quinta-feira, 20 de junho de 2019

Dica cinematográfica: “Veneno para as fadas” (1984)

 

veneno

Fugindo do cinema europeu e norte-americano, hoje iremos para a América Latina, que também consegue produzir bons filmes, quando deixa a militância de lado e passa a se preocupar com a construção de boas histórias.

Veneno para as Fadas conta a história de duas amigas, Veronica e Flavia. Veronica, é uma menina aparentemente órfã que tem como norte apenas as histórias que sua avó lhe conta, notoriamente as histórias de bruxa, que a fascina. Por causa disso, Veronia se encontra mais isolada de seus colegas de sala e fica deslocada do mundo, procurando refúgio no seu mundo de fantasia. Já Flavia é uma menina recém-chegada na escola de Veronica e logo fica encantada pela personalidade de Veronica. As duas começam a se entender e formam uma amizade, mas a relação filial é prontamente abandonada para criar uma rivalidade mimética entre as duas meninas que só pode terminar em tragédia.

O filme é um terror muito bem construído, fortemente baseado no suspense para criar a sensação de susto eminente que nunca a se concretizar. Isso acaba criando uma atmosfera pesada em quem assiste, que é forçado a esperar até o último momento o acontecimento realmente maléfico da obra.

Explorando uma imagética mística a qual retoma a bruxaria que Veronica tanto gosta, o filme tem um ar denso e asqueroso, mas com doses oníricas. Isso serve de contraste para a imagem criada com as duas protagonistas da obra. Ambas brancas, sempre em vestidinhos bonitos e delicados, com cabelos arrumados e rosto impecável, escondem dentro de si atitudes e pensamentos puramente maléficos.

Veronica surge na vida de Flavia colocando em cheque as crenças que a menina recebe dentro de casa. Essa abertura a um novo mundo é uma oportunidade que Flavia não consegue deixar escapar. Veronica parece estar sempre um passo a sua frente e Flavia deseja estar um passo a frente de Veronica, mas é interessante que ela nunca faz isso de maneira clara. Flavia procura sempre manter uma distância, criando um certo ar blasée que não convence a audiência, mas vai influenciando aos poucos Veronica. Esse jogo mimético se arrasta durante o filme todo, nunca concluindo os desejos de Flavia ou Veronica. O resultado, já expresso nos diversos livros de Girard, só pode ser um: a tragédia.

Esse é um filme extremamente interessante e consegue nos revelar de forma sutil a natureza mimética a qual todo ser humano está preso.  Se queremos o que o outro deseja, no fundo desejamos ser o outro. Em última instância a existência de um terá que ceder para que o outro possa triunfar. E isso Veneno para as Fadas mostra de uma maneira fenomenal. O resultado é perturbador e afasta um pouco, mas não deixa de ser admirável.

Aliando uma estética onírica com uma atmosfera de horror, essa obra mexicana é um clássico perdido que merece ser trazido à tona para nos mostrar que o cinema latino-americano não fica resumido à pobre panfletagem.

4 pontos e meio