quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Dica musical: "Safe and Also no Fear" do Slaughter Beach, Dog (2019)

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Slaughter Beach, Dog é o projeto principal, mas antes secundário, de Jake Ewald, segundo vocalista e guitarrista da falecida Modern Baseball, uma das melhores bandas de pop-pós-punk a existir nos últimos anos e que acabou, mas deixou um filme, o Slaughter Beach, Dog.

É com esse projeto que Jake mostra toda a sua genialidade. Apesar de ser uma banda completa, o projeto iniciou só com ele e ele continua sendo o grande chefão por trás das canções da banda, portanto é possível apontar aqui muitas características que estiveram em álbuns antigos do Modern Baseball como marca de Jake mesmo.

As letras são carregadas de narrativas, não conectadas uma com as outras, mas que poderiam se passar muito bem por contos, se não estivessem versificadas e sendo cantadas. A banda acaba fazendo uma grande ode aos antigos trovadores, mesmo sem ter a intenção.

O estilo sonoro é bem a-lá Modern Baseball, seguindo uma linha mais pop dentro do pós-punk, mas com algumas liberdades criativas que eram tomadas apenas timidamente no Modern Baseball e aqui são o prato principal, como elementos de country, reforçando a melodia de algumas canções, carregando-as de personalidade.

O ar, de uma maneira geral, é jovial e alegre, mas sempre com aquela pitadinha de melancolia gostosa. Um álbum para ser escutado sozinho, admirando um pôr-do-sol, bebendo uma cervejinha ruim.

Vale a pena ouvir.

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Dica musical: "Vermelho" de Renan Benini

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Baixista da infame Lupe de Lupe, Renan Benini lançou em 2019 seu álbum solo.

Após uma noite de bebedeira e insucessos amorosos, o ex-baixista resolveu se esconder dentro de um banheiro e junto com o seu celular, seu violão e sua belíssimo voz, gravou as 5 canções que compõe essa ode ao mundo moderno, com relatos intimistas de sua vida atual, suas relações pessoais, seus dilemas e ambições mais reservados e guardados no fundo do coração, aliado a uma alma pesarosa e pensativa.

As letras contém um Q irônico que abre espaço para muitos pensamentos e ponderações sobre o seu real significado. A maioria carrega uma sonoridade lenta e pesarosa, mas algumas são bem divertidas e alegres, com refrões pegajosos e uma atmosfera dançante.

Vale a pena escutar.

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

A diametral oposição entre a série e filme em Cowboy Bebop

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Semana passada apresentei a minha digníssima namorada o filme de Cowboy Bebop. Foi o primeiro contato dela com a série e logo ela ficou animada para assistir o anime. Ela ainda não viu o anime, mas pelos comentários que ela me fez ao final do filme e a discussão que tivemos, eu concluí que, talvez, ela não fosse gostar tanto assim da série animada.

Eu também me encontro nessa, pois acho o filme superior ao anime, embora a série já tenha sido eleita por este que vos escreve como o melhor anime de todos os tempos. Após tantos anos sendo fã de Cowboy Bebop (e do trabalho do Shinichiro Watanabe, como um todo), eu finalmente descobri a razão da minha preferência: o filme é diametralmente oposto à filosofia da série.

Assumo que você conheça a ambos e se não conhece, imagino que seja melhor você conferir o filme e a série, ou pelo menos, se inteirar do que se trata essa obra para melhor absorver o conteúdo desse post.

A série é uma tragédia e isso não é segredo para ninguém. Ela começa e termina com Spike Spiegel, ele é o personagem principal, um anti-herói e que acaba morto no final de uma maneira grandiosa, na escadaria de uma catedral, com a tela embranquecendo, cravado de bala, sangrando baldes, após ter se despedido de todos os seus amigos de nave. A história de Spike é uma tragédia no sentido mais clássico do termo, não deixando nada a dever para as histórias de Édipo Rei ou Hamlet.

Além da tragédia, temos ainda a presença de uma série de diálogos espirituosos entre os seus personagens que nos remontam a escolas filosóficas que corroboram essa atmosfera trágica do anime, como o existencialismo de Sartre, que penetra no anime sem a menor sutileza logo no segundo episódio. O existencialismo, apesar de negar a excelência da experiência humana, aprofunda debates que surgem em peças trágicas como Hamlet, por exemplo.

Ser ou não ser, eis a questão do existencialismo.

Tudo isso cria na série uma aura melancólica, na melhor das hipóteses e até niilista, numa interpretação mais repulsiva. Realisticamente falando, é uma série difícil de ser engolida ao se chegar no final, com uma aura filosófica negativa. Reassistir a série é uma atividade amarga.

E então temos o filme.

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Criado 2 anos depois da série, o filme nos apresenta os mesmos personagens, em momentos antes dos últimos episódios e uma mudança radical na filosofia apresentada. Spike continua sendo um cara levado pelos acontecimentos, ele já está morto, um de seus olhos só enxerga o passado e ele enfrenta, no filme, um cara que está querendo destruir o mundo.

Vincent, assim como Spike, já está morto por dentro. Ele, inclusive, já perdeu a memória e está com o controle de um vírus que mata as pessoas rapidamente, pretendendo lançá-lo sobre Marte, afim de acabar com toda a população humana por lá.

Spike não é bem a sua contraparte, mas há uma diferença pontual e muito importante entre eles: Spike não é destrutivo. Spike pode até ser um suicida e tem atitudes caóticas, mas ao final do filme, ele derrota Vincent não pelo valor da recompensa, mas por não querer que o mundo seja destruído, em especial, a Elektra. Podemos assumir que ele se apaixonou e isso o motiva a salvar o mundo. Sabemos que é uma paixonite, mas, de qualquer forma, é o bastante para ele salvar o mundo.

Ao final, ainda vemos a icônica frase "Are you living in the real world?" enquanto Knock a Little Harder termina de ser tocada ao fundo. A música nos contra sobre um eu-lírico que está afundando cada vez mais em isolamento e desolação, mas nas últimas estrofes acaba descobrindo que isso não é vida e tenta escapar. Não sabemos se ele consegue, mas ele tentará, cada vez mais forte.

A mensagem é fortemente positiva, embora inconclusiva. É uma positividade sutil, caindo num espectro filosófico diametralmente oposto ao da série. No filme não há claras referências a filósofos, mas é possível inserir os questionamentos dentro da escola humanista.

And the more that I knocked
The hotter I got
The hotter I got
The harder I knocked
I just gotta break through the door


Gotta knock a little harder


O filme de Cowboy Bebop, ao contrário da série, é uma ode a vida e acho que é por isso que muitos dos fãs não gostam tanto do filme. Ele é um chamado ao amadurecimento, a fuga do casulo que nos isolam do mundo real, ao crescimento! E essa é uma mensagem que poucos conseguem engolir.

 

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Dica musical: "Sombrou Dúvida" do Boogarins (2019)

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Fui pego de surpresa com o novo lançamento do Boogarins e a surpresa foi bem-vinda.

O novo CD do Boogarins continua explorando os sons psicodélicos que fizeram da banda uma sensação do rock nacional há alguns anos e angariou muita fama internacional para eles em anos recentes.

Nesse novo álbum, eles aproximam-se de uma pegada mais seiscentista e menos aquela pegada neopsicodélica que os caracterizavam. No entanto, continuam explorando novas sonoridades e, aqui, são os elementos eletrônicos que mais chamam a atenção, fazendo uso de samples, teclados e outros sons, que, surpreendentemente, não destoam das guitarras distorcidas, principal marca da banda nesse CD.

O ar preguiçoso das melodias continua, mas com fortes ritmos que irão conseguir agitar todos os fãs da banda que comparecerem em seus futuros sons. É um CD com um apelo meio pop, mas sem deixar o ar misterioso, exótico até, que a banda carrega.

Vale a pena escutar.

terça-feira, 22 de outubro de 2019

Dica cinematográfica: "The Art of Self Defense" (2019)

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Faz tempo que não vejo uma boa comédia de humor negro... ainda bem que esse filme veio!

The Art of Self Defense conta a história de Casey Davis, um loser no pior sentido da palavra. Um cara com mais de 30 anos, que mora sozinho, tem um cachorro salsicha, não tem amigos no trabalho, anda curvado e muito menos namora. Após ele sofrer um ataque de uma gangue de motoqueiros numa noite, ficar hospitalizado e perder muitos dias de trabalho, decide se matricular num curso de karatê e a partir daí sua vida irá mudar completamente, mas não necessariamente pra melhor.

O filme é muito divertido, capturando de forma magistral a crise da masculinidade atual (com os dois polos, de um lado o perdedor virjão e do outro os machões metidos) de uma maneira leve e engraçada. Imagino o filme servindo de inspiração para muitos adolescentes ainda perdidos e conseguindo encontrar um caminho saudável com base nesse filme, que nos joga numa espiral endoidecida de eventos aleatórios, o que gera o absurdo e, por consequência, o humor.

O filme é uma comédia de humor negro, então não espero grandes diálogos espirituosos, nem cenas atrapalhadas, muito menos piadas de peido. Em compensação, temos situações absurdas, muito sérias dentro do universo do filme, mas engraçadas para quem está assistindo. Nessa temática, as atuações inexpressivas de Jesse Eisenberg, Imogen Potts e Alessandro Nivola valem ouro!

O filme é muito bem dirigido e trabalhado, com cenas belíssimas, uma paleta de cores chamativas, carregando o ar da obra de estilo e audácia.

É um filme que vale a pena assistir com os amigos, com a família, com a namorada, enfim, é uma ótima pedida, que eu não via desde Maratona do Amor.

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

O encerramento da mente brasileira

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Iniciei uma aula optativa esse semestre na faculdade e estou achando aterradora a experiência. Logo nas primeiras semanas vi uma demonstração de ignorância tão gigantesca que aquilo me deixou mal por quase 2 semanas. Vendo que aquilo estava me fazendo mal, decidi abordar aquelas aulas como um antropólogo estuda povos antigos e procuro estudar aquele comportamento abjeto demonstrado por mentes, supostamente, iluminadas.

Tudo começou com uma mudança de sala. Eu, aluno de humanas, fui jogado com o resto da turma que optou pela tal aula no bloco de engenharia. Logo na primeira aula, uma menina-menino do curso disse, brincando, que se sentia oprimida pelo nível de heterossexualidade exalada pelos corredores daquele bloco.

Na semana seguinte, a professora chegou mais cedo para a aula (assim como eu e alguns outros colegas de turma) e ainda haviam alunos de engenharia na sala. O grupinho de futuros engenheiros ajudaram a professora a arrumar a sala, ajeitaram o seu laptop numa mesa, conectaram ao datashow da sala, limparam a lousa, mas um deles cometeu o erro de ter vindo com uma camiseta escrito "Pró-vida". Foi o suficiente para acabar com toda o ritmo da sala, pois provocou protestos acalorados de alunos "pró-escolha" (como se aborto fosse escolha) em reflexões na aula.

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A aula em si é de literatura, mas todos os textos, poemas épicos, tragédias gregas, fábulas e até contos de fada são analisados sob uma ótica feminista. A sala, majoritariamente feminina, colabora para as discussões com relatos familiares, situações transmitidas por amigas, reportagens sensacionalistas e altos e amargurados comentários acerca do patriarcado, fazendo da aula uma verdadeira terapia de jovens desiludidas e pessimistas.

É o suficiente para retomarmos ideias de dois grandes pensadores das ciências humanas e que compartilhavam o mesmo sobrenome, mas que não tinha parentesco algum: Harold e Allan Bloom.

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Allan foi um filósofo americano que ganhou notoriedade em 1987, já no final da vida, ao lançar o livro The Closing of the American Mind, uma das melhores leituras que fiz esse ano e já entrou para um dos melhores livros da minha vida. O livro, uma crítica ao sistema universitário estadunidense, traçava uma regressão clara que começou nos anos 60 com os movimentos civis e que terminaram por entrar nas universidades, sufocando o pensamento científico das ciências humanas, a começar pelo relativismo, que assolou as universidades a partir das décadas de 60.

Influenciadas pelos filósofos pop franceses (Foucault, Derrida, Delleuze, et al), que por sua vez eram influenciados por Heidegger (não a toa são chamados por Allan como neo-heideggarianos, numa tradução livre), as universidades americanas deram continuidade ao plano de Nietzsche de invalidar as ciências naturais. O problema? Nietzsche falava de estética e eles começaram a aplicar as noções negativas de Nietzsche para tudo, da filosofia clássica à ciência política, esquecendo que a ciência não só depende da filosofia, como a filosofia é uma pré-ciência. É por causa da filosofia que existe ciência empírica, ciências naturais e, em última instância, ramos como a engenharia.

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Esse distanciamento das ciências humanas das ciências naturais provocou (e ainda provoca) uma ruptura dentro das universidades que faz mais mal às ciências humanas do que às ciências naturais ou técnicas (como são conhecidas hoje os ramos de engenharia e afins), pois esse isolamento priva os estudiosos das ciências humanas do contato daquilo que é o seu próprio objeto de estudo, o ser humano. É aí que Allan Bloom cria uma das melhores analogias que eu já tive o prazer de ler em toda a minha vida, ele diz que as ciências humanas se tornaram numa Atlantis, cada vez mais isolada e afundando, eu diria, nas águas da irrelevância.

Os cursos então se fecham cada vez mais em si mesmos, formando mais radicais do que profissionais. A pessoa que sente a "opressão heterossexual" hoje é a professora de ensino regular de amanhã. A discussão do aborto é mais uma questão de lógica do que uma questão de saúde pública, muito menos de saúde da mulher, mas não há uma aula de lógica para os alunos de humanas fora de filosofia, menos ainda há alunos de filosofia interessados em lógica de fato. Analisar fatos, argumentos, pesá-los, compará-los e saber as sua real medida é uma prática puramente filosófica e necessária para a vida se você quiser se considerar minimamente inteligente, mas não é isso que se faz nas faculdades de humanas atuais (ou, pelo menos, na maioria).

Há um fechamento cada vez maior da mentalidade universitária, cada vez mais caixinhas são criadas e ideias são jogadas nelas junto com as pessoas que supostamente as defendem e se defendem ideias cada vez mais fechadas em si mesmo, como o feminismo. Toda, TODA, obra literária que eu vi naquela aula foi analisada sob um viés feminista, até mesmo uma história como Snow Queen é usada para se atacar o patriarcado.

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Esse foco exagerado em apenas algumas poucas ideias que correspondem a ânsia de se dar voz a grupos minoritários (embora eu seja o único pardo da sala) criou o que Harold Bloom chamou de escolas de ressentimento.

Estudos feministas, pós-coloniais e pós-estruturalistas são apenas algumas das principais ideias que formariam as tais escolas de ressentimento. O termo é pejorativo e ofende muita gente, mas basta frequentar uma aula dessas pra saber que o termo é, na verdade, muito propício. Como já disse, TODA obra literária é analisada sob esse viés e eu nem acho isso um absurdo, é possível sim, afinal a literatura é uma caixa aberta de onde você pode tirar o que quiser. No entanto, detalhes importantes são deixados de lado para tirar uma moral que satisfaça o ego daquelas mulheres ressentidas em sala de aula, propiciando a elas um ambiente para expurgar as suas angústias e desgostos com os homens fora da aula.

Isso até que a atividade intelectual se torne hábito. A partir daí, ela vira uma professora que nem se esforça mais em analisar a obra, apenas repete aquilo que leu a vida toda e transmite, no automático, todas aquelas frases de efeito que, de tão vagas, se encaixam em qualquer lugar.

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E dessa forma, como bem salientado por Harold Bloom, se esquece de explorar os aspectos estéticos das obras, a escrita elaborada de Andersen, as ricas narrativas de Dickens, cheia de personagens e cenários robustos, a profunda reflexão que uma fábula de Esopo pode provocar e até mesmo os bravos insights que uma tragédia grega pode nos trazer sobre a natureza humana.

Tudo isso é esquecido em nome do quê? De uma ideologia. Palavra essa que é proferida a torto e a direito nas faculdades de humana hoje, às vezes em tom jocoso, para caçoar daquelas figuras "nefastas" que são contra ela, esquecendo de que o próprio deus deles, Marx, era contra essa coisa aí de ideologia.

Allan Bloom morreu em 1992, vítima de AIDS e Harold Bloom morreu essa semana, provavelmente vítima de complicações de saúde relacionadas a cirurgias cardíacas e problemas ósseos, não sei ao certo e isso não importa. Esses dois gigantes das ciências humanas são até hoje combatidos nas universidades brasileiras, mas o cenário que eles pintaram é o cenário que se vê hoje. As universidades brasileiras os detestam porque eles são o espelho pelo qual elas enxergam o seu interior e, no interior, ninguém é bonito.

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quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Dica cinematográfica: "Mahjong" (1996)

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Confesso, não conheço muito da história de Edward Yang, mas desde que entrei em contato pela primeira vez com suas obras cinematográficas há uns bons 6 anos, fiquei fascinado com seus filmes obscuros, cultos e corajosos.

Mahjong é sua penúltima obra e, apesar de ser construída como uma farsa, carrega ótimos momentos dramáticos, contando a história de Red Fish que se vê numa batalha entre a máfia taiwanesa e seu pai, que emprestou uma quantia absurda de dinheiro e como não consegue pagar, decide fugir. Seu filho também é membro de uma gangue de vagabundos que vivem dando pequenos golpes e o filme se estende entre essa narrativa principal e as diversas ramificações geradas pela interação de Red Fish com outras figuras numa viva Taipei.

Taipei é o centro do filme, que não deixa de exibir a beleza moderna da cidade, principalmente nas cenas noturnas, mas são os personagens que roubam a cena, em especial, o núcleo formado por Luen-Luen e Marthe, uma francesa que vai para o extremo oriente em busca de um cara que a abandonou em Londres. O filme carrega muito do cosmopolitanismo que se formou no extremo oriente nos anos 90 e início dos anos 2000, gerando verdadeiras "cidades do mundo".

Isso gera diversos momentos de reflexão profundos, apesar de breves, como mais para o final do filme, quando o ex de Marthe expõe um diálogo dizendo que Taiwan será o ápice da civilização ocidental e vendo o que acontece hoje em Hong Kong seu monólogo ganha um tom profético.

Mas o filme não deixa o humor de lado, criando situações bizarras, beirando o absurdo e diálogos inteligentes, mas sarcásticos, carregando o filme com um certo humor negro que abre ainda mais oportunidades para reflexões, seguindo o pensamento anti-China, anti-materialista e patriótico pró-Taiwan de Edward Yang, presente também em outros filmes de sua carreira.

Tudo isso fazem de Mahjong um filme corajoso, sui generis, sublime e reflexivo. Uma pérola dentro da cinematografia de Edward Yang.

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Links sortidos de quarta #12

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O mundo perdeu um grande ser humano... morreu Harold Bloom. Que Deus o tenha!

A arte da Topophilia, ame o lugar em que você mora.

E agora entrando num estado de espírito desolador, mais uma hipótese surge contra a singularidade.

Pelo jeito, eu vou gostar do Coringa! hehehehehehehe

Do melhor site da web, um puta artigo sobre a racionalidade por trás das emoções.

A verdade é encontrada na tensão e o poder, no paradoxo.

A censura chinesa chegou aos esportes americanos.

Finalmente saiu a live de 100 mil inscritos de Paulo Kogos! Foi genial, ousada, carregada de sentido, mas, acima de tudo isso, emocionante.

Ouça Ave Dulce, a ópera em homenagem a irmã Dulce.

A magia do bar.

terça-feira, 15 de outubro de 2019

Dica musical: "Lilac" por The Early November (2019)

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Depois de um breve atraso, o The Early November lançou o seu mais recente trabalho de estúdio, um álbum recheado de músicas originais, explorando um novo som dentro da carreira da banda, que não deixa de carregar a sua essência.

Lilac é o nome dessa mais nova aventura musical dentro da carreira do The Early November, que desde o seu retorno do hiato em 2012, se distanciam das suas raízes dentro da música emo para se elevar dentro do rock em geral. O retorno com In Currents já revelava uma aproximação maior com o post-rock e a progressão é clara quando colocamos Imbue no meio e seus canções mais tranquilas, românticas e animadas. Com esse álbum não é diferente, mas a banda não perde sua essência, como fica claro em My Weakness.

Não há uma profusão de elementos eletrônicos, nem uma mudança na construção das canções, eles continuam tendo os mesmos elementos de sempre, a ambição continua sendo a mesma, de criar canções simples, rápidas, mas tocantes, com a diferença de que aqui se explora acordes mais vivos e alegres para se fazer isso. O resultado é um som que lembra as canções mais animadas e agitadas de Modern Baseball, por exemplo.

As guitarras são muito bem colocadas, com toques aqui e ali que carregam a melodia das músicas (remanescentes do emo), mas com acordes que passam uma energia mais positiva. A atmosfera de todo o álbum é mais leve, porém não leviana, como seria de se esperar de um álbum de música pop.

Muito pelo contrário, o próprio single do álbum (Ave Maria) é um álbum cheio de referências, que vai de Schubert a futebol americano em pouco mais de 3 minutos. A maturidade da banda é clara, revelando-se em todas as suas camadas, dos instrumentos até as letras.

https://www.youtube.com/watch?v=6vpwWtRezU0

E não para por aí, Ace Enders alcançou um nível de maturidade vocal tão grande que agora ele não precisa mais estourar os seus pulmões para alcançar grandes notas. Sua voz encaixa-se perfeitamente em todas as canções, junto com os outros instrumentos, independente do tom da música, seja mais pesada, seja mais leve.

Com Lilac, The Early November se revela uma banda de rock mesmo, muito bem organizada e com oportunidades de promover debates entre fãs. Vale muito a pena escutar!

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Dica televisiva: Carole & Tuesday (2019)

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Andrew Breitbart, que Deus o tenha, dizia que a política é ladeira abaixo da cultura, ou seja, a cultura é mais importante do que a agenda política. Há gente sinistra por aí que acredita que tudo é ato político, mas a real é isso que o Breitbart dizia e o Shinichiro Watanabe entende a importância da cultura perfeitamente.

O novo anime do grandioso Shinichiro Watanabe continua a explorar o universo criado por ele em Cowboy Bebop e conta a história de duas meninas adolescentes, a Carole e a Tuesday, que se encontram por acaso numa ponte e começam a cantar juntas, iniciando assim um proveitoso caminho em direção ao sucesso musical, que culminará no milagre de 7 minutos.

Apesar do meu resumo, a história não é nada simples, porque cada uma das duas personagens carregam histórias extremamente profundas. Carole é uma menina orfã terrestre, que morou num campo de refugiados toda a sua infância e hoje mora quase de favor em cima da loja de um japonês que passa os seus dias fumando um cachimbo na frente da loja. Já Tuesday é filha de uma política que está concorrendo à presidência de Marte e foge de casa pois sua mãe é muito rígida com ela, buscando uma chance no mundo da música.

Logo de cara, elas encontram Gus, um produtor musical que fora baterista de uma banda e hoje passa os dias e noites dentro de um bar, engordando e se embebedando, sem limites. Ao ouvir a música das duas, Gus se emociona e decide produzi-las. O problema é que Gus já tem um passado falho como produtor musical, o que também o força a sair de sua zona de conforto ao interagir com elas.

Junte-se a eles, Roddy, também produtor musical que está por trás de Ertegum, o maior DJ de Marte, um rapaz magro, fraco e que é levado a sair de sua zona de conforto para acompanhar a dupla de cantoras amigas. Além dele, temos ainda Angela, uma ex-atriz mirim, que agora tenta a sorte no ramo da música, forçada por sua mãe, uma trans que a força a entrar em contato com Tao, o maior produtor musical de Marte, que usa IA para melhorar a voz de Angela e calcular todos os seus movimentos de forma que ela exiba sempre sua melhor performance, com a melhor voz.

A densidade de caracterizações é enorme, com histórias de fracasso no pano de fundo, temas pesados que se relacionam com os dias atuais e uma mensagem de esperança para prosseguirmos com os nossos sonhos. Além dos personagens, encontramos em Marte uma terra de esperança, o woolong (moeda cunhada lá em Cowboy Bebop) é a moeda digital utilizada em Marte, seu clima é artificial e toda a história se passa numa cratera do planeta vermelho. Parece que o futuro deu certo para Marte, mas não para a Terra, que afunda na pobreza e, provavelmente, guerras.

Nunca é jogado na cara o pano de fundo da história. Ao que tudo indica, a linha temporal é anterior a Cowboy Bebop, mas isso só podemos assumir. A partir daí, Shinichiro Watanabe tem liberdade de criar algo que se relaciona com problemas atuais que é questão da imigração. A mãe de Tuesday é uma espécie de Trump-mulher, contra os imigrantes terrestres e isso gera muitos conflitos ao longo da série.

No entanto, ao contrário do que seria de esperar de uma série feita em parceria com a Netflix, Watanabe nos apresenta uma solução nada ortodoxa para os padrões progressistas da empresa. Somos apresentados ao deep state de Marte, com a mãe de Tuesday sendo usada por um marketeiro milionário e um membro da elite artística de Marte usando sua influência pra produzir músicas que visam transformar os eleitores de Marte em zumbis. O resultado disso é uma abordagem que fica entre o conservador e o libertário, com a mãe de Tuesday mandando esse pessoal caçar coquinho, uma espécie de FBI de Marte tomando as rédeas da situação e a esperança caindo toda sobre a cultura, no caso, a música, para que um mundo melhor possa surgir.

E como não comentar a música de Carole & Tuesday? Esse é o ponto alto da série, que aliás, foi feita para celebrar os dez anos da FlyingDog, uma gravadora japonesa e os 20 anos do estúdio Bones. As canções originais são variadas, contando com a participação de uma ampla gama de artistas, inclusive de Thundercat e Flying Lotus, finalmente fazendo uma colaboração com o mestre Shinichiro Watanabe.

Nisso há um leve problema na série, porque os artistas convidados para cantar são americanos, ou pelo menos, cantam em inglês, enquanto que a série é japonesa. O resultado é uma grande diferença entre o tom de voz dos personagens quando estão falando e quanto estão cantando, como no exemplo abaixo:

https://youtu.be/S7uk8YfDFuw

Felizmente isso não ocorre com as personagens principais. Surpreendentemente, as dubladoras e as cantoras de Carole e Tuesday não tem uma voz tão distante assim.

Mas enfim, deixarei pra comentar mais sobre as músicas nas dicas de sua trilha sonora. Por enquanto, vale dizer que a primeira metade do anime foca menos no lado pessoal, social e político dos personagens e as condições em que se encontram e mais na trajetória musical de Carole e Tuesday, o que gera discussões interessantes, como a questão do uso de IA na indústria musical e a perseguição de fãs. Fora que há muito mais música pra se aproveitar e até para se rir, como a participação especial de um Vitas do Paraguai.

O que há de negativo em Carole & Tuesday? Não sei. Me diga você nos comentários, porque eu acho esse anime quase perfeito.

https://www.youtube.com/watch?v=4QuI8Rznxfc

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Links sortidos de quarta #11

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No Brasil, crime ou não, depende de quem comete, ofensivo ou não, depende de quem fala, certo ou errado, depende de quem pensa. No Brasil, tudo depende.

Numa discussão na sala, eu não consegui dizer que sou pró-vida. Isso me incomodou profundamente e é sempre bom lembrar de Francisco Razzo nessas horas.

O Kogos voltou a fazer vídeos de hagiologia. Conheça a Santa Teresinha do Menino Jesus.

Mesmo com o mundo podre em que vivemos, podemos encontrar uma saída nos perguntando "o que o meu melhor eu faria"?

O relatório anual de violência em Nova Iorque saiu e os resultados não irão agradar quem é contra armas... ahahahahahahahaha!!!

O Paquistão é um país pra se ficar de olho.

Novo quadro no canal do Kogos: quintanomics! E nesse programa, ele explicou como o livre mercado destrói a agenda globalista.

E pra finalizar, um mashup do grande Nujabes com Notorious B.I.G.

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Dica literária: "Fausto, segunda parte"

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E agora sim, a dica derradeira, a segunda parte do poema épico e trágico de Johann Wolfgang von Goethe.

A história nessa segunda parte inicia-se com Fausto deitado num gramado, uma área aberta, que irá prenunciar a amplidão que essa obra irá ganhar em comparação com seu início. Continuando seguindo o seu plano, Mefistófeles garante com que Fausto consiga tudo que ele sempre obteve, mesmo que isso envolva disfarçar-se dentro de um palácio imperial, invocar o espectro de Helena de Troia e dar a ele uma ilha inteira.

A segunda parte dá os tons épicos pelo qual Fausto é conhecido. Se na primeira parte temos muitas imagens góticas, remanescentes do romantismo, aqui o romantismo é morto, dando espaço para o neoclassicismo que Goethe passou a admirar com sua viagem para a Itália, após muitos anos de trabalho burocrático.

Temos uma nova noite de Valpúrgis, apenas com figuras mitológicas greco-romanas, a presença de Helena de Troia, uma guerra civil sendo travada sob o império desse imperador que não se apresenta e finalmente um projeto que foi expropriado por marxistas no século 20 (um tiro no pé, diga-se de passagem, mas isso não cabe nessa dica).

Mais uma vez a editora 34 faz um excelente trabalho, guiando o leitor no meio dessa amálgama de mito, religião, política, história e filosofia, com suas extensão notas de rodapé e as introduções para cada cena.

A tradução de Jenny Klabin Segall, que se confunde com a própria criação poética de Goethe (afinal a tradução de Fausto também se estendeu por quase toda a vida da tradutora, assim como a sua criação foi o projeto de vida do poeta), continuou excelente, mantendo quase todos os sentidos e, esforçando-se ao máximo para manter a estrutura e suas rimas. Foi um trabalho hercúleo admirável.

O encerramento é singelo, belo e poderoso, com imagens incríveis que retomam ao maior épico de todos os tempos, A Divina Comédia, conseguindo transpor para suas páginas quase que a mesma sensação que a obra dantesca, um espanto, uma sensação de medo, mas provocada pela grandiosidade de seu conteúdo.

Ao contrário de Dante, não sinto que Goethe estava especialmente iluminado, abençoado pelo Céu ao escrever sua obra, mas ele se revela a mim como um trabalho de um verdadeiro gênio, aquele que, nas palavras de Schiller, nem precisava se esforçar para criar uma obra incrível, imagine então quando se esforçasse? O resultado é isso aí.

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Dica musical: "Dead Horse X" do Touché Amoré (2019)

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Há 10 anos o Touché Amoré fazia a sua estreia com o lançamento de ...To The Beat of a Dead Horse. O CD se tornou uma fonte quase inesgotável de inspiração para uma penca de bandas que iriam surgir em torno daquele sonoridade, como La Dispute, Pianos Become The Teeth e toda a cena post-hardcore de Filadélfia, nos EUA. Para comemorar, eles realizaram esse lançamento.

A proposta de Dead Horse X é muito interessante, além de uma remasterização de ...To The Beat of a Dead Horse, ele contém ainda uma regravação do CD inteiro. Ou seja, além de ouvirmos o álbum de 2019 com uma qualidade superior, ainda temos a oportunidade de ouvir todas as 11 músicas que constituíam o álbum sob a técnica que a banda conseguiu angariar nesses 10 anos desde que lançaram seu primeiro álbum.

O resultado é nada menos que incrível.

Ao longo desses 10 anos, o Touché Amoré deixou de ser uma banda de post-hardcore com muito ódio no coração para se tornar uma banda de post-hardcore com um enfoque no lado conceitual de seus álbuns, explorando diversas sonoridades, sem esquecer as raízes.

A partir daí, temos o mesmo som, mas sendo retrabalhado. Algumas linhas de guitarra se sobressaem sobre outras, quando comparadas com sua versão de 2009, a bateria parece ter ganhado novas nuances, mas sem perder a velocidade. O baixo em algumas canções é menos marcante, mas cumpre perfeitamente o seu papel e o que dizer da voz de Jeremy Bolm? Ele não grita mais como antes, mas pode cantar, embora não seja um canto convencional. Seus gritos parecem ganhar mais ritmo e não são feitos para simplesmente gastar sua voz. Sem contar que eles ainda conseguiram chamar os parceiros que tiveram participações especiais no primeiro CD, o que é um ato louvável.

As novas versões se destacam no novo álbum, principalmente porque podem ser imediatamente comparadas com suas versões de 2009.

A ideia é muito interessante e vem na esteira da versão de 10 anos de Somewhere at the Bottom of the River Between Vega and Altair, o que é um exemplo para as outras bandas por aí, que poderiam retrabalhar seus primeiros lançamentos ao invés de fazer novos CD's ruins ou só lançar edições especiais com um monte de demos.

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Links de quarta #10

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Quer conhecer Noam Chomsky? Esse post é uma boa porta de entrada.

O Coppolla entrou no twitter!!! Que pena pra ele, que bom pra nós!

Conheça Urucu, o campo de extração de petróleo e gás natural no meio da floresta amazônica e que é mais uma prova da excelência brasileira em unir exploração de recursos naturais com preservação do meio ambiente.

Primeiro vídeo do Brasileirinhos com o grande Josias Teófilo!

E mais análise de Houllebecq pra quem se interessar. Seu novo livro parece trazer uma luz no fim do túnel em que o escritor dirigiu a carreira toda.

E mais do Quilette, um artigo que apenas confirma o que muita gente já sabe, mas não pode falar em voz alta: ninguém nasce no corpo errado!

terça-feira, 1 de outubro de 2019

Dica literária: "Fausto, parte 1"

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Essa é uma dica que estou devendo há muito tempo, desde o ano passado, porque li o magnum opus de Johann Wolfgang von Goethe em 2018, mas só fui concluir a leitura da obra com sua segunda parte esse ano, retomando a leitura das duas partes.

A obra conta a história de Henrique Fausto, um erudito que, entediado com sua vida, faz uma aposta com Mefistófeles, um demônio, a qual consiste em Mefistófeles dar tudo que Fausto quiser em vida, mas Fausto irá ter que trabalhar para ele no inferno, isso, se Mefistófeles conseguir criar uma situação de felicidade tão extrema que Fausto não vai querer que ela acabe.

A partir daí inicia-se a trajetória de Fausto com Mefistófeles, elaborada como uma peça teatral versificada, proposta para ser lida, mais do que encenada, o que garante a obra seu título de poema trágico.

Seguindo os preceitos românticos que Goethe inclusive ajudou a construir, a obra concentra-se na relação entre Fausto e Margarida, fruto de sua admiração, conquista e futura tragédia, o que não garante que o pacto entre Fausto e Mefistófeles chegue ao final nessa primeira parte.

A obra é muito bem construído, com um balanceamento de elementos fantásticos e românticos perfeitos, cheia de ligações com diversas obras de arte e situações que faziam parte da vida dos leitores-alvo da época. Tudo isso cria um certo hermetismo para os leitores brasileiros de hoje, mas a edição da Editora 34 é impecável em seu trabalho de notas e introdução a cenas, que explicitam muito do conteúdo, facilitando em muito a vida de qualquer leitor.

A tradução de Jenny Klabin Segall é impecável, mantendo a estrutura dos versos, seu sentido e suas rimas, sempre que possível (e isso é quase sempre!). A linguagem é complicada como todo poema épico, mas é daquele jeito, uma vez que você se acostuma com aquele universo, consegue respirar sem o menor problema.

Quando li ano passado, já sabia que poderia esperar algo incrível com a leitura da segunda parte, mas só fui fazer isso esse ano, não sem antes reler esse fantástico volume. Como é de praxe, da segunda vez não só foi mais fácil, como muito mais proveitoso.