terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Dica cinematográfica: “Winners and Sinners” (1983)

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A dica de hoje trata-se de um filme chinês de 1983, dirigido por Sammo Hung, um dos grandes parceiros de Jackie Chan, também estrelado por Sammo Hung, mas com participação de outros atores mais conhecidos na China por seu trabalho em filmes de artes marciais.

“Winners and Sinners” conta a história de cinco bandidos que se tornam amigos na prisão e quando saem decidem seguir uma vida honesta, trabalhando na empresa de limpeza familiar de um deles. No entanto, por uma obra do acaso, eles acabam conseguindo a posse de uma maleta cujo conteúdo é muito requisitado por duas poderosas gangues rivais da cidade, colocando em cheque a decisão deles de seguirem uma vida honesta e, principalmente, sua amizade.

Como um filme de ação chinês da era pós-Bruce Lee, “Winners and Sinners” mescla muitos elementos cômicos, algo que foi impulsionado por Jackie Chan, que atua também nesse filme como um policial, mas não é apenas nas estrepolias elaboradas de Sammo Hung e Jackie Chan que o filme se sustenta. É também um ótimo exemplo de narrativa bem construída.

O filme começa nos apresentando todos os personagens principais, os cinco bandidos, apontando as razões por que eles foram presos e os momentos em que foram presos, o policial interpretado por Jackie Chan (e sua vida nada fácil, mas causada pelo seu jeito desleixado, como em Police Story) e os dois chefes das gangues rivais. Cada um desses personagens ganha muito tempo em tela, o que pode até cansar aqueles que resolvem assistir o filme só pela ação, já que muitas dessas cenas são movidas pelo humor, ora físico, ora verbalizado, mas sempre simples, sem malícia.

E o filme não nos deixa esquecer nenhum deles ao longo de sua projeção, pois constantemente o foco muda para algum desses personagens centrais na trama, criando uma verdadeira malha de retalhos com as histórias de cada um, gerando um todo harmônico, divertido e ousado.

A direção de Sammo Hung não é inventiva, nem mesmo para a época, mas é ambiciosa, incluindo cenas que beiram o exagero, mas animam o espectador em momentos-chave do filme, como a cena do acidente de carros protagonizada por Jackie Chan.

Enfim, “Winners and Sinners” é mais um ótimo exemplo da vivacidade e criatividade do cinema chinês, não deixando nada a desejar para os filmes antigos do Bruce Lee ou ainda os da Shaw Brothers.

4 pontos e meio

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Dica cinematográfica: “The Disaster Artist” (2018)

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Filme de 2017, mas lançado no Brasil em 2018, então a dica é de 2018. Não pude verificar o que é fato e o que é ficção nessa obra, porque eu queria escrever essa dica logo após assisti-lo, então aqui vai!

“The Disaster Artist” é uma novelização ou ficcionalização do livro “The Disaster Artist: My Life Inside The Room, The Greatest Bad Movie Ever Made” de Greg Sesteros, o Mark de “The Room” (2003), relatando seu cotidiano antes, durante e um pouco depois das gravações do filme. A adaptação do livro muda algumas coisas da história real, mas já adianto, é um excelente trabalho, com uma das melhores atuações na vida de seus atores (isso é verdade, a vida é pura ironia!) e te faz pensar... Muito!

O filme é dirigido e estrelado por James Franco, um ator, diretor, produtor, etc... que se tornou, seguramente, um dos maiores nomes do New Sincerity em Hollywood atualmente. Para aqueles que não estão familiarizados (e eu não te culpo por isso), o New Sincerity é um movimento artístico bem underground que surgiu lá em meados dos anos 2000 como uma resposta aos movimentos sociais e artísticos dos anos 90, em especial o pós-modernismo e sua onda de ironia que varreu as produções artísticas norte-americanas e hoje se encontra em toda parte. Encurtando a história, é um movimento que surgiu espontaneamente na mente de várias pessoas e logo ganhou forma e até um manifesto e sua base é a de louvar aquilo que eles gostam de maneira sincera, por mais ridículo ou estranho que seja. Seus defensores dizem que é um movimento de inclusão, pois por mais bizarro que seja o seu gosto, ele tem um espaço cativo entre os aderentes do New Sincerity, pois o importante é você ser sincero, inclusive consigo mesmo. Particularmente, eu não gosto do New Sincerity, porque eu acho que tudo tem limite, tudo bem você gostar de coisas estranhas, mas mesmo essas coisas devem respeitar um alinhamento com a realidade, se você é um cara com mais de 20 anos que gosta de um desenho feito para crianças do sexo feminino, existe alguma coisa dentro de você que não está alinhada com a realidade (atente-se ao uso de realidade e não sociedade! É simplesmente algo que precisa ser revisto), mas o New Sincerity aceita isso e usa isso como uma forma de exaltar o alcance de seu movimento.

Eu concordo com a parte da ironia, mas acho que tudo tem limite.

E um dos limites que eu gosto de falar é o limite da arte, pois a arte não é algo inclusista, muito pelo contrário, é algo exclusivista, é algo para poucos. Talento é algo raro e aqueles que não o tem, devem trabalhar duro pra conseguir fazer o que fazem, vide Goethe e Schlegel, por um momento na história ambos foram colocados lado a lado e hoje são considerados parte da cultura clássica alemã, com uma diferença, Goethe era considerado abençoado por Deus, ele tinha o talento divino e escrevia muito bem sem o menor esforço, já Schlegel não tinha o talento, mas tinha a perseverança que o fazia trabalhar muito para escrever aquilo que Goethe fazia sem suar. O resultado é claro, Goethe é conhecido por todos no mundo todo, Schlegel é relegado aos estudiosos da academia, porém ambos sobreviveram ao tempo, ambos são elementos definitivos de um momento histórico que não pode ser compreendido sem a presença de ambos.

Deu pra entender que um não é menor que o outro?

E isso é arte, então eu não pude deixar de chacoalhar a minha cabeça quando a primeira cena do filme é um conjunto de atores, diretores, produtores e roteiristas bem conhecidos do público falando bem de “The Room”, exaltando Tommy Wiseau como se ele fosse um gênio. Não, ele não é e, por ironia (olha só, voltamos a ironia) todos apresentados nessa primeira cena são conhecido por seu trabalhos de comédia, gênero este que é o que mais sofreu com o grande advento da ironia na segunda metade do século 20, transformando suas obras, que sempre serviram ao relaxamento, em grandes críticas sociais cerebrais que mais cansam do que fazem rir.

Essa exaltação de Tommy Wiseau como um grande gênio da arte de fazer cinema ruim é apenas negativa e menospreza o que é arte, de verdade, no entanto o filme, de maneira não intencional, eu diria, dá um giro de 180º nessa perspectiva e vai para o outro lado da moeda, mostrando a enorme falha que T. Wiseau é, de fato, não só como artista, mas até como pessoa. Algo que é discutido no final do livro de G. Sestero, uma meditação sobre os perigos de se perseguir os seus sonhos de maneira incondicional, um momento fácil de se encontrar no Youtube na forma de audiobook.

https://www.youtube.com/watch?v=pXSvfJzshfw

E isso torna o filme uma obra difícil de assistir, pois tudo o que T. Wiseau fez ao longo de toda essa trajetória como diretor, produtor, ator e roteirista do Melhor Filme Ruim Já Feito foi perseguir o seu sonho artístico. O começo da cena final é pesado e apesar de ser simples, surge na tela carregado de emoção e te faz pensar... Faz pensar, principalmente se você for um dos muitos escritores, atores, diretores, artistas que não conseguiram correr atrás do seu sonho, que não tem o talento ou a perseverança pra criar algo que seja eterno. É algo que fala conosco (os artistas fracassados) de uma maneira visceral, simples, porém honesta e é pela sua honestidade que ele nos captura, nos faz pensar e se emocionar, apesar de toda a história real ser patética.

Convenhamos, T. Wiseau é apenas um cara sem talento, com uma ambição fraca, mas com muito dinheiro e se há um defeito no capitalismo é esse, ele dá voz demais ao dinheiro e qualquer besta quadrada com o bolso cheio pode fazer algo grande, ainda que medíocre, mas grande o suficiente para ser notado e viver na memória coletiva por mais de 10 anos.

Acho que nessa altura do campeonato é impossível existir algum cinéfilo que não tenha, ao menos, ouvido falar de “The Room” e ouso dizer que a maioria dos cinéfilos no mundo já assistiu, ainda mais os que gostam de uma trasheira, embora “The Room” seja ruim até para uma trasheira.

Ao final, “The Room” é artificial, fraco e se há motivos para rir nele, esse motivo não é intencional, o que o torna digno de pena, mas “The Disaster Artist” faz com que sintamos até uma pontada de respeito por T. Wiseau, desmascarando o gênio, que vestiu essa armadura que criaram para ele como uma forma de sobreviver ao ambiente inóspito de seu próprio planeta.

4 pontos e meio

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Dica cinematográfica: “O Charme Discreto da Burguesia” (1972)

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Sabe quando dizem que a direita perdeu a batalha políticas nas artes? Pois é... não estão brincando.

“O Chame Discreto da Burguesia” é um filme dirigido por Luis Buñuel, contando a história de 6 amigos burgueses, de forma episódica, ao longo de alguns dias e contando com vários acontecimentos, de conspirações políticas a sexo no jardim, enquanto os amigos esperam o jantar ser servido.

É uma dessas obras que eu amo odiar ou odeio amar, provavelmente a segunda opção.

De forma simples, despretensiosa, mas visceral, Buñuel nos guia, ao longo de várias cenas que podem ser vistas de maneira isolada, poucas tem uma ligação direta entre si, na vida luxuosa, hipócrita, mesquinha e enfadonha de vários amigos ricos numa França que poderia ser qualquer França, mas também poderia ser qualquer lugar. Um dos personagens é um diplomata de um país inventado, mas localizado na América do Sul, o que reforça esse ar de generalidade. O que o filme retrata pode acontecer em qualquer lugar do mundo, sem exceção.

Mas a crítica também não é pesada, ele não ataca, ao invés disso, assume uma postura neutra, isolada dos acontecimentos, o que só aumenta nossa indignação com o comportamento dos personagens, o diplomato é um corrupto mesquinho, corrupção causada por seus amigos ricaços, que não deixam de lavar dinheiro com a ajuda do diplomata. Todos são casados, mas uma das mulheres quando inventa de transar, transa até no quintal, a outra trai o marido e sua irmã se passar um dia sóbria, é porque está ruim e essa é a vida da burguesia, seu charme discreto, aquilo que está escondido dos olhos da sociedade e que, se forem vistos, será motivo de grande vergonha (mostrado numa cena genial e que acho que é um dos pontos altos da carreira de Buñuel), nessa maçaroca sobra até para o padre, claro, pois não podemos deixar de mostrar como a Igreja Católica é hipócrita.

Eu só vejo coisas erradas nesse filme, mas não consigo deixar de gostar dele, pois é tão bem feito, tão bem dirigido que eu só posso aplaudi-lo, apesar dos pesares. É um filme colorido e tem aquele charme garboso dos filmes coloridos dos anos 70/80, com cores vibrantes, mais belas que a vida real. A direção de Buñuel é fantástica, escolhendo ângulos não convencionais para nos afastar do realismo da obra e nos jogar num mundo imaginário, distante, onírico em muitos momentos, afinal, a burguesia está longe de nós.

Entendo a produção desses filmes, Buñuel explicitamente assume a tradição dos filmes bons de Godard (vide a história do diplomata), mas eu questiono a validade de seus argumentos, visto de Buñuel não foi nenhum trabalhador braçal, Godard muito menos. Já Truffaut, que nunca foi um revolucionário e crítico da burguesia sim. Eu adoro a ironia da vida!

De qualquer forma é um filme bem feito, muito bem dirigido, escrito e belo, contando com um elenco exemplar de atores e atrizes (Ah, Delphine Seyrig!) muito talentosos e confortáveis em seus papéis, que vale a pena assistir.

3 pontos e meio

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Dica cinematográfica: "Como se tornar o pior aluno da escola" (2017)

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Baseado no livro/manual de Danilo Gentili, este filme cria uma história para dar um pouco mais de consistência ao projeto do humorista e se sai muito bem, sendo uma das melhores comédias brasileiras lançadas no último ano, quiçá da década!

O filme conta a história de Bernardo, um garoto que está se encrencando na escola depois da morte de seu pai e quando está prestes a sucumbir a pressão imposta pelo diretor de seu colégio, o menino descobre um manual atrás de uma das privadas da escola e junto de seu amigo, Pedro, vai atrás do criador da obra para descobrir como colar no exame final de matemática.

Estava esperando um típico filme de comédia com atuações mais ou menos, piadas sem graça que só fazem sentido dentro do contexto do filme e uma produção meia boca, mas acabei de me surpreendendo e muito.

Pra começar, o filme é muito bem produzido, com uma qualidade de imagem e som dignas das melhores comédias de Hollywood (nível “Pineapple Express” mesmo), com cenas muito bem ensaiadas, efeitos primorosos, músicas excelentes, enfim... os aspectos técnicos do filme são impecáveis e o ápice de tudo isso é a cena de perseguição da van, uma cena difícil de ser feita, mas que quase chega no mesmo nível que comédias de ação excelentes como “Os Outros Caras”.

Depois temos as atuações, que não são dignas de nenhum Oscar, mas dão um banho em qualquer filme de comédia brasileiro recente. Os atores-mirim (que eu nem sei se são tão mirins assim) não são comediantes, mas se encaixam muito bem no papel designado a eles, fazendo muito bem a típica dupla gordo e magro de comédias mais escrachadas. Os outros atores estão ainda melhores, até pelo fato de terem mais experiência, mesmo o Vilagran, com seu sotaque carregadíssimo consegue ser engraçado (talvez até pelo seu sotaque) e o que dizer de Moacyr Franco, que eu acho insuportável n’A Praça é Nossa, mas que está ótimo em seu papel como zelador da escola.

E as piadas, algo que incomoda o público mais sensível, são ótimas, não tem aquele problema típico de comédias brasileiras que são feitas para o filme e apenas, é o tipo de piada que dá pra falar com os amigos no dia seguinte e dar muita risada!

É escrachado, chulo e de baixo calão, mas dá pra tirar algum proveito de raros momentos em que o filme assume um tom mais moralista, como quando o Pior Aluno diz ao Bernardo que se ele for reprovado na escola vai virar lixeiro mesmo, embora ele ache que o Bernardo não tenha capacidade para tanto. Ou ainda quando o Pior Aluno dá uma lição de moral no Pedro na cena em que inventa um apelido para ele, ensinando também ao público que suportar apelidos é algo extremamente necessário para a vida adulta.

Você pode até discordar do discurso de Danilo Gentili nessa questão, mas o fato é que ele está certo. Não sou do tipo cretino que acha que bullying é algo saudável. Não acho, mas existe sim uma diferença muito grande entre botar um apelido no colega da sala para que vocês possam rir juntos e chamar ele de algo que ele não gosta todo dia apenas para vê-lo bravo. Uma das lições mais importantes que podemos aprender na escola é justamente a rir de nós mesmos, pois apenas assim podemos ter uma vida adulta saudável.

No mais, é uma comédia despretensiosa, para ser assistida quando se quiser desligar o cérebro e se deixar levar.

Vale muito a pena!

4 pontos e meio

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Dica musical: "Flowering Jungle" do Monster Rally

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Janeiro é definitivamente o mês das dicas atrasadas do ano anterior e não poderia deixar de indicar essa belezinha que é o novíssimo álbum de Monster Rally.

Apenas um pouco mais de um ano após o lançamento de seu último álbum, Monster Rally nos presenteia com outra pérola, “Flowering Jungle” e dessa vez eu não vou paparicar tanto o cara e farei uma dica mais sóbria de seu trabalho.

“Flowering Jungle” continua atravessando sons tropicais, resultado da exploração de Monster Rally pelo gênero já morto da Exotica, mostrando que o rapaz tem um extenso catálogo a usar como inspiração (e de fato, há uma extensa gama de artistas e sons diferentes que constituem a Exotica a qual o dj pode se inspirar) e aqui ouvimos batidas inéditas, que não se parecem com o que ele havia criado em seu álbum anterior, dessa vez, sem a intenção de criar uma história por trás, mas há um conceito: o de que esse é o som de um país desconhecido.

Sendo assim, os sons são mais soltos, não tão interconectados, o que deixa o projeto como um todo menos interessante, mas há ótimos diamantes ali dentro.

O som que Monster Rally vem explorando desde Foreign Pedestrian é legal, mas é comum vermos batidas mais lentas e preguiçosas, muito repetitivas e isso já não está mais sustentando álbuns tão longos. Em “Flowering Jungle” já não sustentava as suas 20 músicas, mas todo o conceito e a conexão entre as canções fazia dele algo realmente bom. Agora, canções mais soltas, talvez não tenha sido uma boa pedida.

No entanto, como eu disse, há ótimos diamantes aqui dentro, principalmente os singles, mas até mesmo algumas músicas mais lentas encantam, embora uma boa parte não passe de música ambiente medíocre.

De qualquer forma, Monster Rally está explorando algo novo, diferente do que ele havia feito antes, encontrando-se numa fase que talvez esteja alcançando seu ponto final. Pode até não ser bom agora, mas será ótimo mais pra frente, quando ele evoluir novamente.

3 pontos e meio

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Dica literária: "Cuore" de Edmondo de Amicis (1886)

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Mais um livro que li ano passado, mas que estou fazendo a dica este ano por uma questão de espaço no blog.

“Cuore” (coração em português, não sei porque não traduziram o título) é um livro escrito pelo italiano Edmondo de Amicis e narra as desventuras de um estudante do ensino fundamental italiano da época, Enrico Bottini, ao longo de um ano letivo, começando no outono e terminando na primavera.

É um livro curto e uma dessas obras raras que, assim como “O sol é para todos”, te faz ler como se estivesse assistindo um desses filmes de aventuras de crianças da Sessão da Tarde. É um livro que usa de inovações estilísticas (ao menos para a época) transformando o livro num diário, onde o personagem principal nos narra os acontecimentos como se tivessem acontecido com ele um dia ou dois antes.

A obra se tornou um clássico na literatura italiana e já foi bem requisitado na época de lançamento pelas exemplares qualidades de seus personagens. “Cuore” é um livro de ideias tradicionais, que honram a soberania italiana, a natureza heroica e perseverante de seu povo, o respeito à família, às autoridades e à constituição social. Na época, todas as escolas italianas eram públicas e todas as crianças estudavam juntas, separadas apenas por sexo, possibilitando que tanto os mais ricos quanto os mais pobres estudassem juntos e é através dessa mistura que surge uma série de tragédias e momentos melancólicos ao longo da obra, mas que só servem para que Enrico aprenda a perseverar, resistir às tragédias, manter a sua fé e o seu respeito por aqueles acima dele.

Isto posto, não é uma obra pra qualquer um, muito menos num país tão polarizado como o nosso. Leitores mais à esquerda se sentirão incomodados com a injustiça social, presente, incômoda, porém aceita como parte de um caminho mais longo a ser trilhado, com a imposição das autoridades, tanto familiares, quanto escolares e, claro, com os temas de soberania nacional, algo que também incomodaria os leitores mais à direita, que também se sentiriam incomodados com a imposição de autoridades estatais. Como eu disse, é um livro tradicional, verdadeiramente conservador, porém acredito que isso seja mais fruto da época em que foi produzido (leve-se em conta a recém-unificação da Itália, naquela época) do que uma busca ideológica, de fato.

De qualquer forma, é um livro que toca o coração. É singelo e sensível, com passagens realmente devastadoras, trágicas e melancólicas, ao lado de passagens recheadas de uma leveza, simplicidade e harmonia que te deixarão sorrindo após a leitura.

É uma obra única.

5 pontos

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Dica cinematográfica: "Francisco, Arauto de Deus" (1950)

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Hoje a dica de mais um filme italiano e, dessa vez, um clássico que conta uma pequena passagem na vida de um dos maiores santos da Igreja Católica.

“Francisco, Arauto de Deus”, dirigido por Roberto Rosselini (um dos mais importantes cineastas do movimento neo-realista do cinema italiano), conta de maneira episódica os acontecimentos que se sucederam após a conversão de Francisco de Assis e sua reunião de primeiros seguidores até a benção papal para fundar a Ordem Mendicante dos Frades Menores, os Franciscanos.

Belissimamente bem dirigido em preto e branco, é um filme singelo e de grande valor poético, eu diria, contando através de vinhetas de pouco mais de 10 minutos cada, algumas proezas, tristezas e ensinamentos de Francisco de Assis. Não pesquisei a fundo a história da produção do filme, mas acredito que alguns acontecimentos mostrados são ficcionais, mas todos têm alguma lição, moral ou simplesmente uma mostra de poesia cinematográfica a nos mostrar, focando mais nos acontecimentos externos ao santo do que à vida dele em si.

Também não sou um grande conhecedor do neo-realismo italiano, muito menos de Roberto Rosselini, então não sei se ele era católico ou algo assim, mas o filme é uma baita homenagem a esse santo e inclui passagens memoráveis, que te deixam pensando por muito tempo após o encerramento da película.

Enfim, essa dica vai ser curtinha mesmo, mas não deixa o blog morrer e fica a mensagem: assista esse filme!

5 pontos

p.s.: A atriz que faz a santa Clara no filme é uma belezinha, Deus me perdoe!

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Dica literária: "Moby Dick" de Heran Melville (1851)

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Li este livro ano passado, mas estava querendo fazer um comparativo dele com a HQ que o Pipoca e Nanquim lançou. Infelizmente não achei a HQ na internet e não estou com tanto dinheiro assim pra comprar, então vamos à dica!

Moby Dick conta a história do barco baleeiro Pequod e seus heroicos, porém trágicos personagens, principalmente o capitão Ahab. Narrado por Ishmael, um vetereno do mar, mas um tripulante novo do barco, o livro passa por momento enciclopédicos, utilizando uma narrativa por vezes fragmentada sobre a perseverança humana.

Com mais de 700 páginas é um livro complexo e ainda mais complexo para a época em que foi criado, sendo um exemplar representante do que se chama de “Era de Ouro da novela americana”. De fato, há muitas passagens no livro que comprovam isso, com um rico vocabulário, apesar de usar a linguagem coloquial da época, descrições e metáforas geniais, que te fazem pensar em como um autor pode pensar nisso e uma mescla de estilos narrativos e literários que até hoje surpreende estudiosos. É um exemplar raro de literatura, de fato.

“Moby Dick”, com o passar dos anos foi ganhando um status cada vez mais único dentro da literatura mundial, sendo considerado, em grande parte das listas de melhores livros de todos os tempos, número 1. Eu não iria tão longe, claro, porque não é o meu tipo de livro favorito, mas reconheço a genialidade por trás da obra.

Mesmo as partes que deveriam ser datadas, como os capítulos que são transcritos como uma peça de teatro não são datados, satisfazendo a ânsia bem atual dos leitores dessa era em que vivemos de ter sempre que serem surpreendidos a cada página. Em “Moby Dick” vemos, de fato, uma surpresa atrás de outra, seja nessa mescla estilística ou até mesmo na história. Embora algumas passagens sejam realmente datadas, como as explicações (pseudo-)científicas e claro a própria “arte de caçar baleias”, que já não é a mesma.

Para aqueles que querem se aventurar pela obra no original em inglês, como eu fiz, já fica o aviso: não é a obra mais fácil, pois a linguagem é um inglês mais antigo, há algumas abreviações que não se usam mais, outros recursos linguísticos e até palavras que ninguém mais usa, então você terá que procurar ajuda num dicionário com certa frequência, porém apenas no começo, depois que você pega o ritmo da história, tudo flui naturalmente.

Enfim, “Moby Dick” vale a pena e eu ainda desejo ler a HQ pra poder fazer uma comparação aqui no blog, mas isso vai ter que ficar pra depois.

4 pontos

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Dica musical: "Our Pleasure" do Single Mothers (2017)

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E a primeira dica musical de 2018 é de um álbum de 2017... e terão mais desse tipo, pois sempre acabamos descobrindo coisas boas atrasado. Não tem como se manter a par de tudo que é bom no momento em que saem.

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Enfim, a dica de hoje é de uma banda muito curiosa, chamada “Single Mothers”, uma banda canadense de punk rock, mas que mistura uma série de vertentes criando um som diferenciado e com este álbum eles se adaptaram o seu som a todas as vertentes do rock que gostam, aproximando-se tanto do indie quanto do hardcore puro.

É difícil pensar que algo assim possa acontecer, mas aconteceu. O que “Single Mothers” fez com seu estilo musical é algo que poucas bandas fizeram e eu atribuo isso a sua origem canadense. O Canadá nos providenciou ótimas bandas e artistas nos últimos anos, artistas que criam um som único e para bem ou para o mal, são originais. Single Mothers é ainda de Ontário, a província cuja capital é Toronto, uma das cidades mais multiculturais do mundo. Qualquer estilo musical desenvolvido ali sofre mutações, se distancia de suas origens, buscando mesclar elementos distintos e até contraditórios, criando um verdadeiro mutante. Um mutante que agradou muito aos ouvidos do Sommelier de Tudo.

O som de Single Mothers tem a agressividade do punk e do hardcore, mas com melodias dignas do tradicional indie rock do início dos anos 2000. O próprio vocalista lembra At The Drive In com Arctic Monkeys na fase boa.

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O álbum sofre mutações ao longo de sua projeção, constituindo-se de músicas mais agressivas, músicas dançantes e músicas mais lentas. Tanta mistura é um ponto positivo, pois nos apresenta uma variedade musical pouco explorada por artistas cotidianos, mas é também um ponto negativo, pois diminui um pouco a consistência do trabalho. É estranho partir de uma música mais agressiva, para uma mais lenta, sem ter um intermediário entre os dois e o intermediário estar incluído após os dois.

No entanto, de maneira geral, é um ótimo álbum, impressionante, corajoso e criativo. Vale a pena escutar.

4 pontos

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

O que esperar de 2018?

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Pra iniciar o ano bem, porque não falarmos do que esperar desse ano que vem por aí?

Bom, eu espero que a faculdade me dê uma folga, mas sei que isso será quase impossível... talvez tenha que fazer a maldita aula de linguística novamente e ainda vou ter estágio obrigatório. Ao mesmo tempo, posso esperar muitas leituras, já que eu tenho 13 livros esperando para serem lidos na minha estante e a pilha só aumenta a cada mês que passa.

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Mas vamos ao que interessa, porque o leitor tem pressa e vamos falar de dicas musicais, porque em 2018 podemos esperar algumas dicas fantásticas, a começar pelo anúncio de que o Arctic Monkeys está gravando um álbum novo feito pelo seu baixista, “em um lugar secreto”. Cada álbum do Arctic Monkeys é uma surpresa diferente desde “Humbug” e eu já aceitei que essa é a característica da banda: não ter característica. Se eles forem seguir a tendência de outras bandas indie que surgiram mais ou menos na mesma época que eles e decidirem fazer um álbum mais politizado, talvez saia algo maneiro. Eles nunca expuseram suas opiniões políticas, mas há alguns anos atrás se revelavam bem reaças, se posicionando contra movimentos de massa como o “Occupy Wall Street”. Mas eles também podem ter mudado de opinião... em todo caso, um álbum novo do Arctic Monkeys é sempre motivo para se animar.

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Temos ainda o futuro 4º álbum do La Dispute. As gravações já começaram e tem, novamente, a produção do Will Yip. Eu esperava um novo “Hear, Here”, mas é lógico que não estou triste com a notícia de um álbum novo, afinal, são mais músicas! Numa qualidade melhor! Espero que eles continuem sendo a melhor banda de todas.

Boatos ainda dizem de um novo cd do The Vaccines e do Quasimoto, mas vamos nos concentrar no que temos de concreto: novo cd do No Age e do Fall Out Boy já em janeiro. Nada demais, mas também não podemos desperdiçar.

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Temos ainda Franz Ferdinand, que eu espero que faça algo mais marcante do que o último álbum e dessa vez nem precisa mudar muito a sonoridade, o mundo sente falta do indie rock legal dos anos 2000. Pianos Become the Teeth também retorna esse ano, mas não sei muito o que esperar desse álbum. É uma banda que aprendi a gostar há pouco tempo e eles passaram a mudar o som deles recentemente. Terei que esperar...

Há ainda o novo cd do Vampire Weekend, que tem até nome, mas não tem data de lançamento. E claro, com certeza teremos mais lançamentos do Self Defense Family, há a possibilidade de um novo álbum do Turnstile também.

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Quanto aos filmes, Martin Scorsese volta com “The Irishman”, enquanto a franquia Cloverfield se expande com mais um filme, “Cloverfield: God Particle”, expandindo tudo aquilo que Black Mirror criou e explorou em suas temporadas na TV britânica.

Temos ainda a continuação de “Os Incríveis” e um filme em animação do Homem-Aranha, que promete ser do piru, ao menos visualmente.

Finalmente teremos o tão aguardado filme do “Slenderman”, aguardado há tanto tempo, que eu até esqueci dele e a continuação de Pacific Rim? Pois é... vai ter continuação... Também vai ter um filme chamado “Paulo, o apóstolo”, contando a trajetória do discípulo de Jesus. Não se sabe muito desse filme, mas parece interessante para mim. E eu não posso deixar de lado “The New Mutants”, filme de heróis, mas que segue na linha do Wolverine de seguir um gênero diferente do de ação e aventura e parece ser de terror??? Pois é... 2018 promete!

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E promete ainda mais fora do ramo das artes, podem esperar mais dicas gourmet e dicas quadrinísticas, além de posts especiais de dia dos pais, mães, negros e vários posts fora de época, falando sobre a lamentável situação política que o nosso país vai enfrentar ano que vem. Se Deus quiser, Lula será preso e ao menos desse mal nos livraremos, mas a situação não vai melhorar muito, pois minhas esperanças de que o Partido Novo consiga se tornar relevante já em 2018 são baixas, mas mantenho elas em pé.

Pra compensar só fica a certeza de que muitos e muitos memes nós teremos e claro, 2018 é ano de copa e ano de copa é sempre uma alegria.

Bom início de ano para todos nós, caríssimos!

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p.s.: 2018 também é o ano em que poderemos ressuscitar esse belíssimo meme!

https://www.youtube.com/watch?v=uDJvvZDQnDU