quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Dica televisiva: Carole & Tuesday (2019)

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Andrew Breitbart, que Deus o tenha, dizia que a política é ladeira abaixo da cultura, ou seja, a cultura é mais importante do que a agenda política. Há gente sinistra por aí que acredita que tudo é ato político, mas a real é isso que o Breitbart dizia e o Shinichiro Watanabe entende a importância da cultura perfeitamente.

O novo anime do grandioso Shinichiro Watanabe continua a explorar o universo criado por ele em Cowboy Bebop e conta a história de duas meninas adolescentes, a Carole e a Tuesday, que se encontram por acaso numa ponte e começam a cantar juntas, iniciando assim um proveitoso caminho em direção ao sucesso musical, que culminará no milagre de 7 minutos.

Apesar do meu resumo, a história não é nada simples, porque cada uma das duas personagens carregam histórias extremamente profundas. Carole é uma menina orfã terrestre, que morou num campo de refugiados toda a sua infância e hoje mora quase de favor em cima da loja de um japonês que passa os seus dias fumando um cachimbo na frente da loja. Já Tuesday é filha de uma política que está concorrendo à presidência de Marte e foge de casa pois sua mãe é muito rígida com ela, buscando uma chance no mundo da música.

Logo de cara, elas encontram Gus, um produtor musical que fora baterista de uma banda e hoje passa os dias e noites dentro de um bar, engordando e se embebedando, sem limites. Ao ouvir a música das duas, Gus se emociona e decide produzi-las. O problema é que Gus já tem um passado falho como produtor musical, o que também o força a sair de sua zona de conforto ao interagir com elas.

Junte-se a eles, Roddy, também produtor musical que está por trás de Ertegum, o maior DJ de Marte, um rapaz magro, fraco e que é levado a sair de sua zona de conforto para acompanhar a dupla de cantoras amigas. Além dele, temos ainda Angela, uma ex-atriz mirim, que agora tenta a sorte no ramo da música, forçada por sua mãe, uma trans que a força a entrar em contato com Tao, o maior produtor musical de Marte, que usa IA para melhorar a voz de Angela e calcular todos os seus movimentos de forma que ela exiba sempre sua melhor performance, com a melhor voz.

A densidade de caracterizações é enorme, com histórias de fracasso no pano de fundo, temas pesados que se relacionam com os dias atuais e uma mensagem de esperança para prosseguirmos com os nossos sonhos. Além dos personagens, encontramos em Marte uma terra de esperança, o woolong (moeda cunhada lá em Cowboy Bebop) é a moeda digital utilizada em Marte, seu clima é artificial e toda a história se passa numa cratera do planeta vermelho. Parece que o futuro deu certo para Marte, mas não para a Terra, que afunda na pobreza e, provavelmente, guerras.

Nunca é jogado na cara o pano de fundo da história. Ao que tudo indica, a linha temporal é anterior a Cowboy Bebop, mas isso só podemos assumir. A partir daí, Shinichiro Watanabe tem liberdade de criar algo que se relaciona com problemas atuais que é questão da imigração. A mãe de Tuesday é uma espécie de Trump-mulher, contra os imigrantes terrestres e isso gera muitos conflitos ao longo da série.

No entanto, ao contrário do que seria de esperar de uma série feita em parceria com a Netflix, Watanabe nos apresenta uma solução nada ortodoxa para os padrões progressistas da empresa. Somos apresentados ao deep state de Marte, com a mãe de Tuesday sendo usada por um marketeiro milionário e um membro da elite artística de Marte usando sua influência pra produzir músicas que visam transformar os eleitores de Marte em zumbis. O resultado disso é uma abordagem que fica entre o conservador e o libertário, com a mãe de Tuesday mandando esse pessoal caçar coquinho, uma espécie de FBI de Marte tomando as rédeas da situação e a esperança caindo toda sobre a cultura, no caso, a música, para que um mundo melhor possa surgir.

E como não comentar a música de Carole & Tuesday? Esse é o ponto alto da série, que aliás, foi feita para celebrar os dez anos da FlyingDog, uma gravadora japonesa e os 20 anos do estúdio Bones. As canções originais são variadas, contando com a participação de uma ampla gama de artistas, inclusive de Thundercat e Flying Lotus, finalmente fazendo uma colaboração com o mestre Shinichiro Watanabe.

Nisso há um leve problema na série, porque os artistas convidados para cantar são americanos, ou pelo menos, cantam em inglês, enquanto que a série é japonesa. O resultado é uma grande diferença entre o tom de voz dos personagens quando estão falando e quanto estão cantando, como no exemplo abaixo:

https://youtu.be/S7uk8YfDFuw

Felizmente isso não ocorre com as personagens principais. Surpreendentemente, as dubladoras e as cantoras de Carole e Tuesday não tem uma voz tão distante assim.

Mas enfim, deixarei pra comentar mais sobre as músicas nas dicas de sua trilha sonora. Por enquanto, vale dizer que a primeira metade do anime foca menos no lado pessoal, social e político dos personagens e as condições em que se encontram e mais na trajetória musical de Carole e Tuesday, o que gera discussões interessantes, como a questão do uso de IA na indústria musical e a perseguição de fãs. Fora que há muito mais música pra se aproveitar e até para se rir, como a participação especial de um Vitas do Paraguai.

O que há de negativo em Carole & Tuesday? Não sei. Me diga você nos comentários, porque eu acho esse anime quase perfeito.

https://www.youtube.com/watch?v=4QuI8Rznxfc