quinta-feira, 25 de abril de 2019

Dica literária: “Nove Estórias” de J.D. Salinger (1953)

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Enquanto escrevo essa dica estamos, aqui onde moro, naquela época do ano em que chove descontroladamente, o céu fica nublado o dia todo e dá pra tirar os cobertores do armário pra ler Salinger o dia todo deitado na cama com um cappuccino do lado. Foi o que fiz nos últimos dois dias lendo uma obra que há muito não revisitava: Nove Estórias.

Publicada em 1953 e sei-lá-quando na 3ª edição brasileira que tenho em mãos, esse livro reúne nove dos mais aclamados contos que o autor escreveu e publicou no New Yorker quando em vida. Isso foi antes dele se tornar um chato fanático e viver em reclusão numa cidade do interior. Aqui todo a genialidade de Salinger aflora num nível que nem mesmo o mais entusiasta de O Apanhador no Campo de Centeio poderia imaginar. Chocante, transgressor e garboso, cheio de charme ao mesmo tempo, esses nove contos são pérolas que me impressionaram quando adolescente e continuam me atingindo como um raio, embora hoje as encare de uma maneira diferente do que antes.

Nenhuma delas forma um ciclo, algumas se relacionam apenas brevemente e os últimos esforços narrativos conhecidos de Salinger fizeram com que elas ganhassem um viés metaficcional dentro de seu universo familiar. No entanto, a primeira e a última compartilham um existencialismo mordaz, beira o niilismo que me deixou extasiado quando adolescente e hoje me impressiona pelo controle que Salinger tinha sobre a narrativa.

Ainda que hoje não me impressione mais com conclusões niilistas e análises cruas de uma sociedade condenável, o controle que ele demonstra ter sobre cada pequeno detalhe da história (cada descrição, diálogo ou pensamento que possa ocorrer) são louváveis. Ao término da leitura do livro fico com a sensação de que nenhuma vírgula foi em vão. Ele pensou em tudo.

Os temas são variados, mas igualmente negativos. Niilismo, desilução, alienação, controversão e sordidez recheiam as páginas dos contos que Salinger escreveu. Tudo partindo de uma visão de mundo muito particular (nobre, até mesmo burguesa, qual o problema?) que injeta camadas de beleza em cada uma de suas sentenças e é nesse ponto que reside o chamamento de cada uma de suas estórias.

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Esteticamente é um primor. A narração irônica deixa claro as origens de Salinger, que enaltecem um ideal de beleza virtuoso. Isso acaba sendo refletindo nas suas descrições de momentos mundanos, num realismo que acaba abrindo espaço para toques de Midas sabiamente orquestrados para fazer até mesmo da ponta queimada de um cigarro uma obra renascentista.

Tudo bem, eu exagero, mas é realmente bom. Neste ano, Salinger faria 100 anos se estivesse vivo. Data que praticamente passou em branco, pois a vida pessoal desse gigantesco autor foi conturbada demais para o jornalismo militante atual. De qualquer forma, esse blog tenta fazer uma singela homenagem a esse que foi um dos últimos (se não o último) grande escritor cosmopolita americano.

5 pontos