terça-feira, 5 de setembro de 2017

Dica cinematográfica: "De repente, num domingo!" (1983)

upkjameo

Prometi a mim mesmo esse ano que assistiria a toda a filmografia de Truffaut. Se conseguirei, não sei, mas estou no caminho e nesse caminho acabo descobrindo verdadeiros diamantes, como este filme do qual irei falar hoje.

“Vivement Dimanche!”, ou, na ótima tradução brasileira “De repente, num domingo” é um filme de 1983, o último de Truffaut e uma homenagem a Alfred Hitchcock subvertendo o gênero noir do cinema.

A película conta a história de Julien Vercel, um corretor de imóveis que sai para caçar e quando está para voltar a casa encontra o carro de um amigo. Este amigo fora assassinado naquele mesmo dia e logo todas as suspeitas recaem sobre Julien. Após ser detido e liberado pela polícia, a mulher de Julien é morta também. Ironicamente é Bárbara Becker, secretária de Julien e que havia acabado de se demitir momentos antes da polícia deter o corretor, é a única que acaba acreditando na história do (ex) patrão e vira a protagonista da investigação que se segue.

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O filme é todo em preto e branco e conta com uma excelente trilha sonora regrada a jazz, uma fotografia detalhista e homenagens a Hitchcock nos movimentos de câmera, os enquadramentos e na montagem. É simplesmente inegável isso e é um deleite para os olhos ver um mestre como Truffaut se curvando tanto perante outro mestre.

No entanto, não é um filme perfeito e seu maior problema é a sua própria narrativa. Ela segue todo o padrão de filmes noir clássicos, afinal é a adaptação de um livro também, mas há alguns momentos que acabam confundindo o leitor, como a primeira parte de investigações de Bárbara logo após a morte da esposa de Julien.

O relógio no pulso dela (a esposa) indica que já é meia-noite e mesmo assim, Julien volta para o escritório, encontra com Bárbara, que vai para outra cidade, é atacada num hotel, vai até uma agência de detetives e antes de pegar o ônibus de volta para casa, descobre uma pista crucial numa corrida de cavalos. Tudo isso antes do dia amanhecer, pois ainda está escuro, chove (mas não molha o casaco dela) e ela não trocou de roupa.

Isso ainda me deixa confuso, talvez se eu assistir de novo entenda como tudo se deu, mas sei lá...

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E um momento desses acontece durante a segunda metade do filme, então eu também me pergunto se talvez isso seja intencional e parte até mesmo do livro.

No entanto, agora não sei e considero um defeito, bem grave levando-se em conta que é Truffaut, um gênio do cinema que nunca cometeu erros assim.

Há de se levar em conta também que nessa época ele já estava doente e viria a morrer meses depois de um tumor cerebral. Pode ter afetado a produção do filme? Jamais saberemos. Pior ainda é saber que este filme se encontraria na reta final da carreira de Truffaut, que planejava lançar 30 filmes antes de se aposentar como diretor de filmes e partir para uma carreira literária.

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Foi a primeira vez que fiquei triste com a morte de alguém que não conhecia e alguém que morreu 10 anos antes de eu nascer.

Bem... deixando a tragédia de lado e voltando ao filme, Truffaut consegue subverter todo o gênero noir, mas manter a sua essência, as investigações, o clima soturno e o ritmo acelerado em que as ações correm. É um excelente trabalho de adaptação e inovação cinematográfica. Ele ainda referencia, sem ser óbvio e mantém a sua marca de autor. Uma verdadeira aula para quem ama cinema.

Em suma, “De repente, num domingo” tem os seus defeitos, mas nem por isso deixa de ser um dos melhores filmes na filmografia de Truffaut, que nos deixou esse último diamante, noir e romântica na mesma intensidade, uma verdadeira obra de arte.

4 pontos