quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Dica cinematográfica: “The Disaster Artist” (2018)

unnamed

Filme de 2017, mas lançado no Brasil em 2018, então a dica é de 2018. Não pude verificar o que é fato e o que é ficção nessa obra, porque eu queria escrever essa dica logo após assisti-lo, então aqui vai!

“The Disaster Artist” é uma novelização ou ficcionalização do livro “The Disaster Artist: My Life Inside The Room, The Greatest Bad Movie Ever Made” de Greg Sesteros, o Mark de “The Room” (2003), relatando seu cotidiano antes, durante e um pouco depois das gravações do filme. A adaptação do livro muda algumas coisas da história real, mas já adianto, é um excelente trabalho, com uma das melhores atuações na vida de seus atores (isso é verdade, a vida é pura ironia!) e te faz pensar... Muito!

O filme é dirigido e estrelado por James Franco, um ator, diretor, produtor, etc... que se tornou, seguramente, um dos maiores nomes do New Sincerity em Hollywood atualmente. Para aqueles que não estão familiarizados (e eu não te culpo por isso), o New Sincerity é um movimento artístico bem underground que surgiu lá em meados dos anos 2000 como uma resposta aos movimentos sociais e artísticos dos anos 90, em especial o pós-modernismo e sua onda de ironia que varreu as produções artísticas norte-americanas e hoje se encontra em toda parte. Encurtando a história, é um movimento que surgiu espontaneamente na mente de várias pessoas e logo ganhou forma e até um manifesto e sua base é a de louvar aquilo que eles gostam de maneira sincera, por mais ridículo ou estranho que seja. Seus defensores dizem que é um movimento de inclusão, pois por mais bizarro que seja o seu gosto, ele tem um espaço cativo entre os aderentes do New Sincerity, pois o importante é você ser sincero, inclusive consigo mesmo. Particularmente, eu não gosto do New Sincerity, porque eu acho que tudo tem limite, tudo bem você gostar de coisas estranhas, mas mesmo essas coisas devem respeitar um alinhamento com a realidade, se você é um cara com mais de 20 anos que gosta de um desenho feito para crianças do sexo feminino, existe alguma coisa dentro de você que não está alinhada com a realidade (atente-se ao uso de realidade e não sociedade! É simplesmente algo que precisa ser revisto), mas o New Sincerity aceita isso e usa isso como uma forma de exaltar o alcance de seu movimento.

Eu concordo com a parte da ironia, mas acho que tudo tem limite.

E um dos limites que eu gosto de falar é o limite da arte, pois a arte não é algo inclusista, muito pelo contrário, é algo exclusivista, é algo para poucos. Talento é algo raro e aqueles que não o tem, devem trabalhar duro pra conseguir fazer o que fazem, vide Goethe e Schlegel, por um momento na história ambos foram colocados lado a lado e hoje são considerados parte da cultura clássica alemã, com uma diferença, Goethe era considerado abençoado por Deus, ele tinha o talento divino e escrevia muito bem sem o menor esforço, já Schlegel não tinha o talento, mas tinha a perseverança que o fazia trabalhar muito para escrever aquilo que Goethe fazia sem suar. O resultado é claro, Goethe é conhecido por todos no mundo todo, Schlegel é relegado aos estudiosos da academia, porém ambos sobreviveram ao tempo, ambos são elementos definitivos de um momento histórico que não pode ser compreendido sem a presença de ambos.

Deu pra entender que um não é menor que o outro?

E isso é arte, então eu não pude deixar de chacoalhar a minha cabeça quando a primeira cena do filme é um conjunto de atores, diretores, produtores e roteiristas bem conhecidos do público falando bem de “The Room”, exaltando Tommy Wiseau como se ele fosse um gênio. Não, ele não é e, por ironia (olha só, voltamos a ironia) todos apresentados nessa primeira cena são conhecido por seu trabalhos de comédia, gênero este que é o que mais sofreu com o grande advento da ironia na segunda metade do século 20, transformando suas obras, que sempre serviram ao relaxamento, em grandes críticas sociais cerebrais que mais cansam do que fazem rir.

Essa exaltação de Tommy Wiseau como um grande gênio da arte de fazer cinema ruim é apenas negativa e menospreza o que é arte, de verdade, no entanto o filme, de maneira não intencional, eu diria, dá um giro de 180º nessa perspectiva e vai para o outro lado da moeda, mostrando a enorme falha que T. Wiseau é, de fato, não só como artista, mas até como pessoa. Algo que é discutido no final do livro de G. Sestero, uma meditação sobre os perigos de se perseguir os seus sonhos de maneira incondicional, um momento fácil de se encontrar no Youtube na forma de audiobook.

https://www.youtube.com/watch?v=pXSvfJzshfw

E isso torna o filme uma obra difícil de assistir, pois tudo o que T. Wiseau fez ao longo de toda essa trajetória como diretor, produtor, ator e roteirista do Melhor Filme Ruim Já Feito foi perseguir o seu sonho artístico. O começo da cena final é pesado e apesar de ser simples, surge na tela carregado de emoção e te faz pensar... Faz pensar, principalmente se você for um dos muitos escritores, atores, diretores, artistas que não conseguiram correr atrás do seu sonho, que não tem o talento ou a perseverança pra criar algo que seja eterno. É algo que fala conosco (os artistas fracassados) de uma maneira visceral, simples, porém honesta e é pela sua honestidade que ele nos captura, nos faz pensar e se emocionar, apesar de toda a história real ser patética.

Convenhamos, T. Wiseau é apenas um cara sem talento, com uma ambição fraca, mas com muito dinheiro e se há um defeito no capitalismo é esse, ele dá voz demais ao dinheiro e qualquer besta quadrada com o bolso cheio pode fazer algo grande, ainda que medíocre, mas grande o suficiente para ser notado e viver na memória coletiva por mais de 10 anos.

Acho que nessa altura do campeonato é impossível existir algum cinéfilo que não tenha, ao menos, ouvido falar de “The Room” e ouso dizer que a maioria dos cinéfilos no mundo já assistiu, ainda mais os que gostam de uma trasheira, embora “The Room” seja ruim até para uma trasheira.

Ao final, “The Room” é artificial, fraco e se há motivos para rir nele, esse motivo não é intencional, o que o torna digno de pena, mas “The Disaster Artist” faz com que sintamos até uma pontada de respeito por T. Wiseau, desmascarando o gênio, que vestiu essa armadura que criaram para ele como uma forma de sobreviver ao ambiente inóspito de seu próprio planeta.

4 pontos e meio