quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Quem é culpado pelos nossos padrões de beleza?

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Fazendo uma faculdade que é inicialmente licenciatura, temos a oportunidade elaborar atividades e aplica-las em sala de aula. No momento em que escrevo esse post, tive, mais cedo, a oportunidade de presenciar uma atividade interessante.

Umas alunas dividiram a sala em duplas e nos deram uma “frase controversa” pra casa dupla sobre padrões de beleza. Cada aluno recebia um papel, o de “defensor da frase” e o de “contrário a frase”. O objetivo era o de falar sobre algum assunto controverso em sala de aula e desenvolver o senso crítico de alunos. As frases eram interessantes e o exercício foi legal, mas uma frase me chamou a atenção:

A mídia é responsável por determinar os padrões de beleza.

Todos na minha sala concordaram com a frase e a dupla que ficou com essa frase não soube elaborar um argumento contra, pois esse “fato” é, simplesmente, consistente demais.

Mas eu fiquei me perguntando, não somos nós os responsáveis pela mídia?

Seria interessante dar um passo atrás, antes de responder essa pergunta e ver o que significa mídia. Recorreremos ao dicionário online Michaellis para isso:

“Toda estrutura de difusão de informações, notícias, mensagens e entretenimento que estabelece um canal intermediário de comunicação não pessoal, de comunicação de massa, utilizando-se de vários meios, entre eles jornais, revistas, rádio, televisão, cinema, mala.”

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Olhando essa definição, abrimos um guarda-chuva enorme onde muitas coisas se encaixam sob ele, como “mídia”. Informação também é um termo muito amplo, notícias e artigos científicos são formas de transmitir informação, assim como filmes e programas de auditório.

Mas o que manda aqui é a parte em que diz “comunicação de massa”. Artigos científicos não são veículos de comunicação de massa, geralmente eles falam com parcelas muito pequenas da sociedade. A mesma coisa pode ser dita de literatura mais pesada, como um Tolstói da vida.

Eis o motivo de associarmos o termo “mídia” com televisão e rádio, mas o mesmo se aplica com filmes de Hollywood e redes sociais de alta utilização como o Facebook.

Definido isso, podemos voltar a pergunta que fiz: não somos nós que controlamos a mídia?

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Ninguém nos força a assistir televisão, ir ao cinema ou ter uma conta no Facebook. Fazemos isso, porque queremos e se não queremos, somos obrigados por outras pessoas próximas de nós. Por muitos anos me recusei a ter um Facebook, mas fui forçado a criar um para a faculdade, pois os grupos e o contato com professores e professoras fica muito mais fácil através da rede social.

E é assim que podemos discordar da afirmação inicial de que “a mídia é responsável por determinar os padrões de beleza. Pois quem define os padrões de beleza somos nós, seres humanos, as pessoas. É simplesmente a cultura.

A mídia apenas corresponde a cultura.

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Tome como exemplo a apropriação da mídia de todos os grupos de contra-cultura da sociedade, dos hippies nos anos 60 aos emos dos anos 2000, passando pelos punks e a moda grunge. Foram todas formas de contra-cultura, com seus próprios padrões de beleza (os hippies com seus cabelos longos, os punks com suas calças rasgadas, os grunges com suas camisetas xadrez e as franjonas dos emos), surgidas mais ou menos de forma espontânea numa parcela ínfima da população e que logo estava em todo lugar.

 

Gostamos de nos imaginar como seres iluminados, pertencentes a contra-cultura e de alto senso crítico, mas somos, na verdade, seres altamente miméticos. Copiamos uns aos outros constantemente e a mídia não faz nada mais do que acelerar esse processo. Sentimos insegurança quando somos um só na multidão, mas quando encontramos alguém que nos entende, nos sentimos segura. Seja esse alguém uma feminista de sovaco peludo ou um Bolsominion. Para acelerar esse processo, nossos avós ouviam o rádio e se encontravam nas praças das cidades, nossos pais assistiam TV e compareciam a shows ou outros eventos do interesse deles, propagados pelo jornal. Nós acessamos o Facebook e marcamos presença em algum evento que sabemos que terá gente como a gente.

É a mesma coisa com os padrões de beleza.

Definimos o que gostamos e o que não gostamos de ver nos outros. Não importa o quão diferente você seja, você tem o seu padrão de beleza, você pode preferir um cara gordo e cheio de espinhas, mas o fato de você preferir ele a um bombadão de academia, já é um padrão de beleza. E um efeito, muito positivo por sinal, que vemos hoje é a fragmentação da mídia. As redes sociais acabaram com a hegemonia da televisão em propagar informação e, conforme as redes sociais ganham mais poder, novas formas de se propagar informação estão sendo criadas. Por mais diferente que sejam os seus padrões de beleza, hoje é fácil achar alguém que pensa como você.

Mas não culpe a mídia pelo nosso padrão de beleza.

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É claro que em algum ponto a mídia começa a nos influenciar, porque a “mídia” é um negócio lucrativo, que exige menos trabalho físico e braçal do que muitos outros trabalhos por aí, atraindo muita gente. É de se esperar que tenham muitos seres inteligentes trabalhando pra “mídia”. Hoje em dia vemos na televisão, filmes, séries e videogames casais gays, dúzias de negros, mulheres e pessoas com algum tipo de deficiência, mas não vemos isso porque, de repente, a “mídia” está se tornando humanitária.

Não! A mídia está entregando aquilo que nós queremos ver. Pedimos mais casais gays, eles nos deram. Pedimos mais negros, eles nos deram. Pedimos mais espaço para pessoas com deficiência, eles nos deram. Podemos pedir qualquer coisa e eles nos darão. E nós iremos dar nosso dinheiro para eles com a consciência limpa, mas estamos, na verdade, alimentando a própria besta que achamos ser nossa inimiga.

Mas é nossa inimiga mesmo?

Todo o raciocínio até aqui foi para desbancar isso. Se há algo que a mídia faz de errado é capitalizar tudo aquilo que nos constitui como indivíduos. Nossas crenças, ideologias políticas, opiniões sociais e nossos padrões de beleza. Você pode condenar isso, mas não pode culpar ela por algo que você criou, porque antes de existir a mídia, existiam seres humanos e esses humanos queriam informação. A única coisa que a mídia fez foi nos dar essas informações, em grande volume e a um módico preço.

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No entanto, o que mais me espanta e me deixa deprimido não é simplesmente a opinião distorcida deles sobre o mundo que os cerca. O que me deixou mal foi chegar ao final da atividade e a dupla responsável por aquela frase não conseguir terminar o exercício, que era pensar em argumentos contra aquela afirmação.

O exercício era interessante por te colocar no lugar do outro, basicamente criar empatia ou austeridade, e eles foram incapazes de fazer isso. Vivem falando de empatia, mas na prática não são empáticos. Cegos pelas suas ideologias acabam se tornando mais ignorantes e intolerantes do que os próprios alvos de suas críticas.