sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

O mundo vai acabar em Wifi

Em uma semana, dois podcasts que eu acompanho trataram de um mesmo assunto, mas sob óticas completamente diferentes, devido ao teor de cada um desses podcasts.

O primeiro deles, IRL, é o podcast da Mozilla (aquela que faz o Firefox) e no episódio dessa semana, intitulado “Surveilance Economy”, eles apresentam o trabalho da professora de Harvard Shoshana Zuboff sobre um novo aspecto do capitalismo que ela nomeia “Surveilance Capitalism”. Numa tradução rápida podemos chamar esse termo de “Capitalismo de Vigilância” e o tema se encaixa como uma luva no IRL.

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O IRL é um podcast que fala sobre tecnologia, mas do ponto de vista de uma organização sem fins lucrativos que cria programas de código aberto para a internet. A Mozilla é algo raro de se ver hoje em dia, principalmente porque ela faz sucesso! Como já é de se esperar do tema, o podcast dessa semana fala especificamente de como as grandes corporações na internet estão transformando os dados que você coloca na internet numa fonte de dinheiro, criando mais formas de te manter conectado e assim te colocando num círculo vicioso.

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O segundo podcast a debater o mesmo tema foi o podcast do Art of Manliness, o melhor site da internet mundial. No programa dessa semana, o #479, “Becoming a Digital Minimalism”, Bret McKay conversa com Cal Newport, um professor de ciência da computação, que inventou (ou recriou/modelou) o termo “Digital Minimalism”. Traduzindo rapidamente, novamente, seria o “Minimalismo Digital”. Baseando nos movimentos minimalistas que surgiram a partir da segunda metade do século passado, Newport cria diversas táticas pra te fazer parar de usar a internet e passar a viver.

É interessante que são dois podcasts muito distantes, mas que tratam, basicamente, do mesmo tema numa época em que Elon Musk fala desoladamente do futuro da nossa espécie. Pra quem não viu, veja, mas se você não quer ver, eu explico. No podcast do Joe Rogan, Musk fala de forma desolada, até meio deprimente, sobre a inteligência artificial e que já passamos do ponto-de-não-retorno e que deveríamos simplesmente aceitar a Singularização. O termo que vem de singular, significando “único”, refere-se, na parte mais utópica da ciência computacional, ao momento em que tudo estará conectado por uma só tecnologia, no caso, a Inteligência Artifical seria a causa da singularização, pois a IA poderia se recriar, reinventar e se adaptar a qualquer tipo de dispositivo ou tecnologia, controlando assim todos as tecnologias do nosso planeta. Na visão apocalíptica de Elon Musk nós teríamos que fazer parte dessa singularização também e faremos, já que não vamos abrir mão do conforto que a internet nos traz.

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Parece ficção científica e, de fato é. Autores como Isaac Asimov e Philip K. Dick já trataram do tema em suas novelas. Outros tantos também, de maneira mais detalhada e cruel. Outros tantos de maneira mais otimista. O que importa é que isso não é novidade e desde que a computação se tornou uma realidade na primeira metade do século XX, pensadores que fugiram da caverna de Platão já falam sobre a tecnologia e suas consequências na sociedade humana.

O problema é que já passamos de fato do ponto-de-não-retorno.

Eu lembro de quando era criança nos anos 90 e início dos anos 2000, lendo revistas científicas (sempre fui um entusiasta do tema) dos anos 80 e início dos anos 90 questionando a viabilidade da internet e computadores pessoais. Internet rápida, computadores em casa e comunicação a qualquer momento em qualquer lugar parecia algo distante e ainda se questionava a durabilidade daquilo. Nos anos 80 e 90 haviam pessoas que apostavam que a internet era apenas uma moda passageira. Outros apostavam que a internet ia representar o fim da comunicação como conhecíamos, extinguindo o rádio e a TV.

Não poderiam estar mais distantes da realidade. A internet se tornou uma sólida realidade, tão grande e importante que é a base que sustenta o rádio e a TV hoje em dia. A maior audiência do rádio tem canal no Youtube, os melhores canais de TV do Brasil exibem sua programação ao vivo nos seus sites oficiais. A internet se tornou a pedra de sustentação de toda forma de comunicação, não apenas em massa, mas também privada. Se queremos falar com alguém mandamos uma mensagem pelo Telegram, se for urgente, ligamos pelo Whatsapp.

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Não é o fim do mundo como imaginaram os escritores de ficção científica pelo alto grau de adptabilidade do ser humano. É a sobrevivência do mais apto.

Mas a criatividade é uma faca de dois gumes. Grandes corporações também são altamente adaptáveis e o controle que antes era exercido pela TV, sempre alvo da CRÍTICA SOCIAL FODA nos anos 90, agora é da internet. Facebook, Twitter, Instagram se tornaram os grandes alienadores e o pior, poucos percebem isso.

Encontramos amigos, compartilhamos ideias, discutimos, brigamos, namoramos, jogamos games, fazemos tudo pela internet e por essas redes sociais. Vivemos grudados em nossas telas de celulares, olhamos para o smartphone a cada minuto, às vezes nem para ver se chegou alguma coisa, apenas para sentir o dedo deslizar pela pele. É um comportamento compulsivo que tem se tornado alvo de estudos científicos reais.

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E qualquer um que fale algo contra as grandes corporações que têm se colocado como a vitrine para o mundo online (Facebook, Google, Twitter, etc...) é logo taxado de maluco. Basta lembrar que anos atrás Alex Jones falou basicamente a mesma coisa que Elon Musk, de uma maneira muito mais pirada e virou piada. Mas os dois sabem qual caminho que a humanidade está tomando. E pior, estamos escolhendo esse caminho.

Vende-se a imagem de que estamos interagindo com amigos, conhecendo pessoas novas, fazendo amizades, criando conhecimento, mas isso tudo não é real. Como indicado por Newport, estudos científicos têm mostrado que as interações digitais não tem o mesmo valor que as interações reais. Elas podem ativar certas áreas do cérebro que trazem uma sensação momentânea de bem-estar, mas essas substâncias representam apenas uma fração de tudo que você obtém com cada interação real e analógica.

Não apenas não são suficiente como elas trazem consequências drásticas para a nossa realidade. As interações digitais sustentam vícios e aumentam o ego, aumentando a artificialidade da vida das pessoas, além dos riscos reais que elas correm atrás de mais e mais likes. Tudo isso é feito por profissionais, que estudam como fazer os seres humanos mais viciados em seus produtos digitais. O som que o seu celular faz toda vez que chega uma mensagem foi detalhadamente planejado para viciar o seu ouvido.

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Num ponta você tem engenheiros planejando como te deixar mais preso a sua telinha de smartphone e na outra ponta você tem vendedores convencendo donos de empresa a anunciar no aplicativo ou site dele porque ele tem acesso a uma porrada de pessoas e ele sabe como fazer essas pessoas prestarem atenção nas suas telas. É o capitalismo de vigilância. Estão olhando para você, estudando você para vender coisas para você que farão com que eles consigam olhar mais detalhes da sua vida.

Mas o problema não é apenas isso, porque é isso que todo tipo de mercado faz. Ou você acha que o japonês da feira segue qual processo pra definir os pastéis que ele vende? Qual o processo que leva ele a escolher mais queijo, presunto e carne moída do que carne seca, palmito e camarão? É o mesmo processo de estudo e seleção que basicamente fez o mundo o que é, a seleção natural, mas no sistema de trocas que nós convencionamos chamar de “capitalismo”.

O problema é isso ficar concentrado na mão de uma meia dúzia de pessoas. A centralização é sempre ruim. Hoje está nas mãos de umas poucas empresas do Vale do Silício. Professoras como Shoshana Zuboff prefeririram que estivessem nas mãos do governo, mas daria na mesma. Centralização não presta! Aprendam isso de uma vez por todas!

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Como bem dito por Newport a internet precisa de descentralização. Ela nasceu descentralizada e deveria ter sido assim pra sempre. Eu peguei apenas um pedaço da fase selvagem da internet, com seus inúmeros blogs, fóruns e áreas de comentários. Era uma bagunça e era difícil de separar o joio do trigo, mas pelo menos era você quem separava e não alguém que separava para você. Alguém que não te conhece, que vê você apenas como mais uma fração do seu negócio bilionário e alguém que não concorda com o que você concorda!

Então a solução de Newport me soou muito interessante. A ideia por trás do minimalismo digital é seguir algumas estratégias que te farão interagir melhor com as tecnologias que você tem acesso atualmente. O primeiro passo é um mês de desintoxicação. Um mês sem acesso a toda a tecnologia que te cerca, das redes sociais inúteis, aos programas que você utiliza para passar o tempo e os sistemas de mensagem online que você usa diariamente.

A tarefa aí já é difícil, porque muito do que utilizamos hoje em dia acabam não apenas sendo úteis, mas necessários. Eu mesmo uso o whatsapp pra trabalho, poxa! Mas isso é definir suas prioridades. Se você utiliza o Telegram pra trabalho, então por aquelas 8 ou 9 horas em que você tem que trabalhar, use-o. Depois desligue-o. Desintoxique-se e encontre suas prioridades digitais.

Após isso, livre-se de tudo que é desnecessário. Essa semana me livrei do Instagram. Ainda tenho a conta, porque uso ele pra manter contato com algumas pessoas e também porque sigo diversos artistas que curto. Mas o que me levou a desinstalar o app do meu celular foi o fato de que eu perdia mais tempo curtindo imagens no Instagram do que desenhando, então pra que usar isso pra inspiração se eu não exercito minha inspiração com ele? É legal que isso é falado no podcast também e eu havia deletado meu instagram antes de terminar de ouvir.

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Feito isso você vai ficar com muito tempo livre e aí é hora de sair de casa, achar um hobby, suar, se sujar, fazer algo real, analógico.

É hora de sermos radicais. Temos que abandonar a internet, porque ela já não é essa terra de homem nenhum, onde podemos ser livres e felizes. Aos poucos está se tornando mais e mais um terreno de controle social. Só sendo radicais podemos evitar o futuro terrível que o Elon Musk prediz.

E eu não acho que ele está errado. Acho que a Singularização será um fato e não vai demorar muito pra acontecer, mas a humanidade não vai acabar, o mundo analógico vai continuar existindo. Tem pessoas, como o próprio Elon Musk, que há anos alertam sobre os males da Inteligência Artificial e tem um número ainda maior de pessoas que escutam eles. Nós te escutamos Elon Musk.

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Sempre irão existir as pessoas que não irão se misturar com as máquinas, que vão preferir morrer do que serem eternas consciências digitais e irão preferir serem fazendeiros na Terra do que ciborgues em Marte. Amish do século 22, porque não?

Enquanto escrevo isso não posso deixar de lembrar de uma grande voz contra a tecnologia do século 20. David Foster Wallace, que focou especificamente e acertadamente num aspecto muito danoso da tecnologia, que é o entretenimento. DFW falou em diversos escritos sobre os malefícios do entretenimento excessivo que apenas as novas tecnologias poderiam nos trazer. Ele tinha medo dos computadores e da internet, porque viu os efeitos danosos que a TV nos causou. Ele chegou ao ponto de escrever um livro inteiro só pra dizer pra você parar de ler e ir fazer alguma coisa da sua vida!

Mas DFW errou onde o Art of Manliness acerta. DFW olhava as coisas pelo aspecto totalmente negativo e desolado. O mesmo aspecto que o Elon Musk parece olhar atualmente. Bret McKay olha pelo lado positivo e não diz apenas abandone isso e vá fazer algo da sua vida! Ele te diz o que fazer. Vá cortar madeira! Levante pesos! Aprenda a assobiar com dedos! Converse com o seu barbeiro! Peça uma garota em namoro!

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É esse tipo de atitude positiva que precisamos ter também. Não basta apenas olhar para os grandes escândalos, culpar a internet e declarar que o fim do mundo se aproxima. É preciso fazer algo, encontrar um motivo para viver e acreditar que o futuro pode ser melhor, se não para o mundo, ao menos para a sua família.