sexta-feira, 12 de abril de 2019

Qual é o meu gosto?

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Numa discussão com meus irmãos do LocadoraTV um deles disse que não acessa mais o blog, pois tenho o gosto duvidoso.

Não o critico, pois é só dar uma olhada nas minhas dicas aqui do blog que você encontrará motivos para duvidar do meu gosto pessoal. MC Gorila, Hora do Rush (a série) e As Branquelas são os exemplos mais claros disso. Não demorou muito para que eu entrasse numa discussão interessante com os LocadoraTVeiros.

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Pra começar, falemos de gosto. Como diria Burke, o gosto não é um parâmetro definitivo para a definição do que é bom ou ruim. O gosto é uma representação de um condicionamento que a pessoa sofreu ao longo de sua vida. Uma pessoa pode ser condicionada a gostar de vinagre e odiar açúcar, mas ela nunca deixará de saber que o vinagre é amargo e o acúçar é doce. Se isso acontecer, há algo de errado com os seus sentidos.

Dito isso, podemos admirar coisas e saber que elas são ruins. Eu admiro coisas, sabendo que elas são ruins. Eu sei que MC Gorila, a série da Hora do Rush e As Branquelas são piores que Franz Liszt, O Mecanismo e They Shall Not Grown Old. Ainda assim, admiro essas obras, porque eu fui condicionado a admirá-las.

Eu sou um integrante do povo. Cresci numa família popular, ouvindo modão caipira, assistindo desenho de manhã e lendo gibi da Turma da Mônica. Ao mesmo tempo, meu pai trabalhou numa editora por muitos anos e minha mãe é uma historiadora muito crítica. Dessa influência cresceu o meu gosto pela literatura, a crítica verdadeira e o bom gosto. Domingo a tarde, a TV de casa só era ligada para o futebol. Meus pais nunca deixaram de criticar a programação da TV brasileira, a degeneração moral que nossa terra sofre e as mazelas do governo.

Concluindo, tenho um pé na baixa cultura e um pé na alta cultura.

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Isso é completamente possível e aceitável. Explico isso em alguns parágrafos, mas antes temos que falar em quem define o que é a alta e a baixa cultura.

Meus amigos do LocadoraTV defenderam a ideia opressora da maioria. Hoje isso está muito em voga, se a maioria gosta, é porque é bom, se não é ruim.

Nada mais longe da realidade.

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Obviamente a definição de bom e ruim passa por um consenso em que a maioria concorda, mas não é necessariamente definido pela maioria. ATENÇÃO! A questão discutida aqui é o ponto de partida. Se num grupo de 5 pessoas, 3 falam que algo é ruim e 2 falam que algo é bom, algo é ruim.

Em matéria de arte não é assim. 60% do mercado fonográfico brasileiro é constituído de sertanejo universitário. É um gênero bom? Não. As músicas não contam nada, as melodias são repetitivas e a harmonia é pobre. Ainda assim, é o que a maioria gosta.

Vejamos o exemplo da minha querida Nouvelle Vague, o movimento de vanguarda do cinema francês nos anos 60. É um consenso de que os filmes da Nouvelle Vague são bons, excelentes, entre os melhores da história do cinema. Mas quem disse isso? A minoria que os assistiu.

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A ditadura da maioria não deve se aplicar ao mundo das artes, se não cairemos numa espiral do silêncio, que já destruiu a esfera política, acabou com a relevância da esfera artística e tem potencial para destruir a esfera do entretenimento também.

E nessa discussão toda, onde entra o meu gosto, que não é definido pela maioria e reconhece as falhas de meu condicionamento pessoal para a admiração de obras de arte?

Recorro a teoria da ferradura de Jean-Pierre Faye, que é aplicada no campo da política para dizer que os extremos político são, na verdade, muito próximos. A extrema direita e a extrema esquerda andam de mãos dadas na sua intolerância.

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A Cultura também é uma ferradura e a alta e a baixa cultura também são muito próximas. É inegável o quanto que a Rapsódia Húngara mexe com as emoções humanas. Foi criada para isso, com a nobre intenção de tocar os seres humanos no âmago.

É inegável que o mesmo acontece com “Se Arrependeu” do MC Delano. É uma canção que nos move, para outro lado, mas nos move. Não é uma música criada a toa e o clipe é a maior prova disso. Logo no começo, enquanto o protagonista tenta se reerguer após o término de um relacionamento, ele puxa um livro da sua estante. Esse livro é As Veias Abertas da América Latina, um clássico anticapitalista que eu, particularmente, desprezo, mas é um livro inteligente. Esse livro não está no clipe do MC Delano a toa. MC Delano não é qualquer um. Ao longo do clipe o negão bonito abandona a loirinha e vai ficar com uma mulata muito gata! Você acha que tudo isso foi simplesmente soltado a toa? Pense nas relações que podemos estabelecer com essas imagens... Há algo além do que nossos olhos vêem.

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É o mesmo com o Gorilão, com os irmãos Wayans e com qualquer outro grande menosprezado pela “crítica especializada”, pelos defensores do “bom gosto”, os supostos “inteligentes”. Aquela obra de arte caça-níquel, safada, esdrúchula, em muitos casos não saiu do nada. Há um estudo de mercado, uma intenção. Por trás de cada piada de peido do Adam Sandler, há uma compreensão de qual o melhor momento para se encaixar uma piada, uma construção de uma situação que leve ao humor e uma intenção.

Isso é algo que minha mãe me ensinou e eu, graças a Deus, aprendi cedo. Por trás de toda obra de arte há uma intenção. Algumas, a alta cultura, a intenção é nobre, virtuosa, grandiosa. Outras, a baixa cultura, a intenção é sujar, criar o caos, destruir.

Em ambos a intenção é quebrar o status quo. Os extremos querem nos mudar, um para melhor, outro para pior. É essa a ideia que criou a estética do cinema trash e filmes B dos anos 70 e 80. É a estética da boca do lixo em SP, dos filmes do John Waters e do Fome Animal.

Aí eu chego ao que me desagrada. Não é nem a alta, nem a baixa cultura, é a média cultura. O que eu não gosto é de tudo aquilo que está no meio da ferradura, são os filmes formulaicos, as músicas pop repetitivas, as séries que não seguem um projeto e os livros criados só para vender. É isso que é ruim de verdade, é por isso que eu não vou mais ao cinema.

Alguém acha que o Tony Stark vai morrer no final do Vingadores: Ultimato? Alguém se surpreendeu com o novo CD da Anitta? Quem dá risada assistindo o Novo Zorra?

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Tudo isso é formulaico, eles seguem uma fórmula que fez sucesso e a exploram até não poder mais. Eles jogam no seguro, não correm riscos. Não tem skin in the game. É isso que eu acho ruim, de verdade. Eu nem me importo que uma obra me ofenda (Thomas Bernhard, por exemplo), contanto que seja disruptiva, transgressora, que me surpreenda em algum de seus aspectos!

Pra encerrar, uma lista de brilhantes e seus opostos, mas o responsável por descobrir o que é brilhante e o que não é, será você:

Luz em Agosto, O Náufrago (livro), Nirvana, MC Delano, Black Sabbath, Agnaldo Timóteo, Arctic Monkeys, Franz Liszt, As Branquelas, 2001: Uma Odisseia no Espaço, MC Gorila, The Room, Solaris, Na Idade da Inocência, Fome Animal, O Senhor dos Anéis, Black Mirror, Watchmen, Elvira: A Rainha das Trevas e qualquer obra do Adam Sandler.