terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Dica cinematográfica: “O Charme Discreto da Burguesia” (1972)

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Sabe quando dizem que a direita perdeu a batalha políticas nas artes? Pois é... não estão brincando.

“O Chame Discreto da Burguesia” é um filme dirigido por Luis Buñuel, contando a história de 6 amigos burgueses, de forma episódica, ao longo de alguns dias e contando com vários acontecimentos, de conspirações políticas a sexo no jardim, enquanto os amigos esperam o jantar ser servido.

É uma dessas obras que eu amo odiar ou odeio amar, provavelmente a segunda opção.

De forma simples, despretensiosa, mas visceral, Buñuel nos guia, ao longo de várias cenas que podem ser vistas de maneira isolada, poucas tem uma ligação direta entre si, na vida luxuosa, hipócrita, mesquinha e enfadonha de vários amigos ricos numa França que poderia ser qualquer França, mas também poderia ser qualquer lugar. Um dos personagens é um diplomata de um país inventado, mas localizado na América do Sul, o que reforça esse ar de generalidade. O que o filme retrata pode acontecer em qualquer lugar do mundo, sem exceção.

Mas a crítica também não é pesada, ele não ataca, ao invés disso, assume uma postura neutra, isolada dos acontecimentos, o que só aumenta nossa indignação com o comportamento dos personagens, o diplomato é um corrupto mesquinho, corrupção causada por seus amigos ricaços, que não deixam de lavar dinheiro com a ajuda do diplomata. Todos são casados, mas uma das mulheres quando inventa de transar, transa até no quintal, a outra trai o marido e sua irmã se passar um dia sóbria, é porque está ruim e essa é a vida da burguesia, seu charme discreto, aquilo que está escondido dos olhos da sociedade e que, se forem vistos, será motivo de grande vergonha (mostrado numa cena genial e que acho que é um dos pontos altos da carreira de Buñuel), nessa maçaroca sobra até para o padre, claro, pois não podemos deixar de mostrar como a Igreja Católica é hipócrita.

Eu só vejo coisas erradas nesse filme, mas não consigo deixar de gostar dele, pois é tão bem feito, tão bem dirigido que eu só posso aplaudi-lo, apesar dos pesares. É um filme colorido e tem aquele charme garboso dos filmes coloridos dos anos 70/80, com cores vibrantes, mais belas que a vida real. A direção de Buñuel é fantástica, escolhendo ângulos não convencionais para nos afastar do realismo da obra e nos jogar num mundo imaginário, distante, onírico em muitos momentos, afinal, a burguesia está longe de nós.

Entendo a produção desses filmes, Buñuel explicitamente assume a tradição dos filmes bons de Godard (vide a história do diplomata), mas eu questiono a validade de seus argumentos, visto de Buñuel não foi nenhum trabalhador braçal, Godard muito menos. Já Truffaut, que nunca foi um revolucionário e crítico da burguesia sim. Eu adoro a ironia da vida!

De qualquer forma é um filme bem feito, muito bem dirigido, escrito e belo, contando com um elenco exemplar de atores e atrizes (Ah, Delphine Seyrig!) muito talentosos e confortáveis em seus papéis, que vale a pena assistir.

3 pontos e meio