terça-feira, 19 de setembro de 2017

Dica quadrinística: "Sunny" (2010-2015)

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Finalmente eu consegui! Li a última obra publicada pelo mestre dos mangás, Taiyo Matsumoto e traduzida para o inglês pelo fantástico Michael Arias!

Sunny é um mangá de drama slice of life que conta a história de um grupo de crianças num orfanato chamado “Crianças Estelares” (numa tradução livre, o original é “Star Kids”), dentre elas Haruo, um garoto que só se mete em problemas, Kyoko, uma menina gordinha cuja mãe a abandonou para continuar tocando o seu negócio, Megumu, uma menina cujos pais morreram, Junsuke, cuja mãe está doente e Sei, o mais novo membro da casa, que foi deixado lá pela mãe com a promessa de que logo eles estariam juntos de novo. Além de muitos outros personagens cheios de personalidade, animais e até mesmo um carro, que dá o título ao mangá.

Como um mangá slice of life não acontece nada de fantástico nesse mangá, mas é a forma como Taiyo Matsumoto nos guia pela história dessas crianças que faz o mangá ser algo fantástico. A história, de uma maneira geral, é pesada e em alguns momentos lágrimas se formaram em meus olhos, porque é simplesmente muito, muito triste. E é tudo contado de forma seca, sem firulas, panfletagem ou romantismo, é simplesmente a vida como ela é e não tem como você não se sentir abatido pela vida. Acontece com todo mundo e os dramas que as crianças enfrentam são reais, nós, provavelmente, não vivemos esse drama, mas todos sabemos que ele existe e isso apenas faz com que a história se torne ainda mais pesada. No entanto, assim como na vida, há pequenos momentos de retribuição, distribuídos em diversos capítulos e talvez sejam esses momentos que me fizeram devorar os seis volumes e suas mais de mil páginas em 4 dias.

Quando você inicia a leitura, não consegue parar.

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E não são apenas as vidas das crianças que citei que nos são narradas, mas de todos que moram na casa ou compartilham laços com habitantes dela. Temos o dono do local, seu filho e seu neto, como figuras-chave dentro da história, um casal de irmãos adolescentes que moram lá, porque seus pais se perderam na vida, depois de falirem, uma figura bizarra chamada Taro, um homem que anda de shorts o dia todo e parece ter um problema mental que o faz viver em sua própria realidade, comportando-se como se fosse um bebê, o cachorro da casa e, claro, o Sunny, o carro onde as crianças passam extensas horas dentro, imaginando brincadeiras, cantando músicas e sonhando em viver com seus pais, novamente.

Parte da história foi inspirada na infância do autor, que passou um tempo num orfanato, enquanto sua mãe trabalhava na sua carreira de artista e talvez por isso datas sejam tão menosprezadas em Sunny. A história se passa em meados dos anos 70, mas só ficamos sabendo disso através das referências culturais contidas no mangá, como em falas advindas da TV ou nas canções que as crianças entoam pela casa ou que tocam no rádio quando os adultos dirigem. É a obra mais pé no chão do autor até hoje.

O traço de Taiyo Matsumoto atingiu um ápice de excelência nesse mangá, é simples, porém detalhista como em Tekkonkinkreet, estilo e único, como em Gogo Monster, além de utilizar diferentes materiais, como em Takemitsu Zamurai (só que sem abusar do expressionismo visto nesse último mangá). Sinto que ele alcançou o ápice, porque não sei como ele pode melhorar, no entanto, estamos falando de Taiyo Matsumoto, quando menos esperamos BAM! O cara nos surpreende... Sério, a arte é fantástica.

A edição que tenho é a da Viz Media, tive que importar, mas é facinho de acha-la aqui no Brasil. Eu comprei os 4 primeiros volumes na Book Depository e, como sempre, levaram uma eternidade para chegar, mas chegaram todos juntos, ou seja, alegria suprema! Os 2 últimos comprei na Amazon brasileira mesmo e chegaram em uns 5 dias, então a compra não é tão difícil, só o preço que acaba atrapalhando mesmo.

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No entanto, vale a pena, pois além da história fantástico e o traço estupefante de Taiyo Matsumoto, temos uma qualidade que não se vê por aqui na publicação de mangás (talvez – e talvez, porque ainda não conferi – a edição de “Fragmentos do Horror” pela Dark Side chegue nesse nível), capa dura, costura nas folhas, páginas coloridas e só material de primeira qualidade, nada de capa dura que dobra com qualquer coisa e folhas que rasgam fácil ou soltam tinta nos dedos.

É coisa fina.

“Sunny” tem tudo pra ser um clássico absoluto dos mangás (e eu acho que já é), só falta o reconhecimento mesmo. É uma legítima obra de arte que nos convence de que quadrinhos são, legitimamente, uma forma de arte distinta, bela e poética.

5 pontos