam tinta nos dedos.

É coisa fina.

“Sunny” tem tudo pra ser um clássico absoluto dos mangás (e eu acho que já é), só falta o reconhecimento mesmo. É uma legítima obra de arte que nos convence de que quadrinhos são, legitimamente, uma forma de arte distinta, bela e poética.

5 pontos

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Dica Literária: "O Som e a Fúria" de William Faulkner (1929)

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Aproveitando o embalo do relançamento da sensacional tradução de O Som e a Fúria realizada por Paulo Henriques Britto, senti-me obrigado a reler minha edição da Cosac-Naify comprada em sebo virtual. E afirmo, é a melhor coisa que eu já li.

Se uma coisa pode resumir a experiência de vida minha com O Som e a Fúria seria o célebre final d'a Montanha Mágica(sem spoilers, obviamente):

Será que também desta festa mundial da morte, e também da perniciosa febre que inflama o céu da noite chuvosa, ainda surgirá o amor?

Mesmo que em contextos distintos, a purificação da alma será nosso presente nos dois romances, que posso afirmar uma coisa: estão entre os melhores da história da literatura.

Voltando ao livro: OBRA-PRIMA.

Relendo a obra durante o período de 25/08/2017 e 01/09/2017, percebo várias nuances únicas no texto Faulkneriano. Um bom exemplo é a forma que frases aparentemente soltas nos dois primeiros capítulos do romance já fazem sentido desde o começo da releitura. Os colossais desvios de tempo não atrapalham mais, fazem parte da moralidade e consciência do Benjy e do(do) Quentin; o circo está definido com a(sim, a) Quentin desde o começo, o golfe, a ética, o Jason pai pessimista...
A família Compson se destruiu pela ambição, ganância e amoralidade. Mas certamente uma nova era surgirá.
Dicas básicas para ler essa maravilha.
A primeira parte é narrada pelo autista Benjy, confusa mas possível de identificar pela ordem passado 1-passado 2-presente dessa maneira: Versh/árvore, T.P/casamento e Luster/circo/golfe.
A segunda é pelo depressivo intelectual Quentin, com a metáfora do tempo perdido e da rebelião ao pai; o Quentin foi o personagem com o qual eu mais me identifiquei. Na primeira leitura foi de uma dificuldade absurda, agora consegui terminar toda essa tragédia com um prazer único. Mostra como uma vida pode passar do infeliz ao inferno. Tem a melhor luta já narrada em um romance, de tirar o fôlego! Quanto mais impulsivo o narrador fica, menos elaborado o texto avançará.
A terceira é fácil, mas tem o chatíssimo Jason narrando e destruindo todos por questões financeiras. É o narrador mais vigarista e de pior índole.
Quarta parte é terceira pessoa e mostra a páscoa, a provável redenção da alma e um réquiem para a família. Nada literal, obviamente.
No final temos um apêndice com o passado e futuro dos personagens principais e citados na obra.
É um texto poético, patético, depressivo, humano e sensível e ganhou após essa minha releitura o título de melhor romance que já li.
Resta discutir eternamente, teria como uma linhagem diabólica de árvores gerar frutos no paraíso?
Questionador e ousado.
Outro bom ponto é a semelhança do texto do Faulkner com uma pintura do Munch, ambos são artistas que distorcem a realidade em favor do sentimento pessoal. É como se cada Compson ou até mesmo 'negro' fossem representações de diversas facetas do autor.
Leitura obrigatória para a vida, ao meu ver.
Todos os protagonistas perdem tudo o que amam; Benjy perde golfe e Caddy, Quentin perde Caddy e o tempo, Jason perde o dinheiro e o caráter(?)... Caddy!Agora vamos para uma sinopse rápida: uma família do Sul dos EUA que anteriormente foi próspera está passando por um processo de pura destruição e melancolia. Uma intrincada narrativa psicológica e labiríntica é feita por três narradores personagens e um em terceira pessoa para contar-nos das causas do réquiem dos Compson. A família inicialmente comandada por Jason Compson III é completamente niilista e violenta, despreza qualquer "raça" ou "ser" tido como "inferior" e com todo o discurso de ódio, começam a se enterrar. O chefe da família casou com a neurótica e desumana Caroline, que é tão ridícula quanto o marido. O que eles não esperavam era o infeliz quarteto de filhos que eles geraram: Benjamin, um autista que sofre humilhações e é jogado junto aos negros servos da família; Quentin, o "orgulho" da família, intelectual mas que ama a irmã de maneira doentia e será o filho que estudará em Harvard por ser o mais velho; Caddy, a única que consegue viver de maneira individual, mas carinhosa e presente com os maninhos dela; e por fim Jason IV, um bagaceiro que necessita de mais e mais dinheiro e é um racista, machista e agressor de primeira linha. Cada um dos três irmãos homens tem uma ligação com a Caddy, seja messiânica, amorosa ou financeira. E com o tempo todas essas narrativas se cruzarão em um majestoso final. De outro lado temos os servos negros, verdadeiros heróis da narrativa, pois tem fé em meio de uma espiral de terror e desespero.

A edição que possuo é a versão de 2009, com papel pólen-soft, capa dura, uma jacket com uma imagem de uma casa pegando fogo(coisa que não aparece no livro, ué), tradução do Britto e conforme o novo acordo ortográfico.

O Som e a Fúria é aquela obra que você deve reler de tempos em tempos, a experiência só melhora.

 

5-pontos

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Dica cinematográfica: "A mulher do aviador" (1980)

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Éric Rohmer é um gênio do cinema, um dos maiores presentes que a nouvelle vague nos deu e, após “terminar” a filmografia de Truffaut, só me resta admirar o trabalho desse absoluto contista do cotidiano.

O filme da vez é “A mulher do aviador” e conta a história de François, um funcionário do correio francês que decide fazer uma visita surpresa a uma garota com a qual ele está saindo, Anne. No entanto, ele não consegue deixar um recado para ela e quem consegue é outro rapaz que está ficando com Anne, Christian. O problema é que Christian é casado e naquela manhã corta os laços com Anne, mas de maneira amigável. Quando François volta à casa de Anne, vê os dois juntos e, cheio de ciúmes discute com Anne. À tarde, por acaso ele encontra Christian, acompanhado de uma loira e decide segui-los. No caminho François conhece Lucie, uma menina de 15 anos que decide ajuda-lo em seu trabalho de “investigação”.

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O filme é o primeiro de uma série de 6 filmes chamada “Comédias e provérbios” e é um típico filme de Éric Rohmer. É um romance que acompanha em detalhes a vida de seus personagens, mas é realista, então não espere um final feliz. Ao mesmo tempo, é também uma história puramente masculina, não só pelo ponto de vista do personagem principal ser o ponto de vista de um homem, mas sua lição final é algo que fala apenas a homens.

Explicar isso seria estragar o filme para quem quer assistir, mas é uma mensagem que um quadrinho muito bom que está sendo publicado atualmente diz; “Lobo Solitário”.

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Como todo filme do Éric Rohmer a atenção aos detalhes técnicos é grande. A direção é excelente, com cortes fantásticos, que não perdem o ritmo quando os personagens conversam e a fotografia é soberba, criando uma atmosfera calma, porém sólida. Algo que influenciou a grande maioria dos romances adolescentes que vemos por aí, mas que não foi tão capturada pelos diretores de hoje em dia.

Este é o primeiro filme dessa série que eu assisti e pretendo terminar logo de assistir todos. Provavelmente são todos igualmente bons, Rohmer nunca desaponta e merece lugar de destaque entre os mestres da nouvelle vague, abaixo apenas do mito Truffaut.

5 pontos

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Dica musical: "Science Fiction" do Brand New (2017)

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2017 é um ano que vai entrar para a história. Não sei para onde estamos indo, mas definitivamente estamos indo para um lugar melhor, em todos os setores e com o mundo da música não poderia ser diferente. Após 8 longos anos, o Brand New retorna, de surpresa, com o que deve ser o seu melhor álbum.

Definitivamente valeu a pena esperar.

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Brand New é uma banda icônica, um clássico dos anos 2000, de uma era que ninguém quer lembrar, mas que influenciou uma porrada de bandas diferentes, que fazem um dos melhores trabalhos no mundo da música, atualmente (exemplos: La Dispute, Title Fight, Touché Amoré, enfim... todas essas bandas de post-hardcore que todos amamos), é também uma das bandas que mais evoluíram na última década, vindo de uma tradição de bandas obscuras de punk e hardcore melódico, responsáveis por solidificar a sonoridade do emo e, a partir do momento em que esse gênero musical passou a ser estigmatizado, o Brand New passou a incorporar outros elementos em sua sonoridade e se aprofundar na proposta inicial lírica do emo, a de criar canções confessionais. Porém, ao invés de continuar chorando a ida da namorada e lamentar o quão dura é a vida de adulta no “opressor mundo capitalista”, o Brand New se aprofundou em filosofias, sociologias e teologia, continuando a se questionar e questionar a vida como um todo, mas de forma muito mais madura.

E é no ápice dessa forma que o Brand New lança “Science Fiction”, um álbum conceitual que explora conceitos de ficção científica para explorar temas reais e íntimos, como todas as melhores obras de ficção científica fazem.

Além do clássico conflito com Deus, que foi o guia em “The Devil and God are Raging Inside Me”, temos uma discussão simples, porém forte acerca do aquecimento global, armamento e até mesmo armas nucleares. O momento é oportuno para um álbum desses. Porém, é difícil encontrar uma base para esses temas no álbum, que é, afinal, um álbum conceitual, que, aparentemente, se passa todo na cabeça de uma paciente com problemas mentais.

Não há uma história que conecte todas as músicas, nem algo que faça com que consigamos formar uma narrativa sólida unindo os poucos personagens que “falam” ao longo do álbum (e falam mesmo, há momentos de spoken word com diferentes vozes), mas há um fio narrativo que liga o álbum todo, onde cenas de bombas nucleares, derretimento de geleiras e “invasões bárbaras” acontecem e nos é apresentado de diferentes formas.

Sonoramente, acredito que este é o álbum mais diverso do Brand New e é um legítimo álbum de “rock alternativo”, uma definição que eu nunca entendi, de verdade, mas é o que melhor explica o gênero desse álbum. Além dos clássicos guitarra, baixo e bateria, temos outros instrumentos como trompete, violão e teclado. O violão, inclusive, é um elemento marcante no álbum, sendo inclusive o guia em algumas músicas.

A produção do álbum está excelente, há sobreposição de guitarras para dar o tom agitado, forte e potente do CD. Em poucos momentos há gritos, mas esses poucos momentos se encontram no final do álbum, o que cria uma unidade na trajetória dele. O ambiente que a produção cria para as músicas é vasto, amplo, tão grande que te engole por inteiro e as letras, introspectivas e sensíveis flutuam acima de você, como nuvens se movendo no céu. É uma tarefa que apenas uma banda como o Brand New poderia executar, porque requer a experiência que só uma banda extremamente influente, com quase 20 anos de estrada nas costas e que ainda se manteve à margem das paradas de sucesso pode ter.

Há anos que a banda anuncia o seu fim em 2018. Há 8 que não lançam um CD novo. Tivemos alguns singles, mas eles não entraram na edição final do álbum. Brand New é uma banda que não se encaixa mais nessa era, de fato. As próprias músicas de “Science Fiction” não são músicas típicas para essa era, não são músicas que te pegam logo de cara, é cansativo escutar o álbum apenas por escutar. Você tem que sentar, esperar e se sentir absorvido pela atmosfera expansiva dele a fim de conseguir admirá-lo. É uma boa forma de se encerrar uma carreira.

5 pontos

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Dica cinematográfica: "De repente, num domingo!" (1983)

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Prometi a mim mesmo esse ano que assistiria a toda a filmografia de Truffaut. Se conseguirei, não sei, mas estou no caminho e nesse caminho acabo descobrindo verdadeiros diamantes, como este filme do qual irei falar hoje.

“Vivement Dimanche!”, ou, na ótima tradução brasileira “De repente, num domingo” é um filme de 1983, o último de Truffaut e uma homenagem a Alfred Hitchcock subvertendo o gênero noir do cinema.

A película conta a história de Julien Vercel, um corretor de imóveis que sai para caçar e quando está para voltar a casa encontra o carro de um amigo. Este amigo fora assassinado naquele mesmo dia e logo todas as suspeitas recaem sobre Julien. Após ser detido e liberado pela polícia, a mulher de Julien é morta também. Ironicamente é Bárbara Becker, secretária de Julien e que havia acabado de se demitir momentos antes da polícia deter o corretor, é a única que acaba acreditando na história do (ex) patrão e vira a protagonista da investigação que se segue.

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O filme é todo em preto e branco e conta com uma excelente trilha sonora regrada a jazz, uma fotografia detalhista e homenagens a Hitchcock nos movimentos de câmera, os enquadramentos e na montagem. É simplesmente inegável isso e é um deleite para os olhos ver um mestre como Truffaut se curvando tanto perante outro mestre.

No entanto, não é um filme perfeito e seu maior problema é a sua própria narrativa. Ela segue todo o padrão de filmes noir clássicos, afinal é a adaptação de um livro também, mas há alguns momentos que acabam confundindo o leitor, como a primeira parte de investigações de Bárbara logo após a morte da esposa de Julien.

O relógio no pulso dela (a esposa) indica que já é meia-noite e mesmo assim, Julien volta para o escritório, encontra com Bárbara, que vai para outra cidade, é atacada num hotel, vai até uma agência de detetives e antes de pegar o ônibus de volta para casa, descobre uma pista crucial numa corrida de cavalos. Tudo isso antes do dia amanhecer, pois ainda está escuro, chove (mas não molha o casaco dela) e ela não trocou de roupa.

Isso ainda me deixa confuso, talvez se eu assistir de novo entenda como tudo se deu, mas sei lá...

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E um momento desses acontece durante a segunda metade do filme, então eu também me pergunto se talvez isso seja intencional e parte até mesmo do livro.

No entanto, agora não sei e considero um defeito, bem grave levando-se em conta que é Truffaut, um gênio do cinema que nunca cometeu erros assim.

Há de se levar em conta também que nessa época ele já estava doente e viria a morrer meses depois de um tumor cerebral. Pode ter afetado a produção do filme? Jamais saberemos. Pior ainda é saber que este filme se encontraria na reta final da carreira de Truffaut, que planejava lançar 30 filmes antes de se aposentar como diretor de filmes e partir para uma carreira literária.

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Foi a primeira vez que fiquei triste com a morte de alguém que não conhecia e alguém que morreu 10 anos antes de eu nascer.

Bem... deixando a tragédia de lado e voltando ao filme, Truffaut consegue subverter todo o gênero noir, mas manter a sua essência, as investigações, o clima soturno e o ritmo acelerado em que as ações correm. É um excelente trabalho de adaptação e inovação cinematográfica. Ele ainda referencia, sem ser óbvio e mantém a sua marca de autor. Uma verdadeira aula para quem ama cinema.

Em suma, “De repente, num domingo” tem os seus defeitos, mas nem por isso deixa de ser um dos melhores filmes na filmografia de Truffaut, que nos deixou esse último diamante, noir e romântica na mesma intensidade, uma verdadeira obra de arte.

4 pontos