sexta-feira, 28 de junho de 2019

A Razer Brasil deu um grande passo em direção a uma cultura sadia

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No último final de semana, um acontecimento abalou a internet brasileira. No dia 21 de junho deste ano de nosso Senhor 2019, uma gamer representante da marca Razer no Brasil postou uma imagem no twitter em que estava montada num touro mecânico e dizia estar “montada no chat”. Um usuário qualquer do twitter respondeu “pode montar em mim a vontade :)” e como ela não gostou do comentário respondeu de forma grosseira e desabafou “homem é lixo”.

A seguir, outro usuário respondeu com a seguinte mensagem: “Poxa nome censurado para segurança do blog não precisa generalizar :(”, ao que a representante da Razer respondeu que precisava sim e afirmou que o homem que não é lixo é exceção.

Após isso seguiu-se uma onda de indignação com a atitude da menina, puxada por, pasmem, outra menina! E então surge a Razer Brasil, que num comunicado oficial no Twitter anunciou que a tal gamer não teria o contrato renovado, que iria acabar em poucos dias.

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Em seguida, outros acontecimentos vieram, como indignação da lacrosfera e até mesmo declarações de morte a gamer que perdeu contrato com a Razer. No entanto, este post é dedicado a celebrar a corajosa atitude da Razer Brasil, que pode até ser vista com dúvida, mas foi muito acertada.

A tal gamer não desabafou apenas, ela optou por realizar uma generalização imbecil. Já disse em outras oportunidades que toda generalização é idiota. Ela usou uma generalização como regra, mas não existe regra sem comprovação empírica. Quais as comprovações empíricas de que homem é lixo?

Por mais que internautas brasileiros, de sangue latino e emocionais, tenham exagerado e vacilado com o ocorrido, um erro não justifica o outro. A decisão da Razer foi acertada, pois o que interessava a Razer era o que uma gamer que tem patrocínio da marca está falando ou deixando de falar ao seu público e no caso ela falou um enorme erro.

Generalizar todo homem como lixo é apenas mais uma faceta do mal que acomete os nossos tempos, é apenas mais uma faceta do que Robert Bly já nos havia alertado há mais de 30 anos, vivemos uma crise da masculinidade.

Os movimentos sociais dos anos 60 tiveram o papel importantíssimo de valorizar e colocar em destaque minorias de todo tipo, mas o que vivemos, de fato, foi apenas uma inversão da pirâmide, quando a luta inicial buscava a destruição da pirâmide que oprimiu minorias por tanto tempo. Quem foi jogado para baixo dessa pirâmide? Homens, brancos e heterossexuais. Se você se encaixa nas 3 categorias, boa sorte nesse mundo, meu amigo... vai precisar.

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Apesar dos resultados não serem sentidos com força na economia e na política, eles são muito presentes na cultura. A guerra cultural foi real, já está ganha. Basta ver a representação de pais nas séries ou filmes, é sempre um boçal e Homer Simpson é o seu maior representante. Os originais da Netflix nem se esforçam mais. A própria associação de psicologia dos EUA declarou que a masculinidade tradicional é a causa dos problemas psicológicos dos homens. Como bem mostrou a propaganda em resposta a Gillete da Egard, homens são a maioria dos sem-teto, representam a maioria das fatalidades nos locais de trabalho, constituem a maioria das vítimas de homicídio, são a maioria das vítimas de sucídio. A guarda unilateral em casos de divórcios é, quase sempre a priori, da mãe. Homens são a maioria dos desistentes em escolas e minoria nas universidades e poucos ligam ou fazem algo pra mudar isso. Por que ninguém fala do Complexo de Adonis? O simples fato de alguém escrever um parágrafo desses incomoda por quê?

Se antes o homem era o provedor, o centro da família e carregava o mundo nas costas com orgulho e todos olhavam para ele com temor, hoje em dia é objeto de desprezo, motivo para risadas e coisa de gente “normal demais”. Ninguém deve ter orgulho de ser homem. Ninguém deve se sentir confortável em ser hétero. Ninguém pode achar pessoas brancas bonitas.

Isso não é igualdade, isso atesta contra tudo aquilo que os movimentos sociais dos anos 60 lutaram para estabelecer, mas serve para mostrar a hipocrisia de diversos setores da sociedade, que preferem fechar os olhos para problemas reais a fim de criar uma hegemonia para os seus próprios grupinhos fechados.

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Eu já falei pra dúzias de amigos, nós, como espécie mesmo, não estamos pronto para uma sociedade igualitária. Somos egoístas demais, mesquinhos demais, miméticos demais para isso. Porém, felizmente, ainda há quem tente e a Razer deu um passo enorme na construção de uma cultura verdadeiramente igualitária, com respeito de fato, sadia.

Fica aqui o meu parabéns e meu obrigado!

quinta-feira, 27 de junho de 2019

Dica literária: Cartas de um diabo ao seu aprendiz (1942)

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C.S.Lewis foi um grande autor. Soube aliar filosofia, teologia e literatura como poucos. Suas obras constituem de grandes ensinamentos morais, mas nunca perdem o valor artístico que é tão raro encontrar em obras desse cunho, ainda mais aquelas feitas a partir do século 19, que encontrou artistas qualificados para tal atividade apenas na Mãe Rússia. Enfim, a dica de hoje é de um dos trabalhos mais significativos dessas qualidades que formam a obra de Lewis.

Cartas de um diabo a seu aprendiz é um livro que se propõe a apresentar cartas escritas pelo diabo Maldonado ao seu sobrinho Vermelindo. São mais ou menos 30 cartas que contam com conselhos diabólicos de um diabo experiente e que já assumiu um cargo de gerência na burocracia infernal, para um jovem diabo que ainda não sabe direito como atentar um ser humano. Ao longo dessas cartas conhecemos um pouco da vida pessoal do humano sendo atentado por Vermelindo, mas, principalmente, adentramos um universo de conselhos e pensamentos que exploram o lado negro da humanidade.

Pensamentos acerca das atitudes modernos, o desenvolvimento tecnológico desenfreado, políticas dominadoras e destruidoras, além de uma característica muito pertinente aos dias atuais: a inatividade. Além desses, muitos outros pensamentos menores, mas sempre muito sagazes, formam uma narrativa simples, porém profunda. Sua linguagem é fácil, mas os pensamentos provenientes de sua leitura não.

Este livro precisa ser leitura obrigatória para todos os estudantes brasileiros.

De forte cunho moral, o livro não apresenta apenas características negativas, pois também nos mostra o que fazer para escapar às tentações infernais, no entanto, sendo um livro constituinte de cartas de um diabo, essas características são apresentadas de uma maneira altamente negativa. A dicotomia criada entre o que nos é apresentado como ideal e entre o que sabemos ser ideal é marcante e gera até um certo efeito cômico ao livro.

Ao final, temos ainda a adição de um discurso de Maldanado a uma turma de diabos formandos, que mantém o tom das cartas, mas com uma profundidade ainda maior, pois nos diz sobre a tal da inação que já falei. É um chamado ao radicalismo, que já cheguei a delinear aqui no blog em outra oportunidade.

A edição que tenho é muito bonita. Capa dura e com uns desenhos em alto relevo, mas contém alguns erros de gramática no meio do livro. Nada que comprometa a leitura, mas é de se notar. Também é primeira edição, talvez tenha sido mudado já.

De qualquer forma, a leitura desse livro é essencial para qualquer pessoa que queira se tornar um ser humano melhor.

5 pontos

terça-feira, 25 de junho de 2019

Dica cinematográfica: “The Incredible Shrinking Man” (1957)

 

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Mais um clássico de ficção científica perdido na história do cinema, mas que é influência até os dias de hoje.

The Incredible Shrinking Man conta a história de Scott Carey, um homem de negócios que durante férias com sua esposa, Louise, acaba sendo atingido por um nuvem radioativa enquanto veleja em alto mar. 6 meses depois, Scott começa a perceber que suas roupas estão ficando maiores e mais largas. Ao consultar um médico, ele recebe o diagnóstico que temia: Scott está escolhendo a cada dia que passa.

Filmado ainda em preto e branco numa época em que o cinema de horror não se ligava a jump scares, The Incredible Shrinking Man é uma das obras mais influentes do cinema de ficção científica. Adaptado de um livro pelo próprio escritor o filme é um exemplo do que o gênero de ficção científica tratava antes do surgimento de guerras intergaláticas e épicos espaciais nas telonas.

Talvez devido a escassez de recursos ou talvez pelo zeitgeist dos EUA que gerou essa obra, o filme tem um ar mais contemplativo. Seu olhar é voltado para o humano e pouco se concentra nas explicações pseudo-científicas para o fenômeno demonstrado.

A explicação é simples, Scott entrou em contato com resíduos nucleares e veneno para inseto num curto espaço de tempo, o que resultou no seu encolhimento. A solução é um antibiótico que acaba por não funcionar.

Nesse meio tempo o relacionamento de Scott e Louise deteriora, pois nenhum dos dois mais consegue se entender. Seus mundos vão ficando cada vez mais distantes, fisicamente e emocionalmente. Louise se rende ao plano de seu cunhado e usa o marido como forma de ganhar dinheiro. Scott fica famoso, mas saber que é uma aberração apenas o deixa mais frustrado, rendendo-se a um ódio que o afasta de sua família.

É um filme que poderia ser facilmente uma mostra de niilismo profundo, mas não é. Ao final, quando Scott perde tudo e encolhe ao ponto de nem ter presença biológica, percebe que sua consciência ainda existe. E é nesse momento que Deus lhe é revelado.

O filme é lindo e poderia ter um remake que faria as audiências atuais chorarem se fosse bem feito, com simplicidade e audácia, mas duvido que algum filme seja executado dessa forma em Hollywood atualmente. De qualquer forma as dificuldades tecnológicas que fazem essa obra ser claramente alvo de piada não diminui o seu valor.

The Incredible Shrinking Man é potente, corajoso e destemido em sua proposto. Dono de uma narrativa audaz e muito bem construída, é um desses raros exemplos de ficção científica que te faz pensar e ponderar dias e dias a sua mensagem.

5 pontos

quinta-feira, 20 de junho de 2019

Dica cinematográfica: “Veneno para as fadas” (1984)

 

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Fugindo do cinema europeu e norte-americano, hoje iremos para a América Latina, que também consegue produzir bons filmes, quando deixa a militância de lado e passa a se preocupar com a construção de boas histórias.

Veneno para as Fadas conta a história de duas amigas, Veronica e Flavia. Veronica, é uma menina aparentemente órfã que tem como norte apenas as histórias que sua avó lhe conta, notoriamente as histórias de bruxa, que a fascina. Por causa disso, Veronia se encontra mais isolada de seus colegas de sala e fica deslocada do mundo, procurando refúgio no seu mundo de fantasia. Já Flavia é uma menina recém-chegada na escola de Veronica e logo fica encantada pela personalidade de Veronica. As duas começam a se entender e formam uma amizade, mas a relação filial é prontamente abandonada para criar uma rivalidade mimética entre as duas meninas que só pode terminar em tragédia.

O filme é um terror muito bem construído, fortemente baseado no suspense para criar a sensação de susto eminente que nunca a se concretizar. Isso acaba criando uma atmosfera pesada em quem assiste, que é forçado a esperar até o último momento o acontecimento realmente maléfico da obra.

Explorando uma imagética mística a qual retoma a bruxaria que Veronica tanto gosta, o filme tem um ar denso e asqueroso, mas com doses oníricas. Isso serve de contraste para a imagem criada com as duas protagonistas da obra. Ambas brancas, sempre em vestidinhos bonitos e delicados, com cabelos arrumados e rosto impecável, escondem dentro de si atitudes e pensamentos puramente maléficos.

Veronica surge na vida de Flavia colocando em cheque as crenças que a menina recebe dentro de casa. Essa abertura a um novo mundo é uma oportunidade que Flavia não consegue deixar escapar. Veronica parece estar sempre um passo a sua frente e Flavia deseja estar um passo a frente de Veronica, mas é interessante que ela nunca faz isso de maneira clara. Flavia procura sempre manter uma distância, criando um certo ar blasée que não convence a audiência, mas vai influenciando aos poucos Veronica. Esse jogo mimético se arrasta durante o filme todo, nunca concluindo os desejos de Flavia ou Veronica. O resultado, já expresso nos diversos livros de Girard, só pode ser um: a tragédia.

Esse é um filme extremamente interessante e consegue nos revelar de forma sutil a natureza mimética a qual todo ser humano está preso.  Se queremos o que o outro deseja, no fundo desejamos ser o outro. Em última instância a existência de um terá que ceder para que o outro possa triunfar. E isso Veneno para as Fadas mostra de uma maneira fenomenal. O resultado é perturbador e afasta um pouco, mas não deixa de ser admirável.

Aliando uma estética onírica com uma atmosfera de horror, essa obra mexicana é um clássico perdido que merece ser trazido à tona para nos mostrar que o cinema latino-americano não fica resumido à pobre panfletagem.

4 pontos e meio

terça-feira, 18 de junho de 2019

Dica musical: “Punk” de Chai (2019)

 

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2019 é o ano do rock e não me arrependo de dizer isso. Além de Self Defense Family, Angel Du$t, La Dispute e American Football que são velhos conhecidos do blog, temos ainda novas caras como a banda japonesa Chai, formada só por garotas e que produzem um punk rock muito gostoso.

Punk é o segundo álbum de estúdio das japonesas e eu não posso compará-lo com outros sons que a banda já produziu, pois este é o primeiro que escuto delas. Sendo assim, minha opinião do álbum é crua e simples, olhando para ele como ele é e não como poderia ou deveria ser.

Como o próprio nome já diz é um álbum punk e sua sonoridade acelerada, músicas rápidas e letras simples, mas cabíveis de interpretações expansivas é característica do gênero. As guitarras são distorcidas, mas sem muita firula, o som é cru, simples e pesado. O baixo marca a presença em todas as canções e a bateria é potente, impositiva e forte. O álbum como um todo te choca, te espanca e faz você querer pular em cima de uma plateia suada e fedida de uma casa de shows pequena.

No entanto, vindo do Japão é lógico que não poderiam faltar elementos experimentais. Bebendo de uma longa tradição que consagrou sub-gêneros como o noise rock, Chai une aos elementos clássicos do punk, elementos eletrônicos. Teclados distorcidos e batidas aceleradas que acrescentam camadas de sons que rasgam os ouvidos são características marcantes das músicas desse álbum.

O resultado nem sempre é harmonioso, mas condiz com o que parece ser a intenção da banda. A capa nos apresenta uma figura fofinha para uma banda de punk e esse contraste é elevado no som que Chai cria. Pode não ser a coisa mais agradável de se ouvir, mas é uma dinâmica interessante e que vale a pena ser ouvida.

3 pontos e meio

quinta-feira, 13 de junho de 2019

Dica cinematográfica: “O homem do Rio” (1964)

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Mais uma raridade francesa, dessa vez estrelada pelo excelente Belmondo numa de suas atuações mais divertidas.

O Homem do Rio conta a história de Adrien Dufourquet, um soldado que recebe uma folga de uma semana e, portanto, decide passar esse momento com sua namorada, Agnés. O problema é que quando ele chega no apartamento da moça ela está sendo interrogada pela polícia, pois um ex-sócio de seu pai foi assassinado e apenas uma estátua rara de uma tribo indígena da América do Sul foi surrupiada. As suspeitas da polícia são concretizadas quando em plena tarde, Agnés é sequestrada e Adrien corre atrás dela, chegando ao cúmulo de entrar num avião clandestinamente e viajar, junto com os sequestradores e Agnés, para o Brasil.

O filme todo tem um tom muito leve, reminiscente das histórias do Tintin e outros personagens da cultura pop francesa da época. É uma aventura simples que passaria facilmente na Sessão da Tarde ou na Temperatura Máxima, sendo ideal para toda a família assistir.

Apesar de uma premissa simples, o filme se arrasta para lugares inimagináveis. Há uma conspiração envolvendo um tesouro indígena, que envolve políticos de Brasília, artistas do Rio, membros do exército e indíos da amazônia. O filme cresce e se expande, mas nunca perde a ordem. A narrativa é bem construída.

Infelizmente, ela também abusa da liberdade criativa. Adrien e Agnés, por exemplo, pegam um carro e dirigem do Rio até Brasília pra encontrar outro ex-sócio do pai dela. As distâncias continentais brasileiras são resumidas às distâncias francesas, que são superadas por qualquer estrada estadual do Brasil. Outro ponto de crítica muito forte é o abuso do estereótipo brasileiro.  O primeiro brasileiro que Adrien encontra é um engraxate descolado do Rio. Em outro momento, Agnés relaxa sambando numa favela.

Apesar de uma crítica válida, eu acho válido também desconstruirmos essa crítica e abraçar o estereótipo. Infelizmente nossa população é pobre e até hoje se submete a trabalhos pouco dignos, sem perder o sorriso. Ainda assim somos alegres e estamos sempre celebrando quando podemos. O estereótipo do brasileiro é também uma amálgama de nossas maiores qualidades.

Nos aspectos técnicos é um filme impecável, apesar de exagerado. As manobras que Adrien dá para salvar o dia são absurdas e não podemos esquecer que tudo que acontece no filme se passa em apenas 1 semana. Ainda assim, os efeitos especiais estão de parabéns. É fácil notar como tudo é falso (por exemplo, as cenas do avião ou as pedras do templo caindo), mas temos que lembrar que esse filme foi feito há mais de 50 anos.

O filme é bom, poxa.

4 pontos

terça-feira, 11 de junho de 2019

Dica musical: “American Football” de American Football (2019)

 

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E os meus queridos voltaram! E com mais um CD de nome American Football. Agora o pessoal começou a grafar Americ anFootball pra diferenciar, mas por uma questão de comodidade eu vou continuar escrevendo como sempre escrevi.

Após o retorno da banda alguns anos atrás, American Football entrou um pico de criatividade que os fizeram realizar diversos shows pelos EUA e Europa e agora já lançam o seu segundo CD em menos de 10 anos. Seu segundo CD pode ter desapontado algumas pessoas, mas não a mim, pois eu sei que eles nunca irão atingir o nível de excelência conquistado com o LP 1, que contava com uma série de elementos da vida pessoal de cada membro, os quais contribuiram para a criação dele.

O segundo CD é diferente, mais lento, leve e maduro e o terceiro não é muito diferente disso. A grande diferença é que este terceiro CD encontra-se num campo mais ousado, irreverente que apenas a experiência pode lhes dar.

O LP 3 é uma obra superior ao segundo. Aqui encontramos mais elementos de jazz do que no primeiro e segundo, de uma forma mais descompromissada que no LP 2, gerando uma profusão de elementos musicais muito agradável. É a tal da bagunça gostosa.

Lançado apenas alguns anos após o segundo CD, é de se imaginar que Mike Kinsella (o vocalista) não queira assumir como antes o papel de vocalista principal, abrindo espaço para colaborações. Elizabeth Powell, Hayley Williams e Rachel Goswell são os vocais femininos que fazem um excelente papel em assumir uma posição que nunca foi o forte do American Football.

Não é exagero imaginar que todas elas tenham crescido ouvindo a banda e se regojizam com a honra que é compartilhar do espaço deles.

American Football é uma banda recheada de falhas, sempre foi e aqui eles assumem suas falhas e brincam com elas, seguindo um caminho muito saudável. Nesse interim, as múscas deixam de ser simplesmente melódicas e espaciais, evoluindo o emo que eles ajudaram a criar, para abrir espaço a sonoridades mais pesadas e velozes.

Embora nunca seja música pesada, de verdade.

Melódico, sincero e desinteressado, o LP 3 de American Football, American Football, é uma obra muito boa, dentro de um nicho musical que precisa de novos ares.

4 pontos

sexta-feira, 7 de junho de 2019

Viva Carlos Alberto de Nóbrega!

Na quinta-feira passada, A Praça É Nossa terminou de maneira diferente. Ao contrário do típico “E a praça é nossa! Ela é muito nossa!”, o programa terminou com o Carlos Alberto de Nobrega descrevendo sua viagem a Brasília para receber o título de comendador das mãos de Rodrigo Maia.

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Uma iniciativa que começou com um pedido de Alexandre Frota, atual deputado federal, terminou com o maior escada da televisão mundial sendo recebido pelo atual presidente do Brasil em sua sala. Bolsonaro o recebeu de braços abertos num momento de pura descontração e alegria.

Após isso, em seção solene no plenário, Carlos Alberto foi chamado a frente para receber seu título e Onyx Lorenzoni anunciou que Jair Messias Bolsonaro vinha para a solenidade. Carlos Alberto recebeu o título de comendador, homenageando sua mulher e família, ao lado de Rodrigo Maia, Jair Bolsonaro, Alexandre Frota e até mesmo o Marcel Van Hattem estava sorridente lá no fundo. Tudo sendo transmitido pela TV Câmara.

O título de comendador é uma honraria dada a civis que se destacam na promoção da cultura, cidadania ou áreas afins. Tal título pode ser distribuído por muitos setores do governo e muitos artistas já receberam. No entanto, o que é surpreendente nessa história é a participação do presidente em tal solenidade.

Seções em que são feitas homenagens do tipo geralmente são restritas a uma panelinha de pessoas próximas ao homenageado. Políticos e outras figuras que acompanham o trabalho de perto o trabalho feito, mas é raro achar um seção que conta com a presença do representante maior do país.

Bolsonaro se disse honrado de participar do momento, congratulou Carlos Alberto por levar a alegria a todos nós no Brasil como o seu pai havia feito por tantos anos antes dele e finalizou seu breve discurso dizendo: “Sem humor, sem alegria, não tem-se razão de viver”.

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Eu já disse em outras oportunidades o quanto A Praça é Nossa é um excelente programa. Não só pelo seu valor histórico (só o Carlos Alberto está há mais de 50 anos liderando a atração), mas pelo seu valor cultural. É o único programa de humor que não se rendeu a onda do “humor inteligente”, nem ao stand-up comedy e muito menos ao politicamente correto, o qual sofreu duras críticas de Carlos Alberto de Nóbrega.

O resultado é um programa livre, aberto para os seus humoristas, que segue uma fórmula antiga e verdadeiramente brasileira, a das piadas prontas, com punch line. Por mais que um programa como o CQC tivesse feito sucesso ou que o stand up comedy tenha dado certo pra muita gente, o que o brasileiro gosta mesmo é de uma boa, breve e fácil piada pronta. Nós gostamos é de piadas com estereótipos, que brincam com a tragédia e abrem espaço para uma discussão rápida em torno de amigos numa mesa de bar.

Esse tipo de piada faz parte da nossa cultura. Está em nosso meio desde os primórdios da cultura no Brasil. José de Alencar já escrevia coisas nesse caminho e um clássico como Memórias de um Sargento de Milícias é um dos grandes atestados para isso. Nelson Rodrigues é lembrado até hoje por dar voz ao povo através desse recurso humorístico e Jô Soares e Chico Anysio, considerados pais do humor inteligente, nunca escaparam dessa fórmula.

E Bolsonaro reconheceu isso. Ele saiu de seu pedestal (ou o pedestal em que foi colocado) e nunca esqueceu suas origens junto ao povo. Isso é algo que nunca fez parte da natureza de nenhum presidente do país desde Jânio Quadros. E é por isso que foi eleito.

Em meio a presidenciáveis de quase 80 anos, que queriam ensinar português ao povo, descontrolados, com currículos falsos, que queriam censurar o whatsapp e fontes de memes, Bolsonaro foi o único que falou a língua do povo, como bem disse Mano Brown.

A verdade é que não houve uma guinada à direita, como defendem alguns. Foi a esquerda que se radicalizou. O povo não é trouxa, nem é massa de manobra como alguns setores da sociedade por aí. A verdade é que Bolsonaro faz naturalmente, o que o Marcel Van Hattem pensa duas vezes antes de fazer.

É por isso que ele ganhou. Simples assim.

Não precisa temer o Bolsonaro. Ele é só um tiozão do interiorzão do Brasil. Não é ele quem vai trazer de volta a ditadura, nem é ele que vai tirar o Brasil do buraco, mas ele é a representação de que a democracia no Brasil está, finalmente, alcançando a maturidade.

E viva Carlos Alberto de Nóbrega!

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quinta-feira, 6 de junho de 2019

Dica teórica: “O Banquete” de Platão

 

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Esta é uma leitura que estava devendo a um de meus grandes amigos há um bom tempo. Finalmente pude realizá-la.

O Banquete de Platão é um livro escrito em forma de diálogo que conta a história de um jantar realizado entre diversos pensadores gregos. Entre eles estão Fedro, o médico Erixímaco, o peta Aristófanes e, claro, o filósofo Sócrates, que discutem a natureza do belo e do amor (Eros).

Apesar de organizado na forma de um diálogo que se inicia com Apolodoro relatando o que aconteceu na casa de Agaton, o anfitrião do jantar, O Banquete trata-se mesmo de uma dispute entre os diversos pensadores. Eles expõem suas ideias acerca do belo do Eros, cada um seguindo a sua especialidade, portanto cada um tendo uma opinião e um foco diferente.

As discussões são muito frutíferas, explorando o Eros de um ponto de vista biológico, social, romanesco, culminando na interpretação filósofica de Sócrates que parece unir tudo o que foi dito antes dele. No pensamento grego, Eros não era entendido apenas como o amor entre amantes ou amigos, parentes ou mesmo o sexual, mas a essência de tudo isso e o que gera a beleza.

A beleza, eterna e nunca mutável, é o que move os seres humanos e é o guia para seguir a Eros, entendido como mais um dos deuses do Olimpo. Sem esse norte, o Eros se torna vulgar e repudiável, quando outrora é louvável e educador. O Eros é o próprio filósofo, é o intermediário entre o momento em que se encontra e o momento em que se deseja estar.

A narrativa é leve e segue de forma simples, porém, em certos momentos, densa. Exige uma segunda leitura, mas não é irritante, nem complicada. Pelo contrário, é agradável como poucas obras de filosofia antiga o são. Possivelmente pelo seu tema, que não sofreu o desgaste do tema que a política ou a metafísica sofreu, por exemplo. É ainda atual as discussões ensejadas dentro desse livro.

A edição que li foi a bilíngue da LPM Pocket. Tem a qualidade mediana de todas as edições da editora, mas uma qualidade tradutória, que eu acredito que seja, fenomenal. Se o tradutor deixa o original do lado para ser conferido, então é porque a tradução é boa. Ou o tradutor é muito corajoso.

No entanto, os comentários de DonaldoSchüler (tradutor) inspiram confiança em seu trabalho, pela humildade e atenção que ele demonstrou no trato do livro. Há uma edição bilíngue da editora 34, deve ser mais bonita, mas ela não é encontrada na biblioteca da minha faculdade.

Enfim, ler filosofia antiga é sempre um deleite, mas essa obra de Platão é especialmente boa, nos ensinando sobre a beleza e o amor, além de nos ensinar a como parar um soluço.

5 pontos

terça-feira, 4 de junho de 2019

Dica musical: “Músicas para Drift vol. II” do Yung Buda (2019)

 

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Anunciado desde o ano passado e muito aguardado por mim, Yung Buda finalmente lançou sua segunda mixtape, seguindo suas temáticas, mas abordando o trap com maestria.

Músicas para Drift vol. II não é uma continuação direta do volume 1. Pelo contrário, é um sólido trabalho dentro da discografia crescente do rapper brasileiro, que, nessa mixtape, se aventura pelo trap. As batidas são mais minimalistas, porém mais agressivas, mesclando-se com canções mais lentas e melódicas, por exemplo, Piloto e Califórnia (World Tour).

Nesse ritmo, a mixtape se encontra como a progressão clara dos sons que Yung Buda já havia explorado em singles como Beats by Deus e Hacker DressCode. Dessa forma, ainda que seja diferente do volume 1 lançado em 2017, há uma unidade nos seus lançamentos musicais.

Essa coesão é intensificada com os temas explorados. Sempre falando de mulher e carros velozes, com referências a animes e filmes cult, Yung Buda consegue criar uma estética muito clara que se encaixa como uma luva no zeitgeist da nosso Brasilzão atual.

Apesar de contar com apenas 6 canções, o álbum parece ser mais longevo do que realmente é. A atmosfera criada pelos instrumentais das batidas, muito espaciais e dinâmicos, dá uma impressão de que as músicas são mais longas do que realmente são. Elas ficam ressoando em nossos ouvidos mesmo horas após o seu término.

O flow de Yung Buda nunca esteve tão bem antes e as rimas conseguem ser encaixadas de forma simples, porém impactante, ainda que esse não seja o foco do trap. Yung Buda é um dos poucos que consegue aliar conteúdo com estética musical dentro desse gênero, que eu, particularmente gosto, mas reconhece suas falhas. Acredito que o trap já esteve há tempo suficiente para que comecem a surgir artistas que queiram criar algo além de pura estética dentro do gênero.

Enfim, Músicas para Drift vol. II é uma ótima pedida para os fãs de hip hop brasileiros. Um dos artistas mais ousados dos últimos tempos e que ainda tem muita lenha pra queimar, merece mais reconhecimento do que recebe.

5 pontos