quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Dica Literária: "O Som e a Fúria" de William Faulkner (1929)

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Aproveitando o embalo do relançamento da sensacional tradução de O Som e a Fúria realizada por Paulo Henriques Britto, senti-me obrigado a reler minha edição da Cosac-Naify comprada em sebo virtual. E afirmo, é a melhor coisa que eu já li.

Se uma coisa pode resumir a experiência de vida minha com O Som e a Fúria seria o célebre final d'a Montanha Mágica(sem spoilers, obviamente):

Será que também desta festa mundial da morte, e também da perniciosa febre que inflama o céu da noite chuvosa, ainda surgirá o amor?

Mesmo que em contextos distintos, a purificação da alma será nosso presente nos dois romances, que posso afirmar uma coisa: estão entre os melhores da história da literatura.

Voltando ao livro: OBRA-PRIMA.

Relendo a obra durante o período de 25/08/2017 e 01/09/2017, percebo várias nuances únicas no texto Faulkneriano. Um bom exemplo é a forma que frases aparentemente soltas nos dois primeiros capítulos do romance já fazem sentido desde o começo da releitura. Os colossais desvios de tempo não atrapalham mais, fazem parte da moralidade e consciência do Benjy e do(do) Quentin; o circo está definido com a(sim, a) Quentin desde o começo, o golfe, a ética, o Jason pai pessimista...
A família Compson se destruiu pela ambição, ganância e amoralidade. Mas certamente uma nova era surgirá.
Dicas básicas para ler essa maravilha.
A primeira parte é narrada pelo autista Benjy, confusa mas possível de identificar pela ordem passado 1-passado 2-presente dessa maneira: Versh/árvore, T.P/casamento e Luster/circo/golfe.
A segunda é pelo depressivo intelectual Quentin, com a metáfora do tempo perdido e da rebelião ao pai; o Quentin foi o personagem com o qual eu mais me identifiquei. Na primeira leitura foi de uma dificuldade absurda, agora consegui terminar toda essa tragédia com um prazer único. Mostra como uma vida pode passar do infeliz ao inferno. Tem a melhor luta já narrada em um romance, de tirar o fôlego! Quanto mais impulsivo o narrador fica, menos elaborado o texto avançará.
A terceira é fácil, mas tem o chatíssimo Jason narrando e destruindo todos por questões financeiras. É o narrador mais vigarista e de pior índole.
Quarta parte é terceira pessoa e mostra a páscoa, a provável redenção da alma e um réquiem para a família. Nada literal, obviamente.
No final temos um apêndice com o passado e futuro dos personagens principais e citados na obra.
É um texto poético, patético, depressivo, humano e sensível e ganhou após essa minha releitura o título de melhor romance que já li.
Resta discutir eternamente, teria como uma linhagem diabólica de árvores gerar frutos no paraíso?
Questionador e ousado.
Outro bom ponto é a semelhança do texto do Faulkner com uma pintura do Munch, ambos são artistas que distorcem a realidade em favor do sentimento pessoal. É como se cada Compson ou até mesmo 'negro' fossem representações de diversas facetas do autor.
Leitura obrigatória para a vida, ao meu ver.
Todos os protagonistas perdem tudo o que amam; Benjy perde golfe e Caddy, Quentin perde Caddy e o tempo, Jason perde o dinheiro e o caráter(?)... Caddy!Agora vamos para uma sinopse rápida: uma família do Sul dos EUA que anteriormente foi próspera está passando por um processo de pura destruição e melancolia. Uma intrincada narrativa psicológica e labiríntica é feita por três narradores personagens e um em terceira pessoa para contar-nos das causas do réquiem dos Compson. A família inicialmente comandada por Jason Compson III é completamente niilista e violenta, despreza qualquer "raça" ou "ser" tido como "inferior" e com todo o discurso de ódio, começam a se enterrar. O chefe da família casou com a neurótica e desumana Caroline, que é tão ridícula quanto o marido. O que eles não esperavam era o infeliz quarteto de filhos que eles geraram: Benjamin, um autista que sofre humilhações e é jogado junto aos negros servos da família; Quentin, o "orgulho" da família, intelectual mas que ama a irmã de maneira doentia e será o filho que estudará em Harvard por ser o mais velho; Caddy, a única que consegue viver de maneira individual, mas carinhosa e presente com os maninhos dela; e por fim Jason IV, um bagaceiro que necessita de mais e mais dinheiro e é um racista, machista e agressor de primeira linha. Cada um dos três irmãos homens tem uma ligação com a Caddy, seja messiânica, amorosa ou financeira. E com o tempo todas essas narrativas se cruzarão em um majestoso final. De outro lado temos os servos negros, verdadeiros heróis da narrativa, pois tem fé em meio de uma espiral de terror e desespero.

A edição que possuo é a versão de 2009, com papel pólen-soft, capa dura, uma jacket com uma imagem de uma casa pegando fogo(coisa que não aparece no livro, ué), tradução do Britto e conforme o novo acordo ortográfico.

O Som e a Fúria é aquela obra que você deve reler de tempos em tempos, a experiência só melhora.

 

5-pontos