quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Dica literária: “Wise Blood” de Falnnery O'Connor (1952)

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De acordo com a escrita do livro, Flannery O’Connor, esse livro foi escrito com grande entusiasmo e é com grande entusiasmo que esse livro deve ser lido e foi com grande entusiasmo que eu li esse livro.

Seguimos Hazel Motes, um jovem rapaz que volta da guerra para sua casa no interior do sul dos EUA e descobre que não sobrou ninguém na antiga cidade onde morava, então ele compra um terno novo, um chapéu e vai para uma cidade grande, a fictícia Taulkinham. Por causa de seu novo chapéu, Hazel é confundido com um pastor de igreja e então ele revela todo o seu ódio da religião, com raízes na sua criação como filho de um pastor. De saco cheio das pessoas confundirem ele e para desafiar um pregador cego, Hazel decide fundar a “Igreja Sem Cristo”.

Junto com Hazel Motes acompanhamos outros personagens nessa narrativa leve, bem montada e harmoniosa, com um toque de humor negro e muita profundidade religiosa.

O livro é muitas vezes vendido com um livro bem-humorada, mas esse é o meu primeiro ponto de divergência, porque o livro é todo constituído por um humor negro, fruto da ironia com a qual Flannery trata os seus personagens desajustados. Esse humor negro acaba dando ao livro e suas diversas passagens inspiradas um tom melancólico, quase deprimente, como no caso das passagens envolvendo Enoch Emmery, um garoto de 18 anos, perdido na cidade e que se aproxima de Hazel. Por causa de sua solidão, Enoch acaba se alienando e compromete-se numa série de ações impensadas, resultando numa inesperada e cruel reviravolta.

Flannery era uma devota católica, passou a vida inteira no sul dos EUA, uma região religiosa, mas de minoria católica e, provavelmente por isso, ela não perdoa em sua direção dos eventos contados no livro. O final é igualmente cruel e confuso, mas não irônico, pois é intencionalmente ambíguo, como a própria autora revelou em entrevistas.

O livro é também resultado de um longo trabalho de união de fragmentos e percebemos isso em alguns capítulos dispersos, que não contribuem diretamente para a narrativa de Hazel Motes, mas contribuem para a intenção do livro. Intenção essa que não ficou clara para mim e me deixou um pouco decepcionado, confesso, pois comprei o livro quase por impulso, sabendo que Flannery era católica e tendo lido um conto dela (talvez o seu mais famoso, “A good man is hard to find”), esperando uma bela história de redenção a-lá Dostoiévsky, mas me deparo com uma obra do modernismo tardio, recheada de ironia, nebulosa e sinistra, com uma ambiguidade religiosa que perturba.

Ainda assim é dica e por quê? Simples, porque Flannery O’Connor é uma baita duma escritora e a ambiguidade de sua obra abre espaço para uma ampla gama de interpretações que podem muito bem servir para qualquer um. Sua crítica às diversas instituições religiosas por aí, igrejas de esquina, que só se preocupam com o dinheiro é um soco no estômago de muita gente. Sua acidez ao tratar do ateísmo, embora nunca use essa palavra, mas todos sabemos de qual atitude ela está falando, é mordaz. E o caminho que ela traça para a Salvação é um só, é o caminho milenar da Igreja, que pode perturbar, mas a Verdade é dura de se escutar.

Quem não vem pelo amor, vem pela dor.

Sem contar ainda que ela escreve muito bem. Como já disse, a leitura é leve, progride rapidamente, suas descrições são gostosas de ler, seus diálogos, apesar de estranhos, revelam o nível de alienação de seus personagens e tudo isso exalta o humor negro da obra, que foi muito bem escrita.

É dessa forma que concluo a dica de um livro muito bom e que merece ser lido, apesar dos pesares.

4 pontos